O bebê de tarlatana rosa
— [...] Na terça desliguei-me do grupo e caí no mar alto da depravação, só, com uma roupa leve por cima da pele e todos os maus instintos fustigados. De resto a cidade inteira estava assim. É o momento em que por trás das máscaras as meninas confessam paixões aos rapazes, é o instante em que as ligações mais secretas transparecem, em que a virgindade é dúbia e todos nós a achamos inútil, a honra uma caceteação, o bom senso uma fadiga. Nesse momento tudo é possível, os maiores absurdos, os maiores crimes; nesse momento há um riso que galvaniza os sentidos e o beijo se desata naturalmente.
Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida. Nada de raparigas do galarim perfumadas e por demais conhecidas, nada do contato familiar, mas o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil. Felizmente muita gente sofre do mesmo mal no carnaval.
RIO, J. Dentro da noite. São Paulo: Antiqua, 2002.
No texto, o personagem vincula ao carnavel atitudes e reações coltivas diante das quais expressa
a) |
consagração da alegria do povo. |
b) |
atração e asco perante atitudes libertinas. |
c) |
espanto com a quantidade de foliões nas ruas. |
d) |
intenção de confraternizar com desconhecidos. |
e) |
reconhecimento da festa como manifestação cultural. |
a) Incorreta. As atitudes descritas pela personagem não se referem à “alegria do povo”, mas ao comportamento depravado, à liberação dos “maus instintos”, ao deboche.
b) Correta. A personagem demonstra reprovação das ações ao classificá-las como “ignóbil” (infame, vergonhoso), como em “...o deboche anônimo, o deboche ritual de chegar, pegar, acabar, continuar. Era ignóbil”. No entanto, evidencia que isso o atrai, o que se verifica em “Eu estava trepidante, com uma ânsia de acanalhar-me, quase mórbida”.
c) Incorreta. No texto não há referência à quantidade de pessoas nas ruas.
d) Incorreta. O objetivo do personagem, durante a folia de carnaval, não era a confraternização com desconhecidos, e sim depravação, o que ele considera uma “ação vil” ao detalhar a relação que buscava: “chegar, pegar, acabar, continuar” (ou seja, uma relação rápida e superficial com muitas pessoas).
e) Incorreta. Ao longo do texto, a personagem descreve o Carnaval como uma manifestação de atitudes imorais, repreensíveis, e não “manifestação cultural”.