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Unicamp 2022 - 1ª fase


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Niketche - uma História de Poligamia

Tudo na vida é mortal, tudo se apaga. Se a tua chama se apaga é em ti que está a falta. Faz o que te digo e magia nenhuma te derrubará nesta vida. Tu és feitiço por excelência e não deves procurar mais magia nenhuma. Corpo de mulher é magia. Força. Fraqueza. Salvação. Perdição. O universo inteiro cabe nas curvas de uma mulher.

(Paulina Chiziane, Niketche: uma história de poligamia. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. p. 38.)

O excerto acima corresponde a uma das primeiras lições que a conselheira amorosa oferece a Rami, a personagem principal do romance. Tendo em vista as várias peripécias vividas por Rami, essa lição é

 



a)

aceita pela protagonista, mas sua trajetória lhe ensina que o corpo feminino é, no fim das contas, perdição.

 

 

b)

abandonada pela personagem principal, uma vez que seu marido não se encanta com seus novos ardis.

 

 

c)

frustrada, pois Rami, ao conhecer suas rivais, percebe que não possui todos os atributos desejáveis.

 

 

d)

confrontada com a experiência pessoal de Rami e de suas rivais, transformando-as de modo significativo.

 

 

Resolução

a) Incorreta. Ao longo de sua trajetória, Rami reencontra a si mesma e resgata sua própria identidade, seus valores e qualidades, bem como restaura os elementos ligados ao feminino, o que inclui uma vivência positiva em relação ao próprio corpo. Assim, o corpo, longe de ser causa de perdição, faz parte do processo de redescoberta da personagem.

b) Incorreta. Mesmo que Tony tenha ridicularizado Rami por adotar os ardis de sedução recomendados pela conselheira amorosa, a personagem não desiste. Ao final do capítulo 4, ao ser deixada de lado pelo marido, ela se coloca desolada frente ao espelho, que lhe diz: “— Onde está o espírito de luta, amiga minha? Se falhou hoje, podes tentar outra vez!”. Em seguida ela responde: “Obrigada, espelho meu. Perder a batalha não é perder a guerra. Amanhã será outro dia”.

c) Incorreta. A jornada de Rami na tentativa de conhecer as outras mulheres de Tony a levará a uma descoberta profunda de si mesma. Se, por um lado, a personagem se depara com mulheres mais jovens ou mais belas, por outro, o encontro com as outras esposas possibilitará que ela encontre sua própria força e sua própria beleza, tornando-se uma mulher mais realizada.

d) Correta. O enunciado pede que o candidato considere “as várias peripécias vividas por Rami” ao longo do romance. Nesse sentido, é válido retomar a cena em que a personagem se une às outras esposas de Tony e, juntas, o confrontam, despindo-se diante dele e desafiando-o a um encontro amoroso simultâneo. Vendo-se nessa situação, o marido polígamo se acovarda e acaba fugindo, pois sente-se incapaz de satisfazer todas as mulheres ao mesmo tempo. Desse modo, verifica-se a pertinência das lições da conselheira amorosa em relação à força e à magia do corpo feminino, não no sentido de conquistar o homem, mas sim em expor suas fraquezas e vulnerabilidades em relação a um suposto vigor sexual inesgotável. Assim, a partir da experiência corporal, as mulheres conseguem atingir a vaidade masculina e estremecer uma das bases nas quais se assenta o poder do patriarcado.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

O Marinheiro

Tenho horror a de aqui a pouco vos ter já dito o que vos vou dizer. As minhas palavras presentes, mal eu as diga, pertencerão logo ao passado, ficarão fora de mim, não sei onde, rígidas e fatais... Falo, e penso nisto na minha garganta, e as minhas palavras parecem-me gente...

(Fernando Pessoa, O marinheiro. Campinas: Editora da Unicamp, 2020, p. 51.)

O que eu era outrora já não se lembra de quem sou... Às vezes, à beira dos lagos, debruçava-me e fitava-me... Quando eu sorria, os meus dentes eram misteriosos na água... Tinham um sorriso só deles, independentes do meu...

(Idem, p. 52.)

Nos excertos acima, dois fenômenos são apresentados ao leitor e constituem o principal problema dramático da peça de Fernando Pessoa. Assinale a alternativa que identifica e explica corretamente esses fenômenos.

 



a)

As palavras e as imagens tornam-se independentes da pessoa humana. Isso significa a cisão entre o sujeito e o mundo ou, ainda, a crise de identidade pessoal reiterada nos diálogos.

 

 

b)

Proferir um discurso e ver-se refletido em um lago são situações dramáticas que sugerem a unidade entre ser e existir. A questão central, quem eu sou, é resolvida no desfecho da peça.

