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Unicamp 2023 - 1ª fase


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

charges e tirinhas Intertextualidade e Interdiscursividade

Texto 1

(MARZ, Marília. Folha de São Paulo, 4 jun. 2022, p. A2.)

Texto 2

Cracolândia vive 30 anos de eterno retorno

Repressão à droga não faz mais do que dispersar usuários; especialistas cobram articulação de políticas

Ela surgiu na Santa Efigênia, nos cruzamentos da rua dos Gusmões com as pequenas ruas dos Protestantes e do Triunfo, logo atrás da Estação Ferroviária da Luz, no centro de São Paulo. E há quase 30 anos, migra de um quarteirão para outro, em modo constante, se esparramando pelos bairros vizinhos. A itinerância da maior cena aberta de uso de crack e outras drogas do país, batizada de cracolândia nos anos 1990, é fruto ora de um jogo de esconde-esconde, a partir do mando do crime organizado, ora do empurra-empurra das operações policiais que incidem sobre ela, onde quer que esteja.

(Adaptado de MENA, Fernanda, Cracolândia vive 30 anos de eterno retorno. Folha de São Paulo, 4 jun. 2022, p. B4.)


Indique a alternativa que apresenta palavras ou termos do Texto 2 diretamente relacionados a elementos representados na charge (Texto 1).



a)

“articulação de políticas” e “esconde-esconde”

b)

“empurra-empurra” e “eterno retorno”

c)

“itinerância” e “crime organizado”

d)

“repressão à droga” e “bairros vizinhos”

 

Resolução

A charge, texto crítico que explora bastante a linguagem não verbal, possui como título o substantivo “Cracolândia”, nome que remete a um grupo de usuários de drogas que vivem na rua e se concentram em um determinado espaço. Na parte não verbal, há a imagem de policiais confrontando esses usuários, que, por sua vez, correm formando um símbolo do infinito.

O texto II aborda a ausência de articulações políticas eficientes e a insistência de medidas pouco efetivas no combate às drogas. A autora deixa claro que a cracolândia não é combatida com a repreensão às drogas, mas que os usuários só se dispersam para outros quarteirões, e o problema continua existindo.

a) Incorreta. O termo “articulação de políticas” não se relaciona à charge, pois, pelo contrário, é mostrada no texto I a ausência dessa organização que ocasiona um problema tido como infinito.

b) Correta. Ao relacionarmos a charge ao texto II, é possível concluir que as palavras “empurra-empurra” e “eterno retorno” estão diretamente conectadas à crítica presente na charge. Essa relação é possível, pois o símbolo do infinito sugere que os usuários de drogas e todos os outros problemas relacionados a essa condição continuarão permanentemente a existir, e as ações policiais somente estarão “empurrando”, dispersando esses usuários para outras regiões.

c) Incorreta. O substantivo "itinerância" remete ao ato de deslocar-se de lugar para lugar e poderia estar relacionado à charge. No entanto, não é possível relacionar “crime organizado” ao texto 1, porque não há sugestão a esse tipo de organização.

d) Incorreta. O termo “repressão à droga” pode estar relacionado ao texto 1 pela imagem dos policiais atrás dos usuários de drogas, mas não é possível associar “bairros vizinhos”, de forma direta, à charge.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Movimento feminista Prefixal e Sufixal Pressupostos e Subentendidos

Papo Preto: Vamos falar sobre transfeminismo?

Neste episódio do podcast Papo Preto, o apresentador Yago Rodrigues e a cinegrafista Débora Oliveira recebem Jarda Maria, que se tornou símbolo da luta pelos direitos das transexuais em Recife após ingressar na Universidade Federal de Pernambuco. Ela fala sobre os desafios de ocupar e se manter no ambiente acadêmico e da importância de compreender o que é o transfeminismo.

