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Questão 5 Unicamp 2022 - 1ª fase

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Questão 5

Bons dias!

(...) eu sou um pobre relojoeiro que, cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora, descri do ofício. (...) Um exemplo. O Partido Liberal, segundo li, estava encasacado e pronto para sair, com o relógio na mão, porque a hora pingava. Faltava-lhe só o chapéu, que seria o chapéu Dantas, ou o chapéu Saraiva (ambos da chapelaria Aristocrata); era só pô-lo na cabeça, e sair. Nisto passa o carro do paço com outra pessoa, e ele descobre que ou o seu relógio está adiantado, ou o de Sua Alteza é que se atrasara. Quem os porá de acordo?

(Machado de Assis, Bons dias. Introdução e notas John Gledson. 3. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2008, p. 79.)

 

Com relação ao excerto da crônica de Machado de Assis, publicada em 05 de abril de 1888 na Gazeta de Notícias, é correto afirmar que a metáfora mecânica faz referência à passagem do tempo, aludindo à expectativa de mudança de



a)

a) regime a partir de discordâncias políticas que levaram à eleição do governo imperial.

b)

b) século, marcada pela perspectiva da chegada do meteorito de Bendegó na corte imperial

 

c)

c) mentalidade escravagista, com um pacto político para suspensão de costumes imperiais.

 

 

d)

d) legislação, com a alternância entre partidos para a formação de um novo ministério do governo imperial.

 

Resolução

a) Incorreta. O trecho da crônica alude à mudança de legislação, fazendo referência a projetos abolicionistas, e não a uma mudança de regime político.

b) Incorreta. A crônica data de 05 de abril de 1888, logo, não assinala a mudança de século, mas refere-se a fatos políticos do Segundo Reinado, e o trecho citado não menciona a chegada do meteorito Bendegó.

c) Incorreta. Embora parte considerável da sociedade defendesse a Abolição, ainda se verificava a permanência de uma mentalidade escravagista sobretudo entre as elites latifundiárias. Além disso, os costumes imperiais se mantiveram até o ano seguinte, 1889, quando foi proclamada a República.

d) Correta. O excerto da crônica de “Bons dias!” remete ao contexto político brasileiro do Segundo Reinado, dominado pelas disputas entre os partidos Liberal e Conservador, especialmente em relação às discussões sobre medidas abolicionistas. John Gledson* nos informa que os personagens citados nessa crônica são Manuel Pinto de Sousa Dantas, político liberal que, entre os anos de 1884 e 1885, como presidente do Conselho de Ministros, tentou conseguir a liberdade para os escravos com mais de 60 anos. Antônio José Saraiva, por sua vez, também foi um político liberal que, em 1885, presidindo o Conselho, promulgou a lei dos sexagenários.

De um modo geral, a historiografia considera que as questões abolicionistas estavam se impondo, os projetos liberais eram, no geral, mais "progressistas", mas muitas leis foram resultado de propostas dos conservadores, que as limitavam. Muitos historiadores consideram que a legislação abolicionista era, na verdade, uma forma de protelar a abolição efetiva da escravidão, isto é, uma maneira de se fazerem algumas concessões para o movimento abolicionista, como forma de retardar o que realmente interessava.

A metáfora mecânica do relojoeiro que está “cansado de ver que os relógios deste mundo não marcam a mesma hora” estrutura os sentidos presentes nesse trecho da crônica. Pode-se afirmar que este personagem alude ao modo como os políticos liberais deixaram passar os tempos da política, tendo seus projetos limitados por grupos que se posicionavam de modo contrário a medidas abolicionistas. Mesmo antes da proclamação da lei Áurea, ainda em fevereiro de 1888, devido à renúncia do Barão de Cotegipe (político conservador, contrário ao fim da escravidão, então presidente do Conselho de Ministros), a Abolição era dada como certa, de modo que já não importava mais qual partido iria encampanar o processo de aprovação da lei. Mesmo com a ascensão do senador abolicionista João Alfredo, os liberais perderam a chance de protagonizar essa mudança política que, no fim das contas, foi acelerada pela renúncia de Cotegipe. Em resumo, a alternativa D aponta para a mudança de legislação referindo-se à promulgação da Lei Áurea que extinguiu a escravidão, bem como para a formação de um novo ministério no governo imperial, com a queda de um conservador e a ascensão de um liberal.

(*GLEDSON, J. Introdução in ASSIS, M. Bons Dias! Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2008, p.82).