 

 

c)

Lembrar e esquecer são dois aspectos inseparáveis da estrutura dramática da peça. Se a imagem refletida no lago não se assemelha à pessoa que a contempla, as palavras, por sua vez, garantem a conexão entre o eu e a realidade exterior.

 

 

d)

O horror e o mistério das coisas são elementos básicos desse drama. Eles produzem, nas personagens, a convicção de que é útil narrar as experiências do passado porque assim se revela o seu verdadeiro significado.

 

Resolução

Os dois excertos de Fernando Pessoa apresentam como principal temática a relação das existências: do sujeito enquanto ser enunciativo e que se faz existir na linguagem; e desta, focalizada como um evento inapreensível e que se coloca como transitório e fugaz. Nesse sentido, quando se enuncia algo, este enunciar propicia a materialização das existências do sujeito, porém, no momento da enunciação, em sua materialização, aqueles signos linguísticos, antes pertencentes ao enunciador, agora deixam de sê-lo e fragmentam a existência do ser em enunciações já passadas. Por tal razão, é possível falar-se de vários ‘eus’. O ‘eu’ construído das enunciações do passado, o ‘eu’ construído das enunciações que estão na ‘garganta’, o ‘eu’ que observa esses outros ‘eus’ “independentes”.

As relações entre as constituições dos sujeitos e os limites que os definem para dentro ou para fora de si, para dentro ou para fora da linguagem ou da narrativa constituem um dos principais temas da peça de Fernando Pessoa. Nos diálogos, as veladoras confrontam-se com a constituição de quem são, das histórias que contam e da própria figura velada, ultrapassando os limites e propiciando reflexões sobre a constituição do ‘eu’.

a) Correta. A enunciação das palavras torna-as não mais inerentes àquele que as produz, o que as faz possuir existência própria, como afirmado pela terceira veladora “As minhas palavras presentes, mal eu as diga, pertencerão logo ao passado, ficarão fora de mim, não sei onde, rígidas e fatais…” e em “... as minhas palavras parecem-me gente”. De mesmo modo, o sujeito e o mundo também se colocam como cindidos, dado que o sujeito se constrói e se relaciona com o mundo pela linguagem e, portanto, ao ‘perdê-la’, ao não controlá-la completamente, perde-se nas multiplicidades criadas, resultando em uma crise de identidade, como nota novamente a terceira veladora em “o que eu era outrora já não se lembra de quem sou”.

b) Incorreta. A reflexão do lago apresenta justamente a forma como o eu se coloca como outrem, como aquele que se observa fora do ‘eu’, pois é possível ‘fitar-me’, fitar o outro que sou eu, mas que ali refletido, com dentes com um sorriso que não pertence ao ‘eu’ originário, mas “independentes”, de um outro. Além disso, a questão central ‘quem sou eu’ não se resolve ao final da peça.

c) Incorreta. Embora a lembrança e o esquecimento realmente se coloquem como aspectos importantes na peça, as palavras não se apresentam como a garantia de conexão. Ao contrário, por seu valor representativo, elas também provocam as várias cisões do eu com o contexto exterior, elas proporcionam as exposições de um ‘eu’ de um momento que se confronta com o ‘eu’ de um momento seguinte, provocando não conexão, mas cisão.

d) Incorreta. Há o horror e mistério, quando as personagens se questionam se poderiam ser elas as personagens na narrativa do marinheiro. A narrativa, para as personagens do drama, se coloca, a princípio, como um elemento para que elas passem o tempo em que velam, para que compartilhem experiências, mas não para que compreendam o verdadeiro significado do passado. Ao contrário, questionam-se se o passado foi realmente vivido. Quanto mais narram o passado, mais notam que há uma ampliação desse passado, que, perdendo suas nuances de certeza, vai se tornando mais objeto de sonho do que de realidade ou de verdadeiro significado.

 

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Tarde

As Ondas Entre as trêmulas mornas ardentias,

A noite no alto-mar anima as ondas.

Sobem das fundas úmidas Golcondas,

Pérolas vivas, as nereidas frias:

 

Entrelaçam-se, correm fugidias,

Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,

Vestem as formas alvas e redondas

De algas roxas e glaucas pedrarias.

 

Coxas de vago ônix, ventres polidos

De alabastro, quadris de argêntea espuma,

Seios de dúbia opala ardem na treva;

 

E bocas verdes, cheias de gemidos,

Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,

Soluçam beijos vãos que o vento leva...

(Olavo Bilac, Tarde. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919, p.48)

 

Ardentia: s.f. fosforescência sobre as ondas do mar, à noite.

