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Questão 4 Unicamp 2022 - 1ª fase

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Questão 4

intertexto Camões

Na ribeira do Eufrates assentado,

Discorrendo me achei pela memória

Aquele breve bem, aquela glória,

Que em ti, doce Sião, tinha passado.

 

Da causa de meus males perguntado

Me foi: Como não cantas a história

De teu passado bem e da vitória

Que sempre de teu mal hás alcançado?

 

Não sabes, que a quem canta se lhe esquece

O mal, inda que grave e rigoroso?

Canta, pois, e não chores dessa sorte.

 

Respondi com suspiros: Quando cresce

A muita saudade, o piedoso

Remédio é não cantar senão a morte.

(Luís de Camões, 20 sonetos. Org. Sheila Hue. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p.113).

 

Considerando as características formais e o núcleo temático, é correto afirmar que o poema retoma o dito popular

 



a)

“longe dos olhos, perto do coração”.

 

 

b)

“mais vale cantar mal que chorar bem”.

 

 

c)

“a cada canto seu Espírito Santo”.

 

 

d)

“quem canta seus males espanta”.

 

 

Resolução

No soneto camoniano, o eu lírico apresenta-nos uma cena em que se encontra próximo ao Eufrates relembrando os tempos passados em Sião. Nesse momento em que está rememorando tempos tão aprazíveis, é questionado por alguém a respeito do motivo de seus males e do motivo pelo qual não se propunha a cantar (a compor sobre) a história desse tão vistoso passado e do fato de sempre ter alcançado a vitória sobre tal mal. Afinal, aponta-lhe seu interpelador, quem canta pode se esquecer do mal mesmo que este seja “grave e rigoroso”, usando um conhecido ditado “Não sabes, que a quem canta se lhe esquece o mal”. Por fim, solicita-lhe que cante e que não chore por aquela sorte. O eu lírico, ainda tomado pela tristeza saudosa, responde que, dada a saudade, o remédio que é cantar (compor) apenas caberia se a canção fosse triste, se fosse sobre a morte, sobre seu próprio fim, mostrando-se resistente ao conselho do interpelador e à crença de que realmente o canto/a poesia pudesse dispor de tal poder curativo. Assim, ele consegue elevar hiperbolicamente o tamanho das saudades e do amor a Sião, à pátria, metaforicamente Portugal.

Dada a leitura acima exposta, cabe observar que o enunciado da questão solicitava que fossem consideradas características formais e o núcleo temático do soneto, associando-o a um dos ditos populares presentes nos itens.

a) Incorreta. Podemos afirmar que o núcleo temático do soneto esteja retomando este ditado, em razão de Sião estar longe dos olhos, mas perto do coração, na memória do eu lírico, portanto, acompanhando-o e sendo motivo de sua sorte e de seus males. Contudo, não há elementos formais do ditado que sejam retomados pelo poema.

b) Incorreta. Os temas do canto e do choro, do lamento são retomados pelo poema, porém não em modo, por advérbios relacionados ‘bem’ ou ‘mal’. Além disso, não há elementos formais do ditado e sua organização frasal que sejam retomados pelo poema.

c) Incorreta. O tema das particularidades, dos modos de se ver e tratar algum elemento pode ser retomado pelo poema, dado que o eu lírico cultiva seus males na rememoração discorrida dos eventos felizes, mas é instado pelo interpelador a agir de modo diferente e cantar as dores para se alegrar. Contudo, do ponto de vista estrutural, não há elementos que são retomados pelo poema.

d) Correta. A ideia de que o canto é utilizado como ferramenta para espantar os males é retomada pelo poema quando o interpelador pede ao eu lírico que este cante para que consiga afastar os males e a sorte. Ele o faz retomando exatamente uma outra versão do dito “Não sabes, que a quem canta se lhe esquece o mal”. Ao utilizar essa estrutura tão semelhante, o poema retoma não apenas a temática, mas também a forma, uma vez que faz referência direta ao ditado, construindo um paralelismo estrutural que permite a identificação de um texto pelo outro, uma vez que utiliza as mesmas sequências estruturais iniciais “quem canta”, além do aparecimento do termo “mal”, vinculado a “males”.