TEXTO I
SILVEIRA, R. In absentia, 1938. Instalação, 17ª Bienal de São Paulo.
Disponível em: www.bienal.org.br. Acesso em: 1 set. 2016 (adaptado).
TEXTO II
O termo ready-made criado por Marcel Duchamp (1887-1968) para designar um tipo de objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos em massa, selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte em espaços especializados (museus e galerias). Seu primeiro ready-made, de 1912, é uma roda de bicicleta montada sobre um banquinho (Roda de bicicleta). Ao transformar qualquer objeto em obra de arte, o artista realiza uma crítica radical ao sistema da arte.
Disponível em: www.bienai.org br. Acesso em: 1 set. 2016 (adaptado).
A instalação In absentia propõe um diálogo com o ready-made Roda de bicicleta, demonstrando que
a) |
as formas de criticar obras do passado se repetem. |
b) |
a recorrência de temas marca a arte no final do século XX. |
c) |
as criações desmistificam os valores estéticos estabelecidos. |
d) |
o distanciamento temporal permite a transformação dos referenciais estéticos. |
e) |
o objeto ausente sugere a degradação da forma superando o modelo artístico. |
a) Incorreta. Regina Silveira, artista contemporânea brasileira, além de trabalhar com uma arte com profundo conceito, utiliza a deformação das imagens em suas pinturas, o que é possível encontrar no trabalho em questão, uma releitura de um trabalho de Duchamp, apropriado ao seu estilo e valores artísticos.
b) Incorreta. A utilização da roda e do banco nos trabalhos de Marcel Duchamp e Regina Silveira não significa que a produção artística do século XX seja sempre a mesma. Tal afirmação se torna errônea diante do número gigantesco de trabalhos produzidos nesse contexto sem nenhuma relação com esses itens em questão.
c) Correta. É possível afirmar que tais criações artísticas, de Duchamp e de Silveira, proporcionam uma desmistificação dos valores estéticos (padrão de arte clássica valorizando técnica, forma e beleza), pois, na primeira, o artista utilizou um objeto banal, do dia a dia, sem nenhum componente e valor estético, transformando-o em arte; na segunda, a artista, além da referência a dois objetos corriqueiros, promove uma deformação da imagem deles, o que não valoriza a estética em si. Em ambos há uma demonstração do potencial artístico além da beleza.
d) Incorreta. Mesmo com os objetos artísticos sendo produzidos em momentos diferentes, o referencial é semelhante em ambos. Em Duchamp, é usado de fato um banco e uma roda; em Silveira, uma representação de um banco e de uma roda.
e) Incorreta. Em ambos as obras, é possível verificar a presença de objetos (de Duchamp o objeto em si, de Silveira a representação imagética do objeto) portanto, não existe uma ausência deles e, menos ainda, uma degradação proporcionada por tal.
O Recife fervilhava no começo da década de 1990, e os artistas trabalhavam para resgatar o prestígio da cultura pernambucana. Era preciso se inspirar, literalmente, nas raízes sobre as quais a cidade se construiu. Foi aí que, em 1992, com a publicação de um manifesto escrito pelo músico e jornalista Fred Zero Quatro, da banda Mundo Livro S/A, nasceu o manguebeat. O nome vem de ‘’mangue’’, vegetação típica da região, e ‘’beat’’, para representar as batidas e as influências musicais que o movimento abraçaria a partir dali. Era a hora e a vez de os caranguejos – aos quais os músicos recifenses gostavam de se comparar – mostrarem as caras: o maracatu e suas alfaias se misturaram com as batidas do hip-hop, as guitarras do rock, elementos eletrônicos e o sotaque recifense de Chico Science. A busca pelo novo rendeu uma perspectiva diferente do Brasil ao olhar para o Recife. A cidade deixou de ser o lugar apenas do frevo e do carnaval, transformando-se na ebulição musical que continua a acontecer mesmo após os 25 anos do lançamento do primeiro disco da Nação Zumbi, Da lama ao caos.
FORCIONI, G. et al. O mangue está de volta. Revista Esquinas, n 87, set 2019 (adaptado).