Golconda: s. f. (fig.) mina de riquezas

Nereida: s.f. cada uma das ninfas do mar, filhas de Nereu.

(Disponíveis em www.aulete.com.br/ Acessado em 30/07/2021.)

 

Em relação ao soneto de Olavo Bilac (no contexto de sua época), é correto afirmar que a seleção lexical favorece a



a)

descrição objetiva que o eu lírico faz da fantasia amorosa recorrendo à riqueza mineral dos oceanos.

 

b)

representação estética que o eu lírico faz do desejo amoroso associado a fenômenos naturais.

 

 

c)

descrição científica que o eu lírico faz do corpo feminino recorrendo a fenômenos da natureza.

 

 

d)

representação natural que o eu lírico faz do jogo de sensualidade associado à mitologia grega.

 

Resolução

O enunciado solicita que o poema seja observado a partir do contexto de sua época, ou seja, do início do século XX e do movimento estético-literário em que a maior parte das obras de seu autor fica circunscrita: o Parnasianismo. A partir dessa contextualização, a questão solicita que seja analisada a seleção lexical de modo a compreender o que ela favorece.

a) Incorreta. Ainda que o eu lírico recorra a elementos que remetem aos oceanos e às suas riquezas minerais, não há, no soneto, uma descrição objetiva da fantasia amorosa. Ao contrário, todas as descrições são carregadas de um viés figurativo e simbólico muito evidente, que será usado na construção das analogias presentes ao longo do poema.

b) Correta. O enunciado dessa questão faz referência à seleção lexical do soneto, chamando a atenção para o “preciosismo vocabular”, um dos aspectos mais significativos da estética parnasiana. Após atenta leitura, não é difícil identificar esse tipo de vocabulário do qual se pode citar como exemplo: ardentias, fugidias, glaucas, alabastro, argêntea etc. O emprego dessas palavras raras e sofisticadas procura criar um efeito estético no poema, uma vez que os poetas parnasianos, defendendo o ideal da “arte pela arte”, consideravam que a construção da beleza era a finalidade da poesia. Nesse sentido, observa-se que a alternativa B, ao fazer referência à representação estética, aponta corretamente a essa característica da estética parnasiana. Esse soneto também exemplifica uma tendência marcante da lírica de Olavo Bilac, que consiste numa expressão de um sentimento de erotismo e sensualidade até mesmo quando descreve elementos da natureza. Nesse caso, o poeta evoca as nereidas, personagens mitológicas personificadas pelas ondas do mar cujos movimentos sugerem o corpo feminino que se delineia através de “formas alvas e redondas”, “ventres”, “seios”, “bocas”, “gemidos” e “beijos”, elementos que trazem ao soneto o desejo amoroso do eu lírico que transborda para a própria natureza.

c) Incorreta. Não é correto afirmar que haja no soneto uma descrição científica do corpo feminino. O trabalho descritivo do eu lírico se aproxima muito mais das imagens subjetivas e sensoriais, o que se justifica, inclusive, quando considerada a corrente literária na qual se instaura o soneto, o Parnasianismo, que valoriza a busca pelo belo e pela perfeição do ponto de vista artístico (como já indica um dos lemas dessa vertente literária, “a arte pela arte”), não científico.

d) Incorreta. O que invalida esta alternativa é a menção a uma representação natural do jogo de sensualidade presente no soneto. Os parnasianos, tais como Olavo Bilac, buscavam a representação do belo e do perfeito e a viam como uma construção, não como mera apreciação do que já existia. Isso significa que a beleza seria resultado de um esforço artístico minucioso do poeta, que alcançaria, portanto, a perfeição por meio de um trabalho com a linguagem muito bem executado.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

intertexto Camões

Na ribeira do Eufrates assentado,

Discorrendo me achei pela memória

Aquele breve bem, aquela glória,

Que em ti, doce Sião, tinha passado.

 

Da causa de meus males perguntado

Me foi: Como não cantas a história

De teu passado bem e da vitória

Que sempre de teu mal hás alcançado?

 

Não sabes, que a quem canta se lhe esquece

O mal, inda que grave e rigoroso?

Canta, pois, e não chores dessa sorte.

 

Respondi com suspiros: Quando cresce

A muita saudade, o piedoso

Remédio é não cantar senão a morte.

(Luís de Camões, 20 sonetos. Org. Sheila Hue. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p.113).

 

Considerando as características formais e o núcleo temático, é correto afirmar que o poema retoma o dito popular

 



a)

“longe dos olhos, perto do coração”.

 

 

b)

“mais vale cantar mal que chorar bem”.

 

 

c)

“a cada canto seu Espírito Santo”.

 

 

d)

“quem canta seus males espanta”.

