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Fuvest 2022 - 1ª fase


Questão 21 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Quincas Borba

I.

Suave mari magno*

Lembra-me que, em certo dia,

Na rua, ao sol de verão,

Envenenado morria

Um pobre cão.

 

Arfava, espumava e ria,

De um riso espúrio e bufão,

Ventre e pernas sacudia

Na convulsão.

 

Nenhum, nenhum curioso

Passava, sem se deter,

Silencioso,

 

Junto ao cão que ia morrer,

Como se lhe desse gozo

Ver padecer.

                                                    Machado de Assis. Ocidentais.

*Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das coisas), a qual aparece no seguinte trecho: Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum alterius spectare laborem. (“É agradável, enquanto no mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da terra os grandes esforços de um outro.”).

II.

Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e que o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão.

Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII.

III.

Sofia soltou um grito de horror e acordou. Tinha ao pé do leito o marido:

— Que foi? perguntou ele.

— Ah! respirou Sofia. Gritei, não gritei?

(...)

— Sonhei que estavam matando você.

Palha ficou enternecido. Havê-la feito padecer por ele, ainda que em sonhos, encheu-o de piedade, mas de uma piedade gostosa, um sentimento particular, íntimo, profundo, —  que o faria desejar outros pesadelos, para que o assassinassem aos olhos dela, e para que ela gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor.

Machado de Assis. Quincas Borba, cap. CLXI.


A analogia consiste em um recurso de expressão comumente utilizado para ilustrar um raciocínio por meio da semelhança que se observa entre dois fatos ou ideias. No texto II, a analogia construída a partir da imagem do chicote pretende sugerir que



a)

o instrumento do castigo nem sempre cai em mãos justas.

b)

o apreço aos objetos independe do uso que se faz deles.

c)

o cabo é metáfora de mérito, e a ponta, metáfora de culpa.

d)

o mais fraco, por ser compassivo, é incapaz de desfrutar do poder.

e)

o prazer verdadeiro se experimenta no lado dos dominantes.

Resolução

a) Incorreta. A analogia do chicote remete às relações de poder e não sugere a possibilidade de haver justiça na aplicação do castigo.

b) Incorreta. A referência ao cabo do chicote remete necessariamente ao uso que se faz desse instrumento (açoitar, castigar, punir); logo, não é possível observá-lo de modo independente de sua finalidade.

c) Incorreta. Considerando o contexto escravista retratado pelo romance “Quincas Borba”, não é possível considerar que aqueles que detém o cabo do chicote ocupem essa posição devido ao mérito, nem tampouco que os que sofrem os castigos na ponta sejam culpados. São as condições sociais e históricas injustas que determinam a posição que os sujeitos ocupam nessa relação de poder simbolizada pelo chicote.

d) Incorreta. Considerando o contexto do romance, verifica-se que são as condições históricas e sociais que determinam os lugares de sujeição e dominação, e não alguma característica de personalidade do dominado, como ser compassivo, por exemplo.

e) Correta. No romance, a imagem do chicote não é gratuita, pois remete à escravidão, mais especificamente aos castigos físicos impostos aos escravizados no contexto histórico brasileiro do Segundo Reinado, cenário da narrativa. Nesse sentido, esse objeto simboliza as relações de poder e a dominação que estão instauradas nessa sociedade e, ao empregá-lo em sua analogia, Quincas Borba explicita que somente aqueles que seguram o cabo do chicote, ou seja, somente os que detêm o poder é que serão capazes de apreciar esse sistema desigual e injusto.

Questão 22 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Quincas Borba

I.

Suave mari magno*

Lembra-me que, em certo dia,

Na rua, ao sol de verão,

Envenenado morria

Um pobre cão.

 

Arfava, espumava e ria,

De um riso espúrio e bufão,

Ventre e pernas sacudia

Na convulsão.

 

Nenhum, nenhum curioso

Passava, sem se deter,

Silencioso,

 

Junto ao cão que ia morrer,

Como se lhe desse gozo

Ver padecer.

                                                    Machado de Assis. Ocidentais.

*Expressão latina, retirada de Lucrécio (Da natureza das coisas), a qual aparece no seguinte trecho: Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis/ E terra magnum alterius spectare laborem. (“É agradável, enquanto no mar revoltoso os ventos levantam as águas, observar da terra os grandes esforços de um outro.”).

II.

Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e que o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão.

Machado de Assis. Quincas Borba, cap. XVIII.

III.

Sofia soltou um grito de horror e acordou. Tinha ao pé do leito o marido:

— Que foi? perguntou ele.