Chico Science foi fundamental para a renovação da música pernambucana, fato que se deu pela
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utilização de aparelhos musicais eletrônicos em lugar dos instrumentos tradicionais. |
b) |
ocupação de espaços da natureza local para a produção de eventos musicais memoráveis. |
c) |
substituição de antigas práticas musicais como o frevo, por melodias e harmonias inovadoras. |
d) |
recuperação de composições tradicionais folclóricas e sua apresentação em grandes festivais. |
e) |
integração de referenciais culturais de diferentes origens, criando uma nova combinação estética. |
a) Incorreta. Não foram utilizados aparelhos musicais eletrônicos em lugar dos instrumentos tradicionais. O texto indica uma mistura entre as referências musicais, e não um abandono de práticas.
b) Incorreta. Há menção a ocupações de espaços, mas o texto não especifica que sejam espaços da natureza local, e sim de áreas urbanas, "a cidade". A referência à natureza local vem do nome do movimento, manguebeat, que representa a junção da música local com as influências musicais que o movimento abraçou, e não diz respeito à ocupação do espaço.
c) Incorreta. Não há a substituição de antigas práticas musicais. O texto indica que Chico Science misturou diferentes tipos musicais. Portanto, as antigas práticas não deixaram de ocorrer.
d) Incorreta. O texto não discorre, em nenhum momento, sobre composições folclóricas.
e) Correta. Juntando referências do hip-hop, das guitarras do rock e de elementros eletrônicos com seu próprio sotaque, Chico Science abraçou diferentes práticas musicais para criar uma nova combinação estética. Dessa forma, houve a integração de referências culturais.
A escrava
— Admira-me, – disse uma senhora de sentimentos sinceramente abolicionistas; – faz-me até pasmar como se possa sentir, e expressar sentimentos escravocratas, no presente século, no século dezenove! A moral religiosa e a moral cívica aí se erguem, e falam bem alto esmagando a hidra que envenena a família no mais sagrado santuário seu, e desmoraliza, e avilta a nação inteira! Levantai os olhos ao Gólgota, ou percorrei-os em torno da sociedade, e dizei-me:
— Para quê se deu em sacrifício o Homem Deus, que ali exalou seu derradeiro alento? Ah! Então não é verdade que seu sangue era o resgate do homem! É então uma mentira abominável ter esse sangue comprado a liberdade!? E depois, olhai a sociedade... Não vedes o abutre que a corrói constantemente!... Não sentis a desmoralização que a enerva, o cancro que a destrói?
Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e será sempre um grande mal. Dela a decadência do comércio; porque o comércio e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não pode fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado.
REIS, M. F. Úrsula e outras obras. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018.
Inscrito na estética romântica da literatura brasileira, o conto descortina aspectos da realidade nacional no século XIX ao
a) |
revelar a imposição de crenças religiosas a pessoas escravizadas. |
b) |
apontar a hipocrisia do discurso conservador na defesa da escravidão. |
c) |
sugerir práticas de violência física e moral em nome do progresso material. |
d) |
relacionar o declínio da produção agrícola e comercial a questões raciais. |
e) |
ironizar o comportamento dos proprietários de terra na exploração do trabalho. |
a) Incorreta. Não é revelada, no texto, a imposição de crenças religiosas a pessoas escravizadas. É apontada justificativa religiosa para o pensamento escravocrata.
b) Correta. Percebe-se, no primeiro parágrafo, que a personagem faz um discurso indignado com o posicionamento escravocrata no século dezenove. Ela aponta que a moral religiosa se ergue como justificativa desse pensamento, envenenando a família, o que respinga em toda a nação. É a hipocrisia do uso da moral cristã, que propõe a igualdade e o respeito, e mesmo a liberdade conquistada pelo Homem Deus (numa provável referência à figura de Jesus Cristo, que teria libertado os homens de seus pecados), para defender ideais excludentes.