 

 

Resolução

No soneto camoniano, o eu lírico apresenta-nos uma cena em que se encontra próximo ao Eufrates relembrando os tempos passados em Sião. Nesse momento em que está rememorando tempos tão aprazíveis, é questionado por alguém a respeito do motivo de seus males e do motivo pelo qual não se propunha a cantar (a compor sobre) a história desse tão vistoso passado e do fato de sempre ter alcançado a vitória sobre tal mal. Afinal, aponta-lhe seu interpelador, quem canta pode se esquecer do mal mesmo que este seja “grave e rigoroso”, usando um conhecido ditado “Não sabes, que a quem canta se lhe esquece o mal”. Por fim, solicita-lhe que cante e que não chore por aquela sorte. O eu lírico, ainda tomado pela tristeza saudosa, responde que, dada a saudade, o remédio que é cantar (compor) apenas caberia se a canção fosse triste, se fosse sobre a morte, sobre seu próprio fim, mostrando-se resistente ao conselho do interpelador e à crença de que realmente o canto/a poesia pudesse dispor de tal poder curativo. Assim, ele consegue elevar hiperbolicamente o tamanho das saudades e do amor a Sião, à pátria, metaforicamente Portugal.

Dada a leitura acima exposta, cabe observar que o enunciado da questão solicitava que fossem consideradas características formais e o núcleo temático do soneto, associando-o a um dos ditos populares presentes nos itens.

a) Incorreta. Podemos afirmar que o núcleo temático do soneto esteja retomando este ditado, em razão de Sião estar longe dos olhos, mas perto do coração, na memória do eu lírico, portanto, acompanhando-o e sendo motivo de sua sorte e de seus males. Contudo, não há elementos formais do ditado que sejam retomados pelo poema.

b) Incorreta. Os temas do canto e do choro, do lamento são retomados pelo poema, porém não em modo, por advérbios relacionados ‘bem’ ou ‘mal’. Além disso, não há elementos formais do ditado e sua organização frasal que sejam retomados pelo poema.

c) Incorreta. O tema das particularidades, dos modos de se ver e tratar algum elemento pode ser retomado pelo poema, dado que o eu lírico cultiva seus males na rememoração discorrida dos eventos felizes, mas é instado pelo interpelador a agir de modo diferente e cantar as dores para se alegrar. Contudo, do ponto de vista estrutural, não há elementos que são retomados pelo poema.

d) Correta. A ideia de que o canto é utilizado como ferramenta para espantar os males é retomada pelo poema quando o interpelador pede ao eu lírico que este cante para que consiga afastar os males e a sorte. Ele o faz retomando exatamente uma outra versão do dito “Não sabes, que a quem canta se lhe esquece o mal”. Ao utilizar essa estrutura tão semelhante, o poema retoma não apenas a temática, mas também a forma, uma vez que faz referência direta ao ditado, construindo um paralelismo estrutural que permite a identificação de um texto pelo outro, uma vez que utiliza as mesmas sequências estruturais iniciais “quem canta”, além do aparecimento do termo “mal”, vinculado a “males”.

 

 

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Bons dias!

(...) eu sou um pobre relojoeiro que, cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora, descri do ofício. (...) Um exemplo. O Partido Liberal, segundo li, estava encasacado e pronto para sair, com o relógio na mão, porque a hora pingava. Faltava-lhe só o chapéu, que seria o chapéu Dantas, ou o chapéu Saraiva (ambos da chapelaria Aristocrata); era só pô-lo na cabeça, e sair. Nisto passa o carro do paço com outra pessoa, e ele descobre que ou o seu relógio está adiantado, ou o de Sua Alteza é que se atrasara. Quem os porá de acordo?

(Machado de Assis, Bons dias. Introdução e notas John Gledson. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2008, p. 79.)

 

Com relação ao excerto da crônica de Machado de Assis, publicada em 05 de abril de 1888 na Gazeta de Notícias, é correto afirmar que a metáfora mecânica faz referência à passagem do tempo, aludindo à expectativa de mudança de



a)

a) regime a partir de discordâncias políticas que levaram à eleição do governo imperial.

b)

b) século, marcada pela perspectiva da chegada do meteorito de Bendegó na corte imperial

 

c)

c) mentalidade escravagista, com um pacto político para suspensão de costumes imperiais.

 

 

d)

d) legislação, com a alternância entre partidos para a formação de um novo ministério do governo imperial.