— Ah! respirou Sofia. Gritei, não gritei?

(...)

— Sonhei que estavam matando você.

Palha ficou enternecido. Havê-la feito padecer por ele, ainda que em sonhos, encheu-o de piedade, mas de uma piedade gostosa, um sentimento particular, íntimo, profundo, —  que o faria desejar outros pesadelos, para que o assassinassem aos olhos dela, e para que ela gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor.

Machado de Assis. Quincas Borba, cap. CLXI.


No texto III, ao analisar a interioridade de Palha, o narrador descobre, no pensamento oculto do negociante,



a)

a ternura que lhe inspira a mulher, capaz de toda abnegação.

b)

a piedade que lhe causa a mulher, a quem só guarda desprezo.

c)

a vaidade que beira o sadismo, ao ver a mulher sofrer por ele.

d)

o gozo vingativo, visto que a mulher o trai com Carlos Maria.

e)

o remorso do infiel, pois ele trai a mulher com Maria Benedita.

Resolução

a) Incorreta. Numa análise mais profunda, o narrador revela que a ternura e a piedade sentidas por Palha, ao ver sua esposa sofrendo por ele, encobrem uma vaidade extrema, levando-o a desejar que esse sofrimento se repita.

b) Incorreta. Palha não despreza sua esposa; ao contrário, sente-se envaidecido pelos dotes físicos de Sofia e gosta de exibi-la a outros homens.

c) Correta. Ao afirmar que Palha tem "um sentimento particular, íntimo, profundo, – que o faria desejar outros pesadelos, para que o assassinassem aos olhos dela, e para que ela gritasse angustiada, convulsa, cheia de dor e de pavor", o narrador revela como a vaidade de Cristiano leva-o a um pensamento sádico, uma vez que deseja ver Sofia sofrendo por ele, mesmo que o sofrimento seja provocado por pesadelos.

d) Incorreta. Embora sinta-se atraída por Carlos Maria, e os dois cheguem a flertar, Sofia não chega a cometer adultério; além disso, Palha desconhece esse fato.

e) Incorreta. Palha não teve um relacionamento extraconjugal com Maria Benedita.

Questão 23 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Gregório de Matos

Largo em sentir, em respirar sucinto,

Peno, e calo, tão fino, e tão atento,

Que fazendo disfarce do tormento

Mostro que o não padeço, e sei que o sinto.

 

O mal, que fora encubro, ou que desminto,

Dentro no coração é que o sustento:

Com que, para penar é sentimento,

Para não se entender, é labirinto.

 

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;

Da tempestade é o estrondo efeito:

Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.

 

Mas oh do meu segredo alto conceito!

Pois não me chegam a vir à boca os tiros

Dos combates que vão dentro no peito.

Gregório de Matos e Guerra

No soneto, o eu lírico:



a)

expressa um conflito que confirma a imagem pública do poeta, conhecido pelo epíteto de “o Boca do Inferno”.

b)

opta por sufocar a própria voz como estratégia apaziguadora de suas perturbações de foro íntimo.

c)

explora a censura que o autor sofreu em sua época, ao ser impedido de dar expressão aos seus sentimentos.

d)

estabelece, nos tercetos, um contraponto semântico entre as metáforas da natureza e da guerra.

e)

revela-se como um ser atormentado, ao mesmo tempo que omite a natureza de seu sofrimento.

Resolução

a) Incorreta. O epíteto de "Boca do Inferno" deve-se aos poemas satíricos e eróticos produzidos por Gregório de Matos. Nesse caso, trata-se de um soneto lírico reflexivo.

b) Incorreta. O sufocamento da voz do eu lírico não é capaz de apaziguar as suas perturbações íntimas, apenas impede que sejam exteriorizadas, como verificamos nos versos "O mal, que fora encubro, ou que desminto, / Dentro no coração é que o sustento:".

c) Incorreta. O poema não faz menção à censura sofrida por Gregório de Matos; as desavenças que o poeta enfrentou foram devido à sua poesia satírica, não por conta de poemas líricos.

d) Incorreta. Tanto a natureza quanto a guerra são apresentadas, nos tercetos, como ruidosas: a tempestade provoca estrondo que ecoa na terra e faz o mar suspirar; da mesma forma, a guerra é marcada pelos tiros dos combates. O contraponto se estabelece entre esses ruídos (da natureza e da guerra) e o sofrimento interno do eu-lírico, uma vez que ele não expressa seus sentimentos em queixas e lamentos.

e) Correta. Ao longo do soneto, o eu lírico revela-se atormentado por meio de expressões como "peno" (sofro), "tormento", "O mal [...] dentro do coração é que o sustento" e "combates que vão dentro do peito". No entanto, não revela, em seus versos, a natureza desse sofrimento; ou seja, não sabemos por que ele está atormentado.