c) Incorreta. Não são sugeridas práticas de violência física em nome do progresso material, nem ao menos pela personagem conservadora, no segundo parágrafo. [acho que não temos duas personagens, na real, pois o 1º parágrafo termina com um "dizei-me:"] [o excerto também fala de violência moral, e a justificativa nada disse sobre isso]
d) Incorreta. A relação entre o declínio da produção agrícola e comercial a questões raciais é feita no intuito de criticar o posicionamento escravocrata, mas não é isso que descortina a realidade nacional do século XIX. O texto mostra a realidade nacional ao ilustrar a contínua presença de pensamentos escravagistas, mesmo com o crescimento de movimentos abolicionistas.
e) Incorreta. No texto, não é ironizado o comportamento dos proprietários de terra na exploração do trabalho. Há uma crítica direta [onde no texto?], e não irônica, a eles.
TEXTO I
Projeto Mural Eletrônico desenvolvido no INT, semelhante a um totem, promete tornar o acesso à informação disponível para todos
A inclusão de pessoas com deficiência se constituiu um dos principais desafios e preocupações para a sociedade ao longo das últimas décadas. E o uso da tecnologia tem se revelado um aliado fundamental em muitas iniciativas voltadas para essa área. Exemplo disso é uma das recentes criações do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) – unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Ali, com o objetivo de que as diferenças entre pessoas não sejam sinônimo de obstáculos no acesso à informação ou na comunicação, engenheiros e tecnólogos vêm trabalhando no desenvolvimento do projeto Mural Eletrônico.
O Mural Eletrônico nasceu da necessidade de promover a inclusão nas escolas. Com interface multimídia e interativa, todos têm a possibilidade de acessar o Mural Eletrônico. Por meio do equipamento, podem ser disponibilizados vídeos com Libras, leitura sonora de textos, que também estarão acessíveis em uma plataforma de braile dinâmico, ao lado do teclado.
KIFFER, D. A Inclusão ampla e irrestrita. Rio Pesquisa, n. 36, set. 2016 (adaptado).
TEXTO lI
Projeto Surdonews, desenvolvido na UFRJ, garante acesso de surdos à informação e contribui para sua "inclusão científica"
Para não permitir que a falta de informação seja um fator para o isolamento e a inacessibilidade da comunidade surda, a jornalista e pesquisadora Roberta Savedra Schiaffino criou o projeto "Surdonews: montando os quebra-cabeças das notícias para o surdo". Trata-se de uma página no Facebook, com notícias constantemente atualizadas e apresentadas por surdos em Libras, e veiculadas por meio de vídeos.
A ideia de criar um projeto surgiu quando Roberta, ela própria surda profunda, ainda cursava o mestrado. Para isso, ela procurou traçar um diagnóstico do conhecimento informal entre as pessoas com surdez. Ela entrevistou cinquenta alunos surdos do ensino fundamental e viu que eles tinham muita dificuldade de ler, além de não captar a notícia falada. "Isso é muito grave, pois 90% do saber de um indivíduo vem do conhecimento informal, adquirido em feiras científicas, conversas, cinema, teatro, incluindo a mídia, por todas as suas possibilidades disseminadoras", explica a pesquisadora. "Prezamos pelo conteúdo científico em nossas pautas. Contudo, independentemente disso, nosso principal trabalho é, além de informar e atualizar, fazer com que os textos não sejam empobrecidos no processo de 'tradução' e, sim, acessíveis".
KIFFER. D. Comunicação sem barreiras. Rio Pesquisa. n. 37. dez. 2016 (adaptado)
Considerando-se o tema tecnologias e acessibilidade, os I e II aproximam-se porque apresentam projetos que
a) |
garantem a igualdade entre as pessoas. |
b) |
foram criados por uma pesquisadora surda. |
c) |
tiveram origem em um curso de pós-graduação. |
d) |
estão circunscritos ao espaço institucional da escola. |
e) |
têm como objetivo a disseminação do conhecimento. |
a) Incorreta. Ainda que os textos tratem de uma democratização do acesso ao conhecimento, não é correto afirmar que os projetos apresentados garantem a igualdade entre as pessoas, justamente porque a intenção de ambos os projetos é reconhecer as diferenças entre as pessoas e garantir que essas diferenças possam ser transpostas pelas pessoas com deficiência.