Jarda explica que o conceito de transfeminismo ou feminismo trans surge nos EUA quando foi percebido que as pautas discutidas no feminismo não abarcavam a situação das mulheres trans e travestis. Ela diz que há muita cobrança em cima da comunidade de transexuais e travestis sobre os motivos e as causas da violência que sofrem todos os dias, mas as respostas devem partir da sociedade, que deve praticar a não violência e dar exemplos.

“Nós já estamos preocupadas em pensar esses meios de sobrevivência, que as pessoas que movimentam a transfobia pensem os movimentos de enfrentamento. A transfobia e a travestifobia são problemáticas cisgêneras e não nossa. Nós somos vítimas desse processo”, afirma Jarda.

(PAPO PRETO 69: Vamos falar sobre transfeminismo? [Locução de] Yago Rodrigues. S. I. Ecoa Produções, 09/03/2020. Podcast. Disponível em https://uol.com.br/ecoa/videos/2022/03/09/papo-preto-69-vamos-falar-sobre-transfeminismo.htm. Acesso em 20/10/2022.)


Sobre as ocorrências do item trans no texto, podemos afirmar que



a)

introduzem termos como transfeminismo e transfobia, que servem para conceituar tipos de violência contra mulheres trans.

b)

o seu emprego em transfeminismo indica que a pauta feminista já se estende às mulheres trans, mas ainda exclui as travestis.

c)

é empregado como antônimo do prefixo cis- para indicar que a transfobia e a travestifobia devem preocupar apenas as pessoas cisgêneras.

d)

remete a transexuais e travestis no termo feminismo trans, que é sinônimo de transfeminismo e abrange grupos não incluídos na pauta feminista.

Resolução

a) Incorreta. Embora "transfobia" seja um tipo de violência, o termo “transfeminismo” não, pois ele remete a um movimento que visa combater a violência.

b) Incorreta. O texto diz que “o conceito de transfeminismo ou feminismo trans surge nos EUA quando foi percebido que as pautas discutidas no feminismo não abarcavam a situação das mulheres trans e travestis”. Desse modo, é incorreto afirmar que o feminismo já contempla  mulheres trans e travestis.

c) Incorreta. O prefixo –trans não fui usado com a finalidade de se opor ao prefixo –cis, tampouco usado com o intuito de indicar que a transfobia e a travestifobia devem preocupar apenas as pessoas cisgêneras; ao contrário disso, no texto é dito que as pessoas trans já se preocupam em pensar meios de sobrevivência em virtude das violências sofridas.

d) Correta. O termo "feminismo trans", tratado no texto, surge para contemplar, no movimento já existente, as pessoas trans. Desse modo, é possível concluir que trans, presente no termo já citado, remete a transexuais a travestis.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pressupostos e Subentendidos textos jornalísticos

Quebrando o silêncio dos hospícios

Stella do Patrocínio, apesar de ser reconhecida postumamente como poeta, nunca se definiu assim e não escreveu nenhuma das linhas que estão no livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, pelo qual ficou conhecida. A potência de suas palavras se encontra no seu falatório (como chamava suas falas), que foi preservado em fitas de áudio pela artista plástica Carla Guagliardi. As conversas entre as duas foram gravadas durante oficinas de arte para pacientes psiquiátricos, entre 1986 e 1988, e o livro, publicado muitos anos depois da morte de Patrocínio, é um recorte de frases dela, transcritas desses diálogos.

As falas de Patrocínio são de uma mulher negra e pobre que foi levada à força pela polícia e internada, no Centro Pedro 2º e depois na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, onde ficou por trinta anos; quando morreu, foi enterrada como indigente. A história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros por serem consideradas “desajustadas”. Em sua maioria negras. Ali, elas sofreram abusos, violências e torturas, além de serem abandonadas pelo Estado.

(Adaptado de: Quebrando o silêncio dos hospícios. Quatro cinco um, 05/2022, p. 27.)