 

Resolução

a) Incorreta. O trecho da crônica alude à mudança de legislação, fazendo referência a projetos abolicionistas, e não a uma mudança de regime político.

b) Incorreta. A crônica data de 05 de abril de 1888, logo, não assinala a mudança de século, mas refere-se a fatos políticos do Segundo Reinado, e o trecho citado não menciona a chegada do meteorito Bendegó.

c) Incorreta. Embora parte considerável da sociedade defendesse a Abolição, ainda se verificava a permanência de uma mentalidade escravagista sobretudo entre as elites latifundiárias. Além disso, os costumes imperiais se mantiveram até o ano seguinte, 1889, quando foi proclamada a República.

d) Correta. O excerto da crônica de “Bons dias!” remete ao contexto político brasileiro do Segundo Reinado, dominado pelas disputas entre os partidos Liberal e Conservador, especialmente em relação às discussões sobre medidas abolicionistas. John Gledson* nos informa que os personagens citados nessa crônica são Manuel Pinto de Sousa Dantas, político liberal que, entre os anos de 1884 e 1885, como presidente do Conselho de Ministros, tentou conseguir a liberdade para os escravos com mais de 60 anos. Antônio José Saraiva, por sua vez, também foi um político liberal que, em 1885, presidindo o Conselho, promulgou a lei dos sexagenários.

De um modo geral, a historiografia considera que as questões abolicionistas estavam se impondo, os projetos liberais eram, no geral, mais "progressistas", mas muitas leis foram resultado de propostas dos conservadores, que as limitavam. Muitos historiadores consideram que a legislação abolicionista era, na verdade, uma forma de protelar a abolição efetiva da escravidão, isto é, uma maneira de se fazerem algumas concessões para o movimento abolicionista, como forma de retardar o que realmente interessava.

A metáfora mecânica do relojoeiro que está “cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora” estrutura os sentidos presentes nesse trecho da crônica. Pode-se afirmar que este personagem alude ao modo como os políticos liberais deixaram passar os tempos da política, tendo seus projetos limitados por grupos que se posicionavam de modo contrário a medidas abolicionistas. Mesmo antes da proclamação da lei Áurea, ainda em fevereiro de 1888, devido à renúncia do Barão de Cotegipe (político conservador, contrário ao fim da escravidão, então presidente do Conselho de Ministros), a Abolição era dada como certa, de modo que já não importava mais qual partido iria encampanar o processo de aprovação da lei. Mesmo com a ascensão do senador abolicionista João Alfredo, os liberais perderam a chance de protagonizar essa mudança política que, no fim das contas, foi acelerada pela renúncia de Cotegipe. Em resumo, a alternativa D aponta para a mudança de legislação referindo-se à promulgação da Lei Áurea que extinguiu a escravidão, bem como para a formação de um novo ministério no governo imperial, com a queda de um conservador e a ascensão de um liberal.

(*GLEDSON, J. Introdução in ASSIS, M. Bons Dias! Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2008, p.82).

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

O ateneu

No ano seguinte, o Ateneu revelou-se-me noutro aspecto. Conhecera-o interessante, com as seduções do que é novo, com as projeções obscuras de perspectiva, desafiando curiosidade e receio; conhecera-o insípido e banal como os mistérios resolvidos, caiado de tédio; conhecia-o agora intolerável como um cárcere, murado de desejos e privações.

(Raul Pompeia, O Ateneu. 7ª. ed. São Paulo: Ática, 1980, p. 98.)

Com base no excerto que inicia o capítulo VIII do romance de Raul Pompéia e no seu subtítulo – crônica de saudades –, é correto afirmar que a obra é



a)

a) um relato, em primeira pessoa, de experiências coletivas e íntimas, no qual o protagonista mostra aspectos da realidade social, valorizando o sistema escolar e prisional.

b)

b) um romance de formação, no qual o protagonista revela condutas e intrigas no ambiente escolar, com elogios à pedagogia corretiva e aos valores morais da burguesia.

c)

c) uma narrativa memorialista de experiências vividas num internato, na qual o protagonista revela aspectos do sistema educacional da época, com críticas à hipocrisia burguesa.

d)

d) um relato saudosista de experiências vividas no internato, no qual o protagonista mostra o poder de sedução e corrupção das amizades, com críticas à falsidade da burguesia.