Questão 24 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Mensagem (Fernando Pessoa)

Nun´Álvares Pereira

 

Que auréola te cerca?

É a espada que, volteando,

Faz que o ar alto perca

Seu azul negro e brando.

 

Mas que espada é que, erguida,

Faz esse halo no céu?

É Excalibur, a ungida,

Que o Rei Artur te deu.

 

´Sperança consumada,

S. Portugal em ser,

Ergue a luz da tua espada

Para a estrada se ver!

Fernando Pessoa. In: “A Coroa”, Parte I, Mensagem.

A primeira parte de Mensagem, organizada como um correlativo poético do Brasão das Armas de Portugal, perfila uma série de figuras míticas e históricas que teriam sido responsáveis pela formação nacional portuguesa. A seleção de Nun´Álvares Pereira para ocupar o lugar da Coroa



a)

sugere, pela imagem do halo de luz, que a verdadeira nobreza é de espírito.

b)

destaca, através da referência ao mito arturiano, o seu sangue bretão.

c)

distingue, por meio do substantivo “´sperança”, um regente digno de seu posto.

d)

enaltece, pela repetição da palavra espada, a guerra como estrada para o futuro.

e)

indica, associada ao adjetivo “consumada”, uma visão desenganada da história.

Resolução

O poema celebra Nun’Álvares Pereira, conhecido também como o “Santo Condestável”, nobre português que viveu no século XV. Como um cavaleiro e general, liderou os portugueses na batalha de Aljubarrota, conquistando a independência de Portugal em relação a Castela e garantindo a coroação do rei D. João I. Em 1423, após a morte da esposa, entrou para a vida religiosa.

a) Correta. A imagem do halo de luz perpassa o poema e é referida já no primeiro verso através da menção à auréola que envolve a figura de Nun’Álvares Pereira. Essa auréola pode ser vista tanto como um símbolo de santidade (o guerreiro que se tornou monge) como também de heroísmo de combate, já que formada pela “espada volteando”. Desse modo, o poeta sugere que a nobreza alcançada por esse herói se deve a seus atos e grandeza de espírito. Tal nobreza é assinalada pelo halo de luz que distingue Nun’Álvares como um santo e um guerreiro, o que faz dele alguém superior aos homens comuns.

b) Incorreta. O mito arturiano é mencionado na segunda estrofe a partir da referência à Excalibur (a mítica espada que só poderia ser manejada pelo melhor dos cavaleiros) bem como ao rei Artur (lendário rei das narrativas cavaleirescas de origem bretã). Ao empregar tais referências, Pessoa não pretende sugerir que Nun’Álvares tenha sangue bretão, mas sim que ele se iguala em heroísmo e nobreza aos heróis da “Demanda do Santo Graal”, novela de cavalaria bastante popular em Portugal no século XV.

c) Incorreta. Devido aos feitos de Nun’Álvares Pereira, Pessoa o considera, de fato, como a “’sperança consumada” de Portugal, isto é, através dele se concretizou a existência de Portugal como país independente. Entretanto, a alternativa menciona apenas a palavra “esperança” sem acrescentar o adjetivo “consumada”, o que fragiliza a leitura proposta, visto que, sem esse complemento, a esperança é apenas uma vontade ou um desejo ainda não realizados.

d) Incorreta. No poema, Fernando Pessoa celebra o heroísmo e as virtudes de Nun’Álvares, e não propriamente a guerra em si. Nos versos “Ergue a luz da tua espada/ Para a estrada se ver!”, o poeta se dirige ao herói como um modelo ou inspiração que possa apontar um caminho para os portugueses em direção ao futuro. Assim, a espada é mais um símbolo que uma referência literal à guerra.

e) Incorreta. O final do poema aponta para uma perspectiva utópica de um futuro iluminado por um grande herói da história portuguesa. Os modelos do passado servirão de inspiração para que os portugueses do presente possam construir sua história rumo a um futuro grandioso. Tendo isso em vista, é incorreto considerar que Pessoa apresenta uma visão desenganada da história.