b) Incorreta. De acordo com os textos, apenas o projeto “Surdonews”, apresentado pelo texto II, foi criado por uma pesquisadora surda.
c) Incorreta. No texto II, há a menção ao fato de a pesquisadora Roberta ter tudo a ideia para o projeto quando cursava o mestrado. Isso, no entanto, não é suficiente para sustentar a informação de que os projetos tiveram origem em um curso de pós-graduação, mesmo porque não há referências nesse sentido no texto I.
d) Incorreta. Ambos os projetos apresentados se configuram como plataformas interativas, que permitem, portanto, o acesso a elas de usuários que não estejam diretamente ligados aos ambientes institucionais das escolas.
e) Correta. Os dois projetos apresentados têm como objetivo a disseminação do conhecimento, voltada a pessoas com deficiência. O projeto “Mural Eletrônico” oferece acesso à informação por meio de diferentes materialidades (leitura sonora de textos, Libras, braile etc.) e o projeto “Surdonews” tem como foco a disseminação de notícias do cotidiano veiculadas em Libras por meio de vídeos. Ou seja, em ambos os casos, a intenção principal é garantir a disseminação de informação e conhecimento.
Mas o seu olhar verde, inconfundível, impressionante, iluminava com sua luz misteriosa as sombrias arcadas superciliares, que pareciam queimadas por ela, dizia logo a sua origem cruzada e decantada através das misérias e dos orgulhos de homens de aventura, contadores de histórias fantásticas, e de mulheres caladas e sofredoras, que acompanhavam os maridos e amantes através das matas intermináveis, expostas às febres, às feras, às cobras do sertão indecifrável ameaçador e sem fim, que elas percorriam com a ambição única de um “pouso” onde pudessem viver, por alguns dias, a vida ilusória de família e de lar, sempre no encalço dos homens, enfebrados pela procura do ouro e do diamante.
PENNA, C. Fronteira. rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d.
Ao descrever os olhos de Maria Santa, o narrador estabelece correlações que refletem a
a) |
caracterização da personagem como mestiça. |
b) |
construção do enredo de conquistas da família. |
c) |
relação conflituosa das mulheres e seus maridos. |
d) |
nostalgia do desejo de viver como os antepassados. |
e) |
marca de antigos sofrimentos no fluxo de consciência. |
a) Incorreta. Apesar de o texto mencionar que os olhos de Maria Santa mostravam sua “origem cruzada”, não é possível afirmar que sua caracterização como mestiça seja fruto de uma correlação da descrição do narrador, dado que essa informação aparece de forma relativamente clara no trecho.
b) Incorreta. Não há a menção a conquistas da família, e sim às agruras enfrentadas pela personagem.
c) Incorreta. A relação descrita no trecho entre as mulheres e seus maridos sequer pode ser classificada como conflituosa, uma vez que as mulheres são caracterizadas como “caladas e sofredoras”, remetendo a uma postura submissa, de quem evita conflitos.
d) Incorreta. Não há elementos que indiquem para uma nostalgia, mesmo porque os fatos passados listados no trecho remetem a momentos difíceis, que, portanto, não despertariam desejo de vivê-los.
e) Correta. No momento em que o narrador descreve os olhos de Maria Santa, a narrativa se volta totalmente às impressões da personagem, como se ela estivesse revendo todos os momentos, marcados por ameaças, abandonos e ilusões. É correto afirmar, então, que antigos sofrimentos da personagem são descritos pelo narrador como num fluxo de consciência.
Esaú e Jacó
Bárbara entrou, enquanto o pai pegou da viola e passou ao patamar de pedra, à porta da esquerda. Era uma criaturinha leve e breve, saia bordada, chinelinha no pé. Não se lhe podia negar um corpo airoso. Os cabelos, apanhados no alto da cabeça por um pedaço de fita enxovalhada, faziam-lhe um solidéu natural, cuja borla era suprida por um raminho de arruda. Já vai nisto um pouco de sacerdotisa. O mistério estava nos olhos. Estes eram opacos, não sempre nem tanto que não fossem também lúcidos e agudos, e neste último estado eram igualmente compridos; tão compridos e tão agudos que entravam pela gente abaixo, revolviam o coração e tornavam cá fora, prontos para nova entrada e outro revolvimento. Não te minto dizendo que as duas sentiram tal ou qual fascinação. Bárbara interrogou-as; Natividade disse ao que vinha e entregou-lhe os retratos dos filhos e os cabelos cortados, por lhe haverem dito que bastava.