Resolução

a) Incorreta. É equivocado afirmar que a obra valoriza o sistema escolar e prisional, uma vez que o autor busca justamente, ao longo de sua narração, reconstruir as atrocidades cometidas nos bastidores do colégio, criticar o sistema educativo da instituição, que recorria constantemente a punições e ao autoritarismo.

b) Incorreta. Não se trata de um romance de formação, pois o enredo está circunscrito a apenas dois anos da vida do protagonista, não à sua história desde a infância ou adolescência até a vida adulta. Também não há elogios à pedagogia corretiva e aos valores morais da burguesia, mas pesadas críticas ao sistema educacional, o qual envolve constantes humilhações, castigos físicos e punições.

c) Correta. Em “O Ateneu”, Raul Pompeia se transfigura em Sérgio, o adulto que narra em primeira pessoa sua história. O motivo do romance centra-se em suas memórias. Já adulto, ele relata os episódios emocionalmente mais marcantes ao longo dos dois anos em que foi aluno do colégio “O Ateneu”, onde vivenciou o desajuste de viver em um ambiente que lhe era hostil, tanto pelas normas opressoras do colégio, quanto pelos próprios alunos (advindos de famílias de alta burguesia). Na obra, “O Ateneu” funciona como microcosmo da sociedade burguesa escravocrata, monárquica e autoritária e também do mundo, o meio a que o sujeito tem de se submeter para lhe ser possível a sobrevivência.

 

d) Incorreta. Não há saudosismo no relato das experiências vividas, pelo contrário, a obra narra a experiência traumática do escritor que, aos dez anos, ingressou no famoso colégio Abílio, dirigido pelo barão de Macaúbas, conhecido por sua severidade e prepotência. 

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

linguagem verbal e não verbal textos híbridos

Texto I

(Denilson Baniwa, Repovoamento da memória de uma cidade-floresta, 2021, Mural Lambe-lambe, 3,80m x 12m. Disponível em https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2019/03/23-DenilsonBaniwa.jpeg .Acessado em 05/07/2021.)

Texto II

Para que as memórias e tradições permaneçam vivas, o Museu da Pessoa, a Rádio Yandê e Ailton Krenak vão realizar uma formação virtual em memória e mídias para que jovens das comunidades originárias registrem as histórias de vida de seus anciãos e anciãs.

O ditado “Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima” é válido para os povos indígenas, portanto nosso lema é “Cada ancião que se preserva é uma biblioteca que se salva”. Na tradição dos povos indígenas, todo conhecimento de plantas, de cura, de mitos e narrativas é produzido de maneira oral. “A gente não sabe até quando que vão ter esse conhecimento completo. A gente vai morrendo e vai se apagando tudo. A gente não é igual vocês, que fica tudo guardado em algum lugar (...)” (Awapataku Waura, ancião e pajé do povo Waura).

(Adaptado de “Projeto Vidas Indígenas”, vídeo institucional do Museu da Pessoa, sobre registro de narrativas orais indígenas. Disponível em: https://benfeitoria.com/vidasindigenas. Acessado em 04/04/2021.)


O mural criado pelo artista Denilson Baniwa (texto I) e o excerto da apresentação do Projeto Vidas Indígenas (texto II) tratam da memória dos povos indígenas. Assinale a alternativa que sintetiza os dois textos.

 



a)

Os conhecimentos produzidos por narrativas orais são facilmente perdidos, por isso os povos indígenas não conseguem transmitir sua memória.

 

 

b)

A produção de imagens e o uso de mídias tecnológicas em comunidades indígenas são atualmente o único meio de esses povos contarem suas histórias.

 

 

c)

Os textos orais indígenas dão forma a memórias, saberes e visões de mundo desses povos, por isso devem ser registrados e mantidos.

 

 

d)

O mural ressalta a perda da memória dos povos indígenas e o excerto propõe meios de modernização da produção de narrativas e saberes.

 

Resolução

a) Incorreta. Não é possível sustentar que os povos indígenas não conseguem transmitir sua memória. Tal processo, na verdade, ocorre oralmente entre os integrantes das tribos. A razão pela qual esses conhecimentos são facilmente perdidos é que, uma vez que as narrativas orais não são documentadas, as memórias são perdidas após a morte de anciãos.

b) Incorreta. Embora o Texto I utilize a produção de imagens como registro e o Texto II faça menção às mídias tecnológicas, não há base textual que comprove que essas são atualmente os únicos meios de os povos contarem suas histórias. Aliás, tradicionalmente, o conhecimento é transmitido oralmente.

c) Correta. No Texto I, as imagens do mural fazem referência aos saberes indígenas, os quais são registrados na parede a partir da fala de um personagem indígena. No Texto II, o projeto desenvolvido pelo Museu da Pessoa, a Rádio Yandê e Ailton Krenak tem como intuito registrar as histórias de vida de anciãos e anciãs indígenas. Segundo o Museu da Pessoa, tradição dos povos indígenas, todo conhecimento de plantas, de cura, de mitos e narrativas é produzido de maneira oral, o que acaba se perdendo ao longo dos anos, uma vez que não há registros que garantam a transmissão desse conhecimento. É a partir da oralidade, portanto, que tais grupos dão forma a memórias, saberes e visões de mundo desses povos. O registro disso – por meio de pinturas ou de mídias digitais – deve ser mantido e divulgado.

d) Incorreta. O mural ressalta o oposto ao mencionado pela alternativa: nele, vemos um indígena transmitindo sua cultura, o que é registrado através das imagens.

