Texto 1
“Parece-me gente de tal inocência que, se nós os entendêssemos e eles a nós, seriam logo cristãos porque eles não têm nem conhecem nenhuma crença. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se tornem cristãos e passem a crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga. Porque certamente esta gente é boa e de boa simplicidade, e imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho que lhes quiserem dar. E, pois, Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, se aqui nos trouxe, creio que não foi sem um motivo.”
(CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Achamento do Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2001, p. 108.)
Texto 2
“As molas do homem primitivo podem ser postas em ação pelo exemplo, educação e benefícios (...). Newton, se houvesse nascido entre os guaranis, seria mais um bípede, que pisara sobre a superfície da Terra; mas um guarani criado por Newton talvez ocupasse o seu lugar. Quem ler o diálogo que traz Léry na sua viagem ao Brasil entre um francês e um velho carijó conhecerá que não falta aos índios bravos o lume natural da razão.”
(ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 50.)
A partir dos dois textos, escritos em momentos emblemáticos da história do Brasil (o “achamento” em 1500 e o debate de ideias para a criação de uma constituição em 1823), seria correto afirmar que os povos originários são
a) |
definidos como díspares entre si, pois Caminha os vê como ingênuos, crédulos, enquanto Bonifácio alerta para o perigo dos indígenas bravos. |
b) |
considerados uma página em branco e maleáveis, tanto no texto do cronista quinhentista quanto naquele do publicista oitocentista. |
c) |
apontados como benignos, com a intenção de preservar os indígenas distantes da degradação dos costumes europeus. |
d) |
tributários de uma imutabilidade cultural, tanto na crônica de Caminha quanto no discurso de José Bonifácio. |
a) Incorreta. Ainda que Pero Vaz de Caminha descreva os indígenas como ingênuos (“gente de tal inocência”) e facilmente crédulos (“seriam logo cristãos porque eles não têm nem conhecem nenhuma crença”), não é correto afirmar que Bonifácio destaque em seu texto o perigo dos indígenas – essencialmente porque o termo “bravos”, no texto, remete muito mais à bravura desses indivíduos que à sua agressividade.
b) Correta. Em ambos os excertos, os indígenas são caracterizados como povos que podem ser manipulados com certa facilidade. No trecho de Caminha, fica clara a intenção religiosa das constatações (“não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se tornem cristãos e passem a crer em nossa santa fé”), ressaltando que seria possível imprimir a eles qualquer cunho que se desejasse. Já no texto de Bonifácio, fica destacado o potencial demonstrado pelos indígenas (“um guarani criado por Newton talvez ocupasse o seu lugar”), no sentido de que eles seriam capazes de absorver os conhecimentos que chegassem até eles. De formas diferentes, portanto, os textos ressaltam como os povos originários seriam manipuláveis e maleáveis.
c) Incorreta. Não há, em nenhum dos excertos apresentados, a intenção de preservar os indígenas da degradação dos costumes europeus. Há, ao contrário, a percepção (especificamente no texto de Caminha) de que a capacidade de absorção de costumes europeus, como a religião, seria interessante aos propósitos portugueses de colonização.
d) Incorreta. Nenhum dos textos apresenta os indígenas como dotados de uma imutabilidade cultural, uma vez que o que se destaca em ambos os excertos é justamente a capacidade de maleabilidade dos povos originários, que poderiam ser moldados de acordo com os estímulos que recebessem, de acordo com os pontos de vista adotados pelos autores dos textos.