Examinando a relação do título com o corpo do excerto da reportagem de revista, o que representa a quebra do “silêncio dos hospícios”?



a)

A morte esquecida de Stella do Patrocínio em uma instituição para reclusão de pessoas com transtornos mentais (ou assim consideradas).

b)

As oficinas de arte que permitiram a Stella do Patrocínio tornar pública a sua voz e as histórias de mulheres encarceradas em instituições manicomiais.

c)

O livro de Stella do Patrocínio que narra as histórias de mulheres vítimas de violência manicomial, abandonadas pelo Estado.

d)

As falas gravadas de Stella do Patrocínio que expressam tanto o seu percurso individual quanto a história de outras mulheres.

 

Resolução

a) Incorreta. A morte de Stella do Patrocínio não foi o fato que fez quebrar o silêncio dos hospícios. Ela foi enterrada como indigente e, caso o livro “Reino dos bichos e dos animais é o meu nome” não fosse publicado, a história de Patrocínio, que dá voz a tantas outras mulheres, possivelmente não teria sido conhecida.

b) Incorreta. As oficinas de artes plásticas foram, sim, colaboradoras para a quebra do silêncio dos hospícios, visto que era durante essas oficinas que a artista plástica Carla Guagliardi gravava o falatório de Patrocínio. No entanto, a alternativa em questão coloca Stella do Patrocínio como protagonista desse processo (“permitiram a Stella do Patrocínio tornar pública a sua voz e as histórias de mulheres encarceradas em instituições manicomiais”), sendo que, na verdade, ela não tinha consciência dos possíveis desdobramentos daquelas gravações.

c) Incorreta. No texto, não é dito que o livro “Reino dos bichos e dos animais é o meu nome” narra histórias de mulheres vítimas de violência manicomial, mas que a “história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros”. Além disso, o recorte dessa reportagem diz que Patrocínio “não escreveu nenhuma das linhas”, o que pode sugerir que o livro não seja dela, mas sim as histórias que estão ali presentes.

d) Correta. De acordo com o excerto da reportagem, Stella do Patrocínio consegue quebrar o “silêncio dos hospícios” ao produzir o seu falatório, o qual foi gravado nas oficinas de arte com a artista plástica Guargliardi. É por meio dessas falas que foi possível o recolhimento de um material, que, postumamente, foi a base para a organização de um livro com suas falas, o qual permitiu que fossem expressos “seu percurso individual” e “a história de outras mulheres”.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Interpretação de Textos Pressupostos e Subentendidos

Quebrando o silêncio dos hospícios

Stella do Patrocínio, apesar de ser reconhecida postumamente como poeta, nunca se definiu assim e não escreveu nenhuma das linhas que estão no livro Reino dos bichos e dos animais é o meu nome, pelo qual ficou conhecida. A potência de suas palavras se encontra no seu falatório (como chamava suas falas), que foi preservado em fitas de áudio pela artista plástica Carla Guagliardi. As conversas entre as duas foram gravadas durante oficinas de arte para pacientes psiquiátricos, entre 1986 e 1988, e o livro, publicado muitos anos depois da morte de Patrocínio, é um recorte de frases dela, transcritas desses diálogos.

As falas de Patrocínio são de uma mulher negra e pobre que foi levada à força pela polícia e internada, no Centro Pedro 2º e depois na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, onde ficou por trinta anos; quando morreu, foi enterrada como indigente. A história de Patrocínio é a história de milhares de vítimas que foram encarceradas nos hospícios brasileiros por serem consideradas “desajustadas”. Em sua maioria negras. Ali, elas sofreram abusos, violências e torturas, além de serem abandonadas pelo Estado.

(Adaptado de: Quebrando o silêncio dos hospícios. Quatro cinco um, 05/2022, p. 27.)