— Basta, confirmou Bárbara. Os meninos são seus filhos?
— São.
ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
No relato de visita de duas mulheres ricas a uma vidente no Morro do Castelo, a ironia — um dos traços mais representativos da narrativa machadiana — consiste no
a) |
modo de vestir dos moradores do morro carioca. |
b) |
senso prático em relação às oportunidades de renda. |
c) |
mistério que cerca as clientes de práticas de vidência. |
d) |
misto de singeleza e astúcia dos gestos da personagem. |
e) |
interesse do narrador pelas figuras femininas ambíguas. |
a) Incorreta. O trecho apresentado não traz comentários sobre o modo de vestir dos moradores do morro carioca, de maneira generalizada. A descrição que temos é a das roupas de uma personagem específica (Bárbara, a vidente).
b) Incorreta. Não há comentários que apontem para uma ironia direcionada a um senso prático de oportunidades de renda, mesmo porque essa não é uma temática apresentada no trecho.
c) Incorreta. Ainda que haja certa vagueza no que diz respeito às clientes de Bárbara, não é possível identificar uma ironia nessa descrição. Além disso, a alternativa aponta para uma generalização (“clientes de práticas de vidência”) que também não pode ser sustentada.
d) Correta. A personagem Bárbara, a vidente, é descrita como uma “criaturinha leve e breve”, “um pouco de sacerdotisa”, o que remete a uma pureza e ingenuidade. No entanto, a mesma personagem é descrita também como dona de olhos misteriosos, que “entravam pela gente adentro”. Nesse sentido, a descrição da personagem aponta, a um só tempo, para uma singeleza e para uma astúcia, o que se configura como ironia, dado que são características que, em geral, não são similares ou complementares. Em outras palavras, é irônico que uma “criaturinha leve” tenha também olhos “lúcidos e agudos”.
e) Incorreta. Não há elementos textuais suficientes para se afirmar que o interesse do narrador se volte às figuras femininas ambíguas, uma vez que apenas Bárbara recebeu uma descrição que caminha nesse sentido. Além disso, não seria possível relacionar um interesse desse tipo a uma ironia típica de Machado de Assis.
A senhora manifestava-se por atos, por gestos, e sobretudo por um certo silêncio, que amargava, que esfolava. Porém desmoralizar escancaradamente ao marido, não era com ela. [...]
As negras receberam ordem para meter no serviço a gente do tal compadre Silveira: as cunhadas, ao fuso; os cunhados, ao campo, tratar do gado com os vaqueiros; a mulher e as irmãs, que se ocupassem da ninhada. Margarida não tivera filhos, e como os desejasse com a força de suas vontades, tratava sempre bem aos pequenitos e às mães que estavam criando. Não era isso uma sentimentalidade cristã, uma ternura, era o egoísta e cru instinto da maternidade, obrando por mera simpatia carnal. Quanto ao pai do lote (referia-se ao Antônio), esse que fosse ajudar ao vaqueiro das bestas.
Ordens dadas, o Quinquim referendava. Cada um moralizava o outro, para moralizar-se a si.
PAIVA, M. O. Dona Guidinha do Poço. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d.