Questão 25 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Artigo de Opinião Pressupostos e Subentendidos

A taxação de livros tem um efeito cascata que acaba custando caro não apenas ao leitor, como também ao mercado editorial – que há anos não anda bem das pernas – e, em última instância, ao desenvolvimento econômico do país. A gente explica. Taxar um produto significa, quase sempre, um aumento no valor do produto final. Isso porque ao menos uma parte desse imposto será repassada ao consumidor, especialmente se considerarmos que as editoras e livrarias enfrentam há anos uma crise que agora está intensificada pela pandemia e não poderiam retirar o valor desse imposto de seu já apertado lucro. Livros mais caros também resultam em queda de vendas, que, por sua vez, enfraquece ainda mais editoras e as impede de investir em novas publicações – especialmente aquelas de menor apelo comercial, mas igualmente importantes para a pluralidade de ideias. Já deu para perceber a confusão, não é? Mas, além disso, qual seria o custo de uma sociedade com menos leitores e menos livros?

Taís Ilhéu. “Por que taxar os livros pode gerar retrocesso social e econômico no país”. Guia do Estudante. Setembro/2020. Adaptado.


De acordo com o texto, os eventos sequenciais aos quais alude a expressão “efeito cascata” são:



a)

livros mais caros, decréscimo de vendas, estímulo às editoras, supressão de investimento em novas publicações.

b)

aumento do valor do produto final, queda de vendas, encolhimento das editoras, aumento do investimento em novas obras.

c)

livros mais caros, instabilidade nas vendas, enfraquecimento das editoras, expansão das publicações.

d)

aumento do valor do produto final, contração nas vendas, esgotamento das editoras, falta de investimento em novas publicações.

e)

livros mais caros, equilíbrio nas vendas, diminuição das editoras, carência de investimento em novas publicações.

Resolução

O texto aborda o “efeito cascata” provocado pela taxação dos livros. O autor mostra que taxar livros deixa-os mais caros, o que faz com que o público leitor compre menos; consequentemente, as livrarias passam a ter menos capital, o que prejudica, também, as editoras, por passarem a produzir menos livros em virtude da baixa demanda; por fim, pelo fato de a produção e a venda ficarem reduzidas, os investimentos em novas publicações também acabam sendo impactados de forma negativa.

a) Incorreta. O “efeito cascata” não contempla o estímulo às editoras, já que ela sofrem diretamente com a redução das vendas de livros.

b) Incorreta. Com a taxação dos livros, não há aumento do investimento em novas obras, pois o encarecimento dos livros faz com que esses investimentos fiquem escassos.

c) Incorreta. A “expansão das publicações” não é consequência da taxação dos livros, segundo o texto.

d) Correta. Todas as consequências desta alternativa são citadas pelo autor do texto e fazem parte do “efeito cascata” produzido pela taxação de livros, como é mostrado pelos trechos em negrito presentes no comentário introdutório dessa questão.

e) Incorreta. Não há “equilíbrio nas vendas” com a taxação dos livros, mas sim uma redução delas.

 

Questão 26 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

elementos coesivos referenciais Pronomes relativos

A taxação de livros tem um efeito cascata que acaba custando caro não apenas ao leitor, como também ao mercado editorial – que há anos não anda bem das pernas – e, em última instância, ao desenvolvimento econômico do país. A gente explica. Taxar um produto significa, quase sempre, um aumento no valor do produto final. Isso porque ao menos uma parte desse imposto será repassada ao consumidor, especialmente se considerarmos que as editoras e livrarias enfrentam há anos uma crise que agora está intensificada pela pandemia e não poderiam retirar o valor desse imposto de seu já apertado lucro. Livros mais caros também resultam em queda de vendas, que, por sua vez, enfraquece ainda mais editoras e as impede de investir em novas publicações – especialmente aquelas de menor apelo comercial, mas igualmente importantes para a pluralidade de ideias. Já deu para perceber a confusão, não é? Mas, além disso, qual seria o custo de uma sociedade com menos leitores e menos livros?

Taís Ilhéu. “Por que taxar os livros pode gerar retrocesso social e econômico no país”. Guia do Estudante. Setembro/2020. Adaptado.


No texto, os pronomes em negrito referem-se, respectivamente, a:



a)

taxação de livros, mercado editorial, crise, queda de vendas.

b)

taxação de livros, leitor, crise, queda de vendas.

c)

efeito cascata, mercado editorial, crise, queda de vendas.

d)

efeito cascata, mercado editorial, livrarias, livros.

e)

efeito cascata, leitor, crise, livros.