Com base ainda no texto, “falatório” pode ser considerado como



a)

a modalidade declamada dos poemas de Stella do Patrocínio.

b)

uma prática discursiva oral nomeada por Stella do Patrocínio.

c)

a denominação, usada no manicômio, para conversas terapêuticas.

d)

um gênero de poesia transcrita produzida por Stella do Patrocínio

 

Resolução

a) Incorreta. O texto não menciona quaisquer declamações dos poemas de Stella do Patrocínio. Há apenas a menção de que as “falas” foram gravadas e depois reproduzidas em um livro.
b) Correta. De acordo com o texto, Stella do Patrocínio “chamava suas falas” de falatório.
c) Incorreta. No texto, as conversas não recebem qualquer denominação. Apenas é informado que, a partir delas, foram feitas as gravações do falatório de Stella do Patrocínio.
d) Incorreta. O texto indica que houve a transcrição das “falas” de Stella do Patrocínio para um livro em momento póstumo, mas não que tais poemas constituíram um gênero específico ou que foram chamadas de falatório.
 

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

intertexto textos híbridos

(Fonte: Twitter. https://twitter.com/_paulo_bruno/status/1513855458456616969. Acesso em 03/06/2022.)


O texto apresenta a reprodução de uma postagem em Twitter do ilustrador e quadrinista Paulo Bruno. Considerando o texto e as duas imagens do tuíte, assinale a alternativa que melhor descreve o sentido de “interpretação” nesse contexto particular de uso.



a)

A imaginação, em desenho, do ponto de vista da selfie que é tematizada na foto.

b)

A adulteração, no desenho, do significado da foto pela mudança de perspectiva.

c)

A cópia, em ilustração, de uma fotografia que mostra a produção de uma selfie.

d)

A recriação, em fotografia, da ilustração que simula uma selfie em grupo.

Resolução

a) Correta. No contexto particular de uso da postagem, a “interpretação” faz referência à forma como o quadrinista Bruno interpretou a fotografia vista. Segundo o texto, ele imagina “como teria ficado” a selfie – à qual não tem acesso e que estava sendo produzida na fotografia – e transforma sua imaginação num desenho dessa selfie, pelo ângulo de captura do celular.
b) Incorreta. Existe, de fato, uma mudança de perspectiva no desenho em relação à fotografia, pois o ângulo capturado é uma simulação da selfie. Porém, o significado da foto não é adulterado.
c) Incorreta. A ilustração não constitui uma cópia da fotografia, pois altera-se o ponto de vista capturado, mostrando-o pela perspectiva da lente do celular.
d) Incorreta. O texto de Bruno não constitui uma fotografia, mas uma ilustração, um desenho.
 

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Prefixal e Sufixal Estrutura básica das palavras

Você provavelmente já encontrou pelas redes sociais o famigerado #sqn, aquele jeito telegráfico de dizer que tal coisa é muito legal, “só que não”. Agora, imagine uma língua diferente do português que tenha incorporado um conceito parecido na própria estrutura das palavras, criando o que foi apelidado de “sufixo frustrativo”. Bom, é assim no kotiria, um idioma da família linguística tukano falado por indígenas do Alto Rio Negro, na fronteira do Brasil com a Colômbia. Para exprimir a função “frustrativa”, o kotiria usa um sufixo com a forma -ma. Você quer dizer que foi até um lugar sem conseguir o que queria indo até lá? Basta pegar o verbo ir, que é wa’a em kotiria, e acrescentar o sufixo: wa’ama, “ir em vão”.

(Adaptado de: LOPES, R. J. L. A sofisticação das línguas indígenas. Superinteressante, 18/11/2021.)


O excerto, retirado de uma revista de jornalismo científico, exemplifica um processo de formação de palavras na língua indígena kotiria e o compara com o uso da hashtag #sqn. É correto afirmar que essa comparação



a)

cria uma falsa equivalência, pois os processos morfológicos em kotiria e em português são diferentes.

b)

enfatiza a construção de efeitos de sentido parecidos por meio de processos distintos em kotiria e no português de internet.

c)

permite compreender processos idênticos de formação de palavras nas línguas portuguesa e kotiria.

d)

ressalta as diferenças no uso dos sufixos –ma, em kotiria, e #sqn, no português usado na internet.