No trecho do romance naturalista, a forma como o narrador julga comportamentos e emoções das personagens femininas revela influência do pensamento
a) |
capitalista, marcado pela distribuição funcional do trabalho. |
b) |
liberal, buscando a igualdade entre pessoas escravizadas e livres. |
c) |
científico, considerando o ser humano como um fenômeno biológico. |
d) |
religioso, fundamentado na fé e na aceitação dos dogmas do cristianismo. |
e) |
afetivo, manifesto na determinação de acolher familiares e no respeito mútuo. |
a) Incorreta. Por mais que haja, sim, uma distribuição que se pretende funcional do trabalho, como visto no início do segundo parágrafo, isso não demonstra uma influência do pensamento capitalista, já que este diz respeito à acumulação de capital e à produção em série e não necessariamente à divisão do trabalho.
b) Incorreta. O enunciado da questão pede para que seja avaliada a forma como o narrador julga emoções das personagens femininas. O julgamento dele sobre tais emoções não passa pela busca da igualdade entre pessoas escravizadas e livres.
c) Correta. "Não era isso uma sentimentalidade cristã, uma ternura, era o egoísta e cru instinto da maternidade". Pode-se perceber, no trecho citado, que o narrador considera, em seu julgamento das emoções das personagens femininas, o ser humano numa posição de objeto de pesquisa, como se estivesse falando de um outro animal, um animal que cede ao instinto da maternidade. Portanto, um fenômeno biológico, com influência do pensamento científico.
d) Incorreta. A fala do narrador não demonstra proximidade com o pensamento cristão. Ao contrário, ao apresentar o discurso acerca das personagens femininas, nega que suas emoções sejam uma sentimentalidade cristã.
e) Incorreta. Embora o narrador atribua tratamento afetivo a uma das personagens femininas, este se dá por motivações egoístas e impulsivas (que cedem ao instinto da maternidade) e não motivado por respeito mútuo, tampouco com a finalidade de acolher familiares. Além disso, o tratamento afetivo não é atribuído a todas as personagens femininas no trecho.
Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos – esqueletos redivivos, com o aspecto terroso e o fedor das covas podres.
Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos de seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados.
Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo.
Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando.
Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos – doentes da alimentação tóxica – com os fardos das barrigas alarmantes.
Não tinha sexo, nem idade, nem condição nenhuma. Eram os retirantes. Nada mais.
ALMEIDA, J. A. A bagaceira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1978.
Os recursos composicionais que inserem a obra no chamado “Romance de 30” da literatura brasileira manifestam-se aqui no (a)
a) |
desenho cru da realidade dramática dos retirantes. |
b) |
indefinição dos espaços para efeito de generalização. |
c) |
análise psicológica da reação da personagem à seca. |
d) |
engajamento político do narrador ante as desigualdades. |
e) |
contemplação lírica da paisagem transformada em alegoria. |
a) Correta. O "Romance de 30" se propõe a desenhar a realidade em sua dramaticidade real, ou seja, crua. O sofrimento das personagens é narrado de tal forma a apresentar aos leitores o sofrimento vivenciado em si, sem rodeios. E é isso que o texto faz, como em "Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos - doentes da alimentação tóxica - com os fardos das barrigas alarmantes".
b) Incorreta. O espaço não é indefinido. É bemmarcado de que se trata de um espaço de seca, de sol escaldante, merecedor de fuga.
c) Incorreta. Não há aprofundamento psicológico da personagem que passa pela seca. O narrador se limita a apresentar as ações e contextos das personagens, não abordando aspectos psicológicos delas.
d) Incorreta. O narrador não demonstra engajamento político. Não há uma tomada de lado, há apenas uma narração. Não há, por parte do narrador, uma tentativa implícita de defesa de um posicionamento político.
e) Incorreta. Sabendo que a característica lírica de um texto diz respeito aos sentimentos do autor em relação à temática abordada, não é possível identificar esse traço no trecho da questão.
Firmo, o vaqueiro
No dia seguinte, à hora em que saía o gado, estava eu debruçado à varanda quando vi o cafuzo que preparava o animal viageiro:
– Raimundinho, como vai ele?...
De longe apontou a palhoça:
– Sim.
O braço caiu-lhe, olhou-me algum tempo comovido; depois saltando para o animal, levou o polegar à boca fazendo estalar a unha nos dentes: "Às quatro da manhã... Atirei um verso e disse, para bulir com ele: Pega, velho! Não respondeu. Tio Firmo, mesmo velho e doente, não era homem para deixar um verso no chão... Fui ver, coitado!... estava morto". E deu esporas para que eu não lhe visse as lágrimas.