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Figuras de Linguagem textos híbridos

Texto I

(Denilson Baniwa, Repovoamento da memória de uma cidade-floresta, 2021, Mural Lambe-lambe, 3,80m x 12m. Disponível em https://www.premiopipa.com/wp-content/uploads/2019/03/23-DenilsonBaniwa.jpeg .Acessado em 05/07/2021.)

Texto II

Para que as memórias e tradições permaneçam vivas, o Museu da Pessoa, a Rádio Yandê e Ailton Krenak vão realizar uma formação virtual em memória e mídias para que jovens das comunidades originárias registrem as histórias de vida de seus anciãos e anciãs.

O ditado “Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima” é válido para os povos indígenas, portanto nosso lema é “Cada ancião que se preserva é uma biblioteca que se salva”. Na tradição dos povos indígenas, todo conhecimento de plantas, de cura, de mitos e narrativas é produzido de maneira oral. “A gente não sabe até quando que vão ter esse conhecimento completo. A gente vai morrendo e vai se apagando tudo. A gente não é igual vocês, que fica tudo guardado em algum lugar (...)” (Awapataku Waura, ancião e pajé do povo Waura).

(Adaptado de “Projeto Vidas Indígenas”, vídeo institucional do Museu da Pessoa, sobre registro de narrativas orais indígenas. Disponível em: https://benfeitoria.com/vidasindigenas. Acessado em 04/04/2021.)


No texto II (Projeto Vidas Indígenas), é utilizada uma metáfora que relaciona “ancião” e “biblioteca”. As citações a seguir tratam da importância de anciãos e anciãs indígenas para a transmissão do conhecimento. Assinale aquela que também faz uso de uma metáfora

 



a)

“Perder um ancião é o mesmo que fechar um livro. Ou mesmo queimar um livro” (Comissão Pró-Índio, Twitter, via @g1).

 

 

b)

“Morte de anciãos indígenas na pandemia pode fazer línguas inteiras desaparecerem” (manchete da BBC Brasil News).

 

 

c)

“A morte de uma anciã ou um ancião é tratada como se uma biblioteca fosse perdida” (site “Racismo Ambiental”).

 

 

d)

“Nikaiti Mekranotire é mais uma vítima do covid-19. Perdemos uma enciclopédia” (Mayalú Txucarramãe, Twitter).

 

Resolução

No Texto II, o leitor é apresentado ao ditado “Cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima”. Tal metáfora faz referência à importância dos anciãos e anciãs indígenas para a transmissão do conhecimento, pois, muitas vezes, conhecimentos da cultura indígena são perdidos devido à morte dos mais velhos e à ausência de documentação de seus saberes.

Após a leitura atenta das alternativas, o candidato deve assinalar o trecho que também faz uso de uma metáfora. Essa figura de linguagem baseia-se na transferência de um termo para um contexto de significação que não lhe é próprio. Diferente da comparação (ou símile), a qual ocorre quando elementos de universos diferentes são aproximados por meio de um termo específico (como, feito, tal qual, qual, assim como etc.), a metáfora é construída por uma comparação implícita.

a) Incorreta. No trecho em questão, ocorre uma comparação (“Perder um ancião é o mesmo que fechar um livro”).

b) Incorreta. Não há comparação (implícita nem explícita). Em vista disso, não há metáfora.

c) Incorreta. No trecho em questão, ocorre uma comparação (“A morte de uma anciã ou um ancião é tratada como se uma biblioteca fosse perdida”).

d) Correta. Em “Perdemos uma enciclopédia” ocorre uma metáfora, uma vez que o ancião Nikaiti Mekranotire é implicitamente comparado a uma enciclopédia, isto é, uma obra que abrange todos os conhecimentos de uma área específica do saber.

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Composição Formação de palavras

Leia, a seguir, o título e subtítulo de uma reportagem.

(Fonte: Correio 24horas. 21/06/2021.)

Ao longo da pandemia da Covid-19 tornou-se cada vez mais recorrente o uso da expressão de língua inglesa home office (em tradução literal, “escritório em casa”) para se referir a trabalho a distância ou a teletrabalho. Indique a alternativa que descreve o processo de composição do neologismo “roça-office”, conforme empregado no título da reportagem.

 



a)

A substituição do vocábulo em inglês “home” por “roça” torna o uso desse estrangeirismo mais adequado à grafia do português.