Resolução

a) Incorreta. O texto não cria qualquer equivalência entre os elementos morfológicos presentes. Ocorre apenas, no excerto, uma equivalência semântica entre a sufixação de -ma em kotiria – o “sufixo frustativo” – e o uso da hashtag #sqn de explicitação da ironia em textos de internet.
b) Correta. O desenvolvimento do excerto se propõe a explicar como o uso da hashtag #sqn, em textos de internet, apresenta uma equivalência de uso com o emprego da sufixação (de -ma) em kotiria, resultando num mesmo sentido; ou ainda, segundo as palavras do texto, ocorre a incorporação de “um conceito parecido”.
c) Incorreta. Os dois empregos usam de processos diferentes entre si. O processo de sufixação ocorre apenas em kotiria. Já em “português de internet”, a hashtag #sqn constitui uma siglonimização. 
d) Incorreta. Além de o texto não ressaltar as diferenças, mas as semelhanças entre -ma e #sqn, apenas o primeiro é um sufixo.

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Bons dias!

Na última crônica da série “Bons dias!”, de 29 de agosto de 1889, série na qual um tema são as questões gerais em torno do curandeirismo, o narrador enuncia:

“Hão de fazer-me esta justiça, ainda os meus mais ferrenhos inimigos; é que não sou curandeiro, eu não tenho parente curandeiro, não conheço curandeiro, e nunca vi cara, fotografia ou relíquia, sequer, de curandeiro. Quando adoeço, não é de espinhela caída*, — coisa que podia aconselhar-me a curanderia; é sempre de moléstias latinas ou gregas. Estou na regra; pago impostos, sou jurado, não me podem arguir a menor quebra de dever público.”

(ASSIS, Machado de. Bons dias! Campinas: Editora da UNICAMP, p. 295, 2008.)

*espinhela caída: designação popular para doenças caracterizadas por dores pelo corpo (peito, costas e pernas), além de cansaço físico.


Na “profissão de fé”, feita pelo narrador da crônica no parágrafo citado, percebe-se



a)

a distinção do narrador como uma figura avessa ao curandeirismo, por crença na ciência dos filósofos e pensadores gregos e latinos, o que marca o tom crítico da série.

b)

a caracterização do narrador como uma figura superior à população em geral, o que ecoa o tom analítico das crônicas dessa série.

c)

a repetição exagerada da palavra “curandeiro” (e “curanderia”) no trecho, como marca estilística da simplicidade linguística das crônicas dessa série.

d)

a personificação gerada por “quando adoeço (...) é sempre de moléstias latinas ou gregas”, como marca do estilo empolado do narrador nessa série de crônicas.

 

Resolução

a) Incorreta. A aversão ao curandeirismo se deve à intenção do narrador em demarcar sua superioridade em relação ao cidadão comum que se consulta com curandeiros. A referência às moléstias latinas ou gregas não evidencia crença na ciência, mas apego a valores que promovem a distinção social do narrador.

b) Correta. No decorrer das crônicas de “Bons dias”, o cronista ficcional, criado por Machado de Assis, constrói uma imagem de superioridade e distinção em relação ao simples leitor. Ele valoriza suas boas maneiras e sua polidez como qualidades herdadas do berço as quais fazem dele alguém superior ao resto da população. Tais qualidades também contribuiriam para uma inteligência e perspicácia que superariam o senso comum. Essa imagem é reforçada no excerto da última crônica, em que o cronista insiste em afirmar que não tem nenhuma ligação com curandeiros. O curandeiro seria uma pessoa não habilitada para exercer a medicina e que se propõe a curar doenças e outros males por meio de rezas, beberagens milagrosas e outros rituais. Tal figura é bastante associada à cultura popular e, quando afirma não conhecer nenhum curandeiro, o cronista está justamente se distanciando dessa cultura. Além de se distanciar, ele demarca uma posição de superioridade quando afirma que não adoece de “espinhela caída”, doença por demais “popular”; pelo contrário, as enfermidades do narrador seriam mais “sofisticadas”, com nomes gregos e latinos, males mais adequados à posição de alguém que paga seus impostos, é jurado e cumpre com seus deveres públicos.

