As Ondas Entre as trêmulas mornas ardentias,
A noite no alto-mar anima as ondas.
Sobem das fundas úmidas Golcondas,
Pérolas vivas, as nereidas frias:
Entrelaçam-se, correm fugidias,
Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,
Vestem as formas alvas e redondas
De algas roxas e glaucas pedrarias.
Coxas de vago ônix, ventres polidos
De alabastro, quadris de argêntea espuma,
Seios de dúbia opala ardem na treva;
E bocas verdes, cheias de gemidos,
Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,
Soluçam beijos vãos que o vento leva...
(Olavo Bilac, Tarde. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1919, p.48)
Ardentia: s.f. fosforescência sobre as ondas do mar, à noite.
Golconda: s. f. (fig.) mina de riquezas
Nereida: s.f. cada uma das ninfas do mar, filhas de Nereu.
(Disponíveis em www.aulete.com.br/ Acessado em 30/07/2021.)
Em relação ao soneto de Olavo Bilac (no contexto de sua época), é correto afirmar que a seleção lexical favorece a
a) |
descrição objetiva que o eu lírico faz da fantasia amorosa recorrendo à riqueza mineral dos oceanos.
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b) |
representação estética que o eu lírico faz do desejo amoroso associado a fenômenos naturais.
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c) |
descrição científica que o eu lírico faz do corpo feminino recorrendo a fenômenos da natureza.
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d) |
representação natural que o eu lírico faz do jogo de sensualidade associado à mitologia grega.
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O enunciado solicita que o poema seja observado a partir do contexto de sua época, ou seja, do início do século XX e do movimento estético-literário em que a maior parte das obras de seu autor fica circunscrita: o Parnasianismo. A partir dessa contextualização, a questão solicita que seja analisada a seleção lexical de modo a compreender o que ela favorece.
a) Incorreta. Ainda que o eu lírico recorra a elementos que remetem aos oceanos e às suas riquezas minerais, não há, no soneto, uma descrição objetiva da fantasia amorosa. Ao contrário, todas as descrições são carregadas de um viés figurativo e simbólico muito evidente, que será usado na construção das analogias presentes ao longo do poema.
b) Correta. O enunciado dessa questão faz referência à seleção lexical do soneto, chamando a atenção para o “preciosismo vocabular”, um dos aspectos mais significativos da estética parnasiana. Após atenta leitura, não é difícil identificar esse tipo de vocabulário do qual se pode citar como exemplo: ardentias, fugidias, glaucas, alabastro, argêntea etc. O emprego dessas palavras raras e sofisticadas procura criar um efeito estético no poema, uma vez que os poetas parnasianos, defendendo o ideal da “arte pela arte”, consideravam que a construção da beleza era a finalidade da poesia. Nesse sentido, observa-se que a alternativa B, ao fazer referência à representação estética, aponta corretamente a essa característica da estética parnasiana. Esse soneto também exemplifica uma tendência marcante da lírica de Olavo Bilac, que consiste numa expressão de um sentimento de erotismo e sensualidade até mesmo quando descreve elementos da natureza. Nesse caso, o poeta evoca as nereidas, personagens mitológicas personificadas pelas ondas do mar cujos movimentos sugerem o corpo feminino que se delineia através de “formas alvas e redondas”, “ventres”, “seios”, “bocas”, “gemidos” e “beijos”, elementos que trazem ao soneto o desejo amoroso do eu lírico que transborda para a própria natureza.
c) Incorreta. Não é correto afirmar que haja no soneto uma descrição científica do corpo feminino. O trabalho descritivo do eu lírico se aproxima muito mais das imagens subjetivas e sensoriais, o que se justifica, inclusive, quando considerada a corrente literária na qual se instaura o soneto, o Parnasianismo, que valoriza a busca pelo belo e pela perfeição do ponto de vista artístico (como já indica um dos lemas dessa vertente literária, “a arte pela arte”), não científico.
d) Incorreta. O que invalida esta alternativa é a menção a uma representação natural do jogo de sensualidade presente no soneto. Os parnasianos, tais como Olavo Bilac, buscavam a representação do belo e do perfeito e a viam como uma construção, não como mera apreciação do que já existia. Isso significa que a beleza seria resultado de um esforço artístico minucioso do poeta, que alcançaria, portanto, a perfeição por meio de um trabalho com a linguagem muito bem executado.