 

 

b)

A justaposição de “roça” e “office” produz um efeito cômico pelo contraste entre os meios rural e urbano na formação do neologismo.

 

 

c)

A justaposição de “roça” e do neologismo “office” baseia-se na similaridade fonético-fonológica entre os vocábulos “home” e “roça”.

 

 

d)

A aglutinação dos radicais “roça” e “office” adapta o neologismo aos imóveis brasileiros e produz o efeito de humor na manchete

 

Resolução

O neologismo “roça-office” é formado pelo processo de justaposição dos vocábulos “roça” e “office”. O termo faz referência a “home office”, isto é, um “escritório em casa” (em tradução literal).

a) Incorreta. Caso o intuito da notícia fosse tornar o estrangeirismo mais adequado à grafia do português, a palavra “office” também deveria ser traduzida.

b) Correta. A justaposição dos vocábulos produz um efeito cômico, causado pelo contraste entre os meios rural (“roça”, que faz referência ao interior da Bahia) e urbano (relacionado ao home office, que depende de tecnologias comumente encontradas em centros urbanos).

c) Incorreta. O que justifica a substituição de “home” por “roça” é similaridade semântica, já que ambos os termos têm sentido locativo.

d) Incorreta. Não ocorre alteração dos elementos formadores no neologismo “roça-office”, logo, não há aglutinação.

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Paráfrases paródia intertextualidade artítica

Texto I

 

(André Vallias, 2020. Disponível em: https://gramho.com/media/241201996 8340930281. Acessado em 20/06/2021.)

Texto II

(Hélio Oiticica, Bandeira-poema [Seja marginal, seja herói], 1968. Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2638/bandeirapoema. Acessado em 24/08/2021.)

Considere o diálogo intertextual entre os dois poemas e assinale a alternativa correta.

 



a)

O texto II parodia o texto I ao deslocar o tema da conectividade no meio digital para o elogio da marginalidade como ato heroico.

 

 

b)

O texto I parafraseia o texto II ao chamar atenção para a posição marginal imposta a quem resiste à pressão de viver conectado às redes.

 

 

c)

O texto II alude ao texto I para reforçar a equivalência entre as condições de ficar “off-line” e ser “marginal” em cada contexto.

 

 

d)

O texto I parodia o texto II para situar como heroico e transgressivo o ato de se desconectar das redes sociais no contexto atual.

 

 

 

 

 

Resolução

Para resolver adequadamente esta questão, é necessário ter em mente os conceitos de paródia, paráfrase e alusão. Todos esses recursos podem ser compreendidos como estratégias de intertextualidade, mas há nuances específicas para cada um deles: a paródia pressupõe um trabalho de aproximação e ressignificação para gerar um efeito cômico ou irônico; a paráfrase acontece quando a referência ao texto de origem guarda sua ideia principal; a alusão ocorre quando há apenas a menção a uma obra original, de modo que seja possível reconhecê-la sem maiores dificuldades. Além disso, é interessante observar as datas de criação de ambas as obras apresentadas na questão: a de André Vallias (Texto I) é de 2020 e a de Hélio Oiticica (Texto II) é de 1968.

a) Incorreta. Não é correto afirmar que o texto I seja uma paródia do texto II, pois, além de cronologicamente isso ser impossível, não há traços de ironia ou comicidade na obra de Hélio Oiticica, o que configuraria uma paródia.

b) Incorreta. A relação entre os textos I e II não é de mera paráfrase, uma vez que há, no texto I, uma ressignificação dos sentidos apresentados no texto II. Além disso, não há, na obra de André Vallias, uma associação entre uma vida off-line e uma posição marginal, mas, ao contrário, a associação se dá com a noção de heroísmo.

c) Incorreta. Além de não ser cronologicamente possível que o texto II fizesse uma alusão ao texto I, não é correto afirmar que a relação entre eles seja de alusão, uma vez que há uma alteração intencional, na obra mais recente, do texto que compõe a mais antiga.

d) Correta. De fato, é possível afirmar que o texto I parodia o texto II, uma vez que há uma intenção de remeter à obra de Hélio Oiticica, transportando o seu sentido original para um contexto atual, em que o ato heroico e transgressor é o de se manter longe das redes sociais. Vale ressaltar que o texto II é uma das obras mais emblemáticas da cultura marginal, movimento que valorizava, acima de tudo, a contestação de valores conservadores, burgueses e alinhados aos da Ditadura Militar. Esse contexto de transgressão, então, é retomado por André Vallias ao fazer essa paródia e equiparar o ato de resistir às opressões de um governo autoritário ao ato de se manter desconectado atualmente.