c) Incorreta. É incorreto considerar que o recurso à repetição seria uma marca de uma suposta simplicidade linguística, uma vez que, nesse trecho, tal recurso produz um efeito expressivo, planejado pelo narrador, que é o de expor sua aversão à figura da cultura popular do curandeiro. Além disso, é equivocado considerar que a simplicidade linguística seria uma marca das crônicas que, por vezes, manifestam uma linguagem altamente elaborada.

d) Incorreta. O trecho “quando adoeço (...) é sempre de moléstias latinas ou gregas” não constitui um exemplo de personificação, pois não atribui características humanas às doenças, apenas indica sua origem. Além disso, classificar o estilo das crônicas como “empolado” é ignorar o caráter irônico que perpassa os textos.

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Niketche - uma História de Poligamia

Conheço um povo sem poligamia: o povo macua. Este povo deixou as suas raízes e apoligamou-se por influência da religião. Islamizou-se. (...) Conheço um povo de tradição poligâmica: o meu, do sul do meu país. Inspirado no papa, nos padres e nos santos, disse não à poligamia. Cristianizou-se. Jurou deixar os costumes bárbaros de casar com muitas mulheres para tornar-se monógamo ou celibatário. (...) Um dia dizem não aos costumes, sim ao cristianismo e à lei. No momento seguinte, dizem não onde disseram sim, ou sim onde disseram não.

(CHIZIANE, Paulina. Niketche. Uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 92.)


Baseando-se no excerto e na leitura da obra, é correto afirmar que



a)

a organização familiar é fruto da vida religiosa dos povos, cabendo assim a monogamia aos povos cristãos e a poligamia aos povos islâmicos 

b)

os costumes culturais no modo de organizar os arranjos familiares são colocados em xeque por novas estruturas de poder, as quais transmitem outros valores.

c)

a monogamia aparece como evolução natural aos costumes supostamente bárbaros de os homens se casarem com muitas mulheres em determinadas culturas africanas.

d)

o povo macua tornou-se monogâmico depois de abraçar a fé cristã trazida pelo papa e padres, o que pode ser considerado um aprimoramento social.

Resolução

a) Incorreta. A afirmação da alternativa A se precipita ao considerar que a monogamia é praticada pelos povos cristãos e a poligamia pelos povos islâmicos. Essa consideração é questionada pelo fato de o povo macua, que não seguia tradições cristãs, era, a princípio, monogâmico. Além disso, o povo ao qual a narradora Rami pertence, embora não fosse islâmico, também praticava a poligamia. Mesmo após ter se convertido ao cristianismo e adotado a monogamia, os homens desse povo continuaram praticando a poligamia de modo clandestino, como a narradora assinala ao final do excerto.

b) Correta. No excerto em questão, Rami aponta de que modo o colonialismo afetou os arranjos familiares. Quando novas estruturas de poder se instalam no território moçambicano, sejam elas as de tradição cristã ou islâmica, os arranjos familiares nativos são profundamente afetados. Rami testemunha essa experiência ao descrever de que forma a cultura cristã de origem europeia, imposta pelo colonizador português, afetou os costumes matrimoniais no sul do país, pois impôs o casamento monogâmico para um povo outrora polígamo, o que favoreceu o surgimento da poligamia clandestina.

c) Incorreta. A afirmação presente nesta alternativa traduz, em grande medida, o pensamento do colonizador, que se impunha a missão de “civilizar” os povos colonizados. Mas, ao longo da narrativa, Rami e as outras mulheres demonstram como até mesmo no contexto da cultura cristã monogâmica, as mulheres continuam sendo oprimidas e subjugadas, ou seja, para elas, a adoção dessa cultura não significou, necessariamente, uma evolução.

d) Incorreta. De acordo com o texto, o povo Macua era tradição monogâmica e se apoligamou após sua conversão ao islamismo, e não ao cristianismo.