Resolução

 

 

A questão solicitava que fossem identificados os referentes textuais dos pronomes relativos negritados no texto. Assim, temos as seguintes relações.

Todos os pronomes têm, como seu referente, o termo anteposto (em azul); resultando, portanto, na lista de itens apresentados na letra C.

Questão 27 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pressupostos e Subentendidos

Chega um momento em que a tensão eu/mundo se exprime mediante uma perspectiva crítica, imanente à escrita, o que torna o romance não mais uma variante literária da rotina social, mas o seu avesso; logo, o oposto do discurso ideológico do homem médio. O romancista “imitaria” a vida, sim, mas qual vida? Aquela cujo sentido dramático escapa a homens e mulheres entorpecidos ou automatizados por seus hábitos cotidianos. A vida como objeto de busca e construção, e não a vida como encadeamento de tempos vazios e inertes. Caso essa pobre vidamorte deva ser tematizada, ela aparecerá como tal, degradada, sem a aura positiva com que as palavras “realismo” e “realidade” são usadas nos discursos que fazem a apologia conformista da “vida como ela é”... A escrita da resistência, a narrativa atravessada pela tensão crítica, mostra, sem retórica nem alarde ideológico, que essa “vida como ela é” é, quase sempre, o ramerrão de um mecanismo alienante, precisamente o contrário da vida plena e digna de ser vivida. É nesse sentido que se pode dizer que a narrativa descobre a vida verdadeira, e que esta abraça e transcende a vida real. A literatura, com ser ficção, resiste à mentira. É nesse horizonte que o espaço da literatura, considerado em geral como lugar da fantasia, pode ser o lugar da verdade mais exigente.

Alfredo Bosi. “Narrativa e resistência”. Adaptado.

O conceito de resistência, expresso pela tensão do indivíduo perante o mundo, adquire perspectiva crítica na escrita do romance quando o autor



a)

rompe a superfície enganosa da realidade.

b)

forja um realismo rente à vida mesquinha.

c)

é neutro ao figurar a vacuidade do presente.

d)

conserva o discurso positivo da ordem.

e)

consegue sobrepor a fantasia à verdade.

Resolução

a) Correta. Para Bosi, a “escrita da resistência” é responsável por evidenciar um conceito de vida em que “realidade” e “realismo” não se referem a uma “vida plena e digna de ser vivida”, o que é recorrente nas narrativas, mas sim mostrar a “vida verdadeira”, que é “quase sempre” deturpada por um repetitivo mecanismo alienante.

b) Incorreta. A criticidade do conceito de resistência está justamente em desconstruir um conceito equivocado atribuído à realidade da vida, e não por construir um.

c) Incorreta. A crítica é elaborada a partir de um posicionamento contrário do autor do texto em relação ao que se entende como realidade.

d) Incorreta. Para o autor, a tensão do indivíduo perante o mundo é o que faz a escrita ser oposta à ideia de “variante literária da rotina social” e ao “discurso ideológico do homem médio”, o que corrompe a ordem dos discursos preestabelecidos.

e) Incorreta. O autor afirma que a “narrativa atravessada pela tensão crítica” tem como consequência o “descobrimento da verdade” e, por essa razão, a literatura, apesar de normalmente ser associada à fantasia, poderia “ser o lugar da verdade mais exigente”.

Questão 28 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pressupostos e Subentendidos

A escrita faz de tal modo parte de nossa civilização que poderia servir de definição dela própria. A história da humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a partir da escrita. Talvez venha o dia de uma terceira era — depois da escrita. Vivemos os séculos da civilização escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se no escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito substitui a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à tradição lendária. E sobretudo não existe história que não se funde sobre textos.

Charles Higounet. A história da escrita. Adaptado.


A escrita poderia servir de definição da nossa civilização, uma vez que



a)

a terceira era está prestes a acontecer.

b)

o escrito respalda as atividades humanas.

c)

as convenções verbais substituíram o escrito.

d)

a oralidade deixou de ser usada em períodos remotos.

e)

os textos pararam de se modificar a partir da escrita.

