Esaú e Jacó
Bárbara entrou, enquanto o pai pegou da viola e passou ao patamar de pedra, à porta da esquerda. Era uma criaturinha leve e breve, saia bordada, chinelinha no pé. Não se lhe podia negar um corpo airoso. Os cabelos, apanhados no alto da cabeça por um pedaço de fita enxovalhada, faziam-lhe um solidéu natural, cuja borla era suprida por um raminho de arruda. Já vai nisto um pouco de sacerdotisa. O mistério estava nos olhos. Estes eram opacos, não sempre nem tanto que não fossem também lúcidos e agudos, e neste último estado eram igualmente compridos; tão compridos e tão agudos que entravam pela gente abaixo, revolviam o coração e tornavam cá fora, prontos para nova entrada e outro revolvimento. Não te minto dizendo que as duas sentiram tal ou qual fascinação. Bárbara interrogou-as; Natividade disse ao que vinha e entregou-lhe os retratos dos filhos e os cabelos cortados, por lhe haverem dito que bastava.
— Basta, confirmou Bárbara. Os meninos são seus filhos?
— São.
ASSIS, M. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
No relato de visita de duas mulheres ricas a uma vidente no Morro do Castelo, a ironia — um dos traços mais representativos da narrativa machadiana — consiste no
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modo de vestir dos moradores do morro carioca. |
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senso prático em relação às oportunidades de renda. |
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mistério que cerca as clientes de práticas de vidência. |
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misto de singeleza e astúcia dos gestos da personagem. |
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interesse do narrador pelas figuras femininas ambíguas. |
a) Incorreta. O trecho apresentado não traz comentários sobre o modo de vestir dos moradores do morro carioca, de maneira generalizada. A descrição que temos é a das roupas de uma personagem específica (Bárbara, a vidente).
b) Incorreta. Não há comentários que apontem para uma ironia direcionada a um senso prático de oportunidades de renda, mesmo porque essa não é uma temática apresentada no trecho.
c) Incorreta. Ainda que haja certa vagueza no que diz respeito às clientes de Bárbara, não é possível identificar uma ironia nessa descrição. Além disso, a alternativa aponta para uma generalização (“clientes de práticas de vidência”) que também não pode ser sustentada.
d) Correta. A personagem Bárbara, a vidente, é descrita como uma “criaturinha leve e breve”, “um pouco de sacerdotisa”, o que remete a uma pureza e ingenuidade. No entanto, a mesma personagem é descrita também como dona de olhos misteriosos, que “entravam pela gente adentro”. Nesse sentido, a descrição da personagem aponta, a um só tempo, para uma singeleza e para uma astúcia, o que se configura como ironia, dado que são características que, em geral, não são similares ou complementares. Em outras palavras, é irônico que uma “criaturinha leve” tenha também olhos “lúcidos e agudos”.
e) Incorreta. Não há elementos textuais suficientes para se afirmar que o interesse do narrador se volte às figuras femininas ambíguas, uma vez que apenas Bárbara recebeu uma descrição que caminha nesse sentido. Além disso, não seria possível relacionar um interesse desse tipo a uma ironia típica de Machado de Assis.