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Carta de Achamento a el-rei Dom Manoel

Texto 1

“Parece-me gente de tal inocência que, se nós os entendêssemos e eles a nós, seriam logo cristãos porque eles não têm nem conhecem nenhuma crença. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se tornem cristãos e passem a crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga. Porque certamente esta gente é boa e de boa simplicidade, e imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho que lhes quiserem dar. E, pois, Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, se aqui nos trouxe, creio que não foi sem um motivo.”

(CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Achamento do Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001, p. 108.)

Texto 2

“As molas do homem primitivo podem ser postas em ação pelo exemplo, educação e benefícios (...). Newton, se houvesse nascido entre os guaranis, seria mais um bípede, que pisara sobre a superfície da Terra; mas um guarani criado por Newton talvez ocupasse o seu lugar. Quem ler o diálogo que traz Léry na sua viagem ao Brasil entre um francês e um velho carijó conhecerá que não falta aos índios bravos o lume natural da razão.”

(ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 50.)


A partir dos dois textos, escritos em momentos emblemáticos da história do Brasil (o “achamento” em 1500 e o debate de ideias para a criação de uma constituição em 1823), seria correto afirmar que os povos originários são



a)

definidos como díspares entre si, pois Caminha os vê como ingênuos, crédulos, enquanto Bonifácio alerta para o perigo dos indígenas bravos.

b)

considerados uma página em branco e maleáveis, tanto no texto do cronista quinhentista quanto naquele do publicista oitocentista.

c)

apontados como benignos, com a intenção de preservar os indígenas distantes da degradação dos costumes europeus.

d)

tributários de uma imutabilidade cultural, tanto na crônica de Caminha quanto no discurso de José Bonifácio.

Resolução

a) Incorreta. Ainda que Pero Vaz de Caminha descreva os indígenas como ingênuos (“gente de tal inocência”) e facilmente crédulos (“seriam logo cristãos porque eles não têm nem conhecem nenhuma crença”), não é correto afirmar que Bonifácio destaque em seu texto o perigo dos indígenas – essencialmente porque o termo “bravos”, no texto, remete muito mais à bravura desses indivíduos que à sua agressividade.

b) Correta. Em ambos os excertos, os indígenas são caracterizados como povos que podem ser manipulados com certa facilidade. No trecho de Caminha, fica clara a intenção religiosa das constatações (“não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se tornem cristãos e passem a crer em nossa santa fé”), ressaltando que seria possível imprimir a eles qualquer cunho que se desejasse. Já no texto de Bonifácio, fica destacado o potencial demonstrado pelos indígenas (“um guarani criado por Newton talvez ocupasse o seu lugar”), no sentido de que eles seriam capazes de absorver os conhecimentos que chegassem até eles. De formas diferentes, portanto, os textos ressaltam como os povos originários seriam manipuláveis e maleáveis.

c) Incorreta. Não há, em nenhum dos excertos apresentados, a intenção de preservar os indígenas da degradação dos costumes europeus. Há, ao contrário, a percepção (especificamente no texto de Caminha) de que a capacidade de absorção de costumes europeus, como a religião, seria interessante aos propósitos portugueses de colonização.

d) Incorreta. Nenhum dos textos apresenta os indígenas como dotados de uma imutabilidade cultural, uma vez que o que se destaca em ambos os excertos é justamente a capacidade de maleabilidade dos povos originários, que poderiam ser moldados de acordo com os estímulos que recebessem, de acordo com os pontos de vista adotados pelos autores dos textos.