Resolução

No início do texto, o autor afirma que a escrita poderia servir de definição da nossa civilização e, logo sem seguida, passa a dar justificativas para tal afirmação. Ele mostra que a escrita é um marco que divide a história, fala que as leis escritas substituem os acordos realizados oralmente, cita que os textos religiosos escritos se sobrepõem às lendas, que circulavam oralmente e, por fim, conclui que a história é registrada em textos escritos. Desse modo, com as justificativas dadas pelo autor do texto, é possível inferir que várias atividades humanas são respaldadas pela escrita, o que vai ao encontro da alternativa B.

a) Incorreta. O autor cita que talvez uma terceira era possa acontecer, mas essa afirmação não valida, de forma alguma, o fato de a escrita servir de definição de nossa civilização.

b) Correta. Os exemplos dados pelo autor após sua afirmação inicial – de que a escrita serve para definir a nossa civilização – são usados justamente para mostrar que a escrita permeia as atividades humanas.

c) Incorreta. O autor afirma exatamente o contrário, pois mostra que a modalidade escrita substitui as convenções verbais.

d) Incorreta. O autor não cita, em nenhum momento do texto, que a oralidade deixou de ser usada.

e) Incorreta. O autor não afirma que os textos pararam de se modificar a partir da escrita e, além disso, não seria essa ideia que justificaria a afirmação do autor de que a escrita serve como forma de definir nossa civilização.

Questão 29 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Valores semânticos (advérbio) Subordinativa

A escrita faz de tal modo parte de nossa civilização que poderia servir de definição dela própria. A história da humanidade se divide em duas imensas eras: antes e a partir da escrita. Talvez venha o dia de uma terceira era — depois da escrita. Vivemos os séculos da civilização escrita. Todas as nossas sociedades baseiam-se no escrito. A lei escrita substitui a lei oral, o contrato escrito substitui a convenção verbal, a religião escrita se seguiu à tradição lendária. E sobretudo não existe história que não se funde sobre textos.

Charles Higounet. A história da escrita. Adaptado.


A locução conjuntiva “de tal modo…que” e o advérbio “sobretudo”, respectivamente, expressam noção de: 



a)

conformidade e dúvida.

b)

consequência e realce.

c)

condição e negação.

d)

consequência e negação.

e)

condição e realce.

Resolução

a) Incorreta. A locução conjuntiva “de tal modo... que” e o advérbio “sobretudo” não expressam, respectivamente, as ideias de conformidade e dúvida no contexto em que são utilizados.

b) Correta. A locução conjuntiva “de tal modo... que” exprime valor consecutivo, de consequência. No trecho em que a locução é utilizada, afirma-se que a escrita faz parte da civilização e conclui-se que, consequentemente, “pode servir de definição dela”.  O advérbio “sobretudo” significa “especialmente” e exprime a ideia de importância, realce. No texto, tal relevância é conferida à escrita ao informar que “não existe história que não se funde sobre textos”.

c) Incorreta. A locução conjuntiva “de tal modo... que” e o advérbio “sobretudo” não expressam, respectivamente, as ideias de condição e negação no contexto em que são utilizados.

d) Incorreta. A locução conjuntiva “de tal modo... que” exprime a noção de consequência, mas o advérbio “sobretudo” não expressa a noção de negação.  

e) Incorreta. O advérbio “sobretudo” expressa a noção de realce, mas a locução conjuntiva “de tal modo... que” não exprime a noção de condição.

Questão 30 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Arranjo Simples e com Repetição

Atualmente, no Brasil, coexistem dois sistemas de placas de identificação de automóveis: o padrão Mercosul (o mais recente) e aquele que se iniciou em 1990 (o sistema anterior, usado ainda pela maioria dos carros em circulação). No sistema anterior, utilizavam-se 3 letras (em um alfabeto de 26 letras) seguidas de 4 algarismos (de 0 a 9). No padrão Mercosul adotado no Brasil para automóveis, são usadas 4 letras e 3 algarismos, com 3 letras nas primeiras 3 posições e a quarta letra na quinta posição, podendo haver repetições de letras ou de números. A figura ilustra os dois tipos de placas.

Dessa forma, o número de placas possíveis do padrão Mercosul brasileiro de automóveis é maior do que o do sistema anterior em



a)

1,5 vezes.

b)

2 vezes.

c)

2,6 vezes.

d)

2,8 vezes.

e)

1,5 vezes.

Resolução

Como não há restrição para usar a mesma letra ou o mesmo número em nenhum dos padrões, temos sempre 26 opções para cada posição ocupada por uma letra (L) e 10 opções para cada posição ocupada por um algarismo (N)

A quantidade de placas no padrão anterior (LLLNNNN), de 1990, é:

26·26·26·10·10·10·10=263·104

A quantidade de placas no padrão Mercosul (LLLNLNN), mais recente, é:

26·26·26·10·26·10·10=264·103

Assim, a razão entre o número de placas no padrão mais recente e no padrão anterior é dada por:

264·103263·104=2610=2,6