NETTO, C. In: MARCHEZAN, L. G. (Org). O conto regionalista. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
A passagem registra um momento em que a expressividade lírica é reforçada pela
a) |
plasticidade da imagem do rebanho reunido. |
b) |
sugestão da firmeza do sertanejo ao arrear o cavalo. |
c) |
situação de pobreza encontrada nos sertões brasileiros. |
d) |
afetividade demonstrada ao noticiar a morte do cantador. |
e) |
preocupação do vaqueiro em demonstrar sua virilidade. |
A expressividade lírica é a manifestação expressiva de sentimentos.
a) Incorreta. Há uma mera descrição de ação. O texto nem ao menos se propõe a descrever a imagem de um rebanho reunido. A única menção ao rebanho se dá em "à hora em que saía o gado", que não apresenta expressão de sentimentos.
b) Incorreta. Há uma mera descrição de ação. O texto não fornece outro trecho sobre o sertanejo arrear o cavalo a não ser o citado a seguir, que não permite apreensão de expressão de sentimentos: "à hora em que saía o gado, estava eu debruçado à varanda quando vi o cafuzo que preparava o animal viageiro".
c) Incorreta. No texto, não há narração emotiva, nem uma narração de outra natureza, da situação de pobreza encontrada nos sertões brasileiros.
d) Correta. O único trecho que permite a apreensão de sentimentos, por apresentar a personagem fragilizada pela morte de Tio Firmo, é: "[...]'Fui ver, coitado!... estava morto'. E deu esporas para que eu não lhe visse as lágrimas". O adjetivo "coitado" denota o sentimento da personagem em relação à pessoa falecida, o que é confirmado pela constatação de que a personagem começa a chorar.
e) Incorreta. Embora a virilidade esteja comumente relacionada ao estereótipo de um vaqueiro, o momento em questão, isto é, o anúncio da morte de Tio Firmo, é reforçado pelo fato de que o personagem abre mão de sua suposta virilidade para demonstrar sentimentalismo. As lágrimas contidas de Raimundinho e a menção à poesia (“não era homem para deixar um verso no chão”) demonstram a expressividade lírica.
O bebê de tarlatana rosa
— [...] Na terça desliguei-me do grupo e caí no mar alto da depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade inteira estava assim. É o momento em que por trás das máscaras as meninas confessam paixões aos rapazes, é o instante em que as ligações mais secretas transparecem, em que a virgindade é dúbia e todos nós a achamos inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga. Nesse momento tudo é possível, os maiores absurdos, os maiores crimes; nesse momento há um riso que galvaniza os sentidos e o beijo se desata naturalmente.
Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida. Nada de raparigas do galarim perfumadas e por demais conhecidas, nada do contato familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita gente sofre do mesmo mal no carnaval.
RIO, J. Dentro da noite. São Paulo: Antiqua, 2002.
No texto, o personagem vincula ao carnavel atitudes e reações coltivas diante das quais expressa
a) |
consagração da alegria do povo. |
b) |
atração e asco perante atitudes libertinas. |
c) |
espanto com a quantidade de foliões nas ruas. |
d) |
intenção de confraternizar com desconhecidos. |
e) |
reconhecimento da festa como manifestação cultural. |
a) Incorreta. As atitudes descritas pela personagem não se referem à “alegria do povo”, mas ao comportamento depravado, à liberação dos “maus instintos”, ao deboche.
b) Correta. A personagem demonstra reprovação das ações ao classificá-las como “ignóbil” (infame, vergonhoso), como em “...o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil”. No entanto, evidencia que isso o atrai, o que se verifica em “Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida”.
c) Incorreta. No texto não há referência à quantidade de pessoas nas ruas.
d) Incorreta. O objetivo do personagem, durante a folia de carnaval, não era a confraternização com desconhecidos, e sim depravação, o que ele considera uma “ação vil” ao detalhar a relação que buscava: “chegar, pegar, acabar, continuar” (ou seja, uma relação rápida e superficial com muitas pessoas).
e) Incorreta. Ao longo do texto, a personagem descreve o Carnaval como uma manifestação de atitudes imorais, repreensíveis, e não “manifestação cultural”.