 

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O Marinheiro intertexto

Texto 1

“Desde que, naufragado, se salvara, o marinheiro vivia ali... Como ele não tinha meio de voltar à pátria, e cada vez que se lembrava dela sofria, pôs-se a sonhar uma pátria que nunca tivesse tido: pôs-se a fazer ter sido sua uma outra pátria, uma outra espécie de país com outras espécies de paisagens, e outra gente, e outro feitio de passarem pelas ruas e de se debruçarem das janelas (...)”

(PESSOA, Fernando. O Marinheiro. Campinas: Editora da UNICAMP, p. 59, 2020.)

Texto 2

“Na capacidade para amoldar-se a todos os meios, em prejuízo, muitas vezes de suas próprias características raciais e culturais, revelou o português melhores aptidões de colonizador do que os demais povos (...). Os portugueses precisaram anular-se durante o longo tempo para afinal vencerem. Como o grão de trigo dos Evangelhos, o qual há de primeiramente morrer para depois crescer e dar muitos frutos.”

(HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, p. 224, 2016.)


Levando em conta os textos 1 e 2, assinale a alternativa correta.



a)

O marinheiro e o colonizador português são capazes de criar valores e paisagens, reinventando-se, a ponto de forjarem outra realidade e outra memória do passado.

b)

O marinheiro e o colonizador português constroem novos mundos e valores no além-mar, mas são incapazes de anular sua identidade original.

c)

O marinheiro e o colonizador português, apesar do esforço de construção cultural, limitam-se a transpor integralmente o que aprenderam no passado para as configurações do futuro.

d)

O marinheiro e o colonizador português acabam anulando suas identidades originais, representando, assim, figuras inquestionáveis de niilismo.

Resolução

a) Correta. A capacidade do marinheiro e do colonizador de se reinventar, criando novos valores e paisagens a ponto de forjarem outra realidade e outra memória do passado, pode ser percebida em ambos os textos apresentados. No texto 1, de Fernando Pessoa, o personagem do marinheiro, sozinho em uma ilha, passa a imaginar uma outra “pátria que nunca tivesse tido” – um outro país, com outras pessoas e outras paisagens que veio a se tornar mais real que a própria pátria onde ele crescera. Assim, a pátria real perde sua existência para dar lugar à pátria sonhada. Um movimento semelhante é percebido na descrição que Sérgio Buarque de Holanda faz do colonizador português, capaz de adaptar-se a todos os meios, “em prejuízo de suas próprias características raciais e culturais”; dessa forma, em sua história colonial, os portugueses tiveram que se anular, para, ao final, vencer, isto é, criar uma nova pátria, um império para além de suas fronteiras.

b) Incorreta. Na peça de Fernando Pessoa, o marinheiro, de fato, anula sua identidade original, pois, além de não conseguir mais se lembrar de sua antiga pátria, não consegue imaginar ter vivido uma outra vida senão aquela transcorrida na pátria imaginada. No texto 2, o autor menciona a anulação da identidade do colonizador português ao afirmar que ele é como o grão de trigo que tem que morrer para dar frutos, ou seja, a identidade original deve ser apagada para que outra surja em seu lugar.

c) Incorreta. Em ambos os casos, tanto o marinheiro como o colonizador apagam o seu passado para, assim, criar uma nova realidade. Desse modo, não lhes seria possível transpor o que aprenderam no passado para o futuro.

d) Incorreta. Em linhas gerais, o niilismo pode ser tomado como uma corrente filosófica que nega todo e qualquer sentido para o mundo e para experiência humana. Tal filosofia considera que a vida seria desprovida de propósito, tornando-se, assim, vazia e sem finalidade. Não é possível considerar que as figuras do marinheiro e do colonizador sejam representantes dessa concepção, pois, após anular suas identidades originais, eles foram capazes de criar novas realidades, dando um novo sentido a elas. Nesse sentido, tais figuras poderiam, portanto, ser tomadas como símbolos do ser humano que questiona e destrói a realidade que lhe é imposta e é capaz de criar um novo sentido para o mundo.