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Unicamp 2021 - 1ª fase - 2º dia


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Racionais MC's

GÊNESIS (INTRO)
Deus fez o mar, as árvore, as criança, o amor
O homem me deu a favela, o crack, a trairagem
As arma, as bebida, as puta
Eu?
Eu tenho uma Bíblia velha, uma pistola automática
Um sentimento de revolta
Eu tô tentando sobreviver no inferno

(Racionais Mc’s, Sobrevivendo no inferno. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 45.)

“Gênesis” é a segunda canção do álbum Sobrevivendo no Inferno. É antecedida pela invocação de uma outra canção, intitulada “Jorge da Capadócia”, de Jorge Ben. É correto afirmar que as evocações dos elementos religiosos nesse álbum



a)

legitimam a violência social a que estão submetidos os pobres.

b)

dificultam a tomada de consciência da população negra.

c)

articulam as esferas ética e estética da experiência humana na poesia.

d)

dissimulam a hipocrisia moral das pessoas religiosas.

Resolução

a) Incorreta. Em Sobrevivendo no Inferno as referências religiosas são mobilizadas como forma de denúncia da violência a que os pobres estão submetidos e como expressão da revolta contra as injustiças, não sendo empregadas, em nenhum momento, para se legitimar essa realidade.

b) Incorreta. Como se observa na letra de “Gênesis”, a crença numa realidade espiritual está na base da tomada de consciência por parte do enunciador. Deus é visto como a fonte de todo o bem enquanto a sociedade produz todos os males que acometem a vida da população negra que vive nas periferias brasileiras. Nesse sentido, as referências religiosas contribuem para a conscientização e não para a alienação desses sujeitos.

c) Correta. A experiência religiosa, tanto a de matriz afro-brasileira como a de base cristã, participa da criação estética dos raps dos Racionais e da formulação de uma ética de vida veiculada pelo grupo. Em um contexto social caracterizado pela miséria, violência e exclusão social, verifica-se a ausência do Estado e a indiferença da sociedade, o que denota que as instâncias cívicas falharam em relação aos grupos marginalizados. Dessa forma, a única alternativa civilizatória possível encontra-se nos valores religiosos que oferecem uma dimensão espiritual, ética e moral capaz de orientar a conduta desses grupos para a valorização e preservação da vida.

d) Incorreta. A vivência religiosa está profundamente enraizada na experiência dos rappers, a ponto de ser uma referência fundamental para a formulação de uma ética periférica. É infundado, portanto, afirmar que haja dissimulação de uma suposta hipocrisia moral.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

O Marinheiro

Tradicionalmente, o palco pode apresentar uma variedade de estilos cênicos, entre os quais se destacam o estilo realista (põe em evidência detalhes ambientais para sugerir sensações e emoções vividas pelas personagens), o estilo expressionista (os objetos são distorcidos ou estilizados, com o fim de sugerir, mais que mostrar, o ambiente de atuação das personagens), o estilo simbolista (os objetos concretos sugerem ideias abstratas, segundo associações sinestéticas tradicionais: o verde, vestido pelos mágicos, indica a esperança; o vermelho, a cor do demônio, sugere uma paixão violenta; a veste branca simboliza a candura, a castidade).

(Adaptado de Salvatore D´Onofrio, Teoria do texto 2: Teoria da lírica e do drama. São Paulo: Ática, 1995, p. 138.)

Sem identidade, hierarquias no chão, estilos misturados, a pós-modernidade é isto e aquilo, num presente aberto pelo e.

(Jair Ferreira dos Santos, O que é o pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 110.)

Com base nas indicações cênicas (as didascálias) que abrem e fecham a peça O marinheiro, de Fernando Pessoa, é correto afirmar que o seu estilo é

 



a)

expressionista, dadas a ausência de ações dramáticas e a presença de sugestões alegóricas como, por exemplo, o canto do galo.

b)

simbolista, uma vez que os elementos que compõem a cena dramática sugerem alguns significados de natureza filosófica.

c)

realista, porque as imagens da noite, do luar e do alvorecer indicam precisamente a passagem do tempo.

d)

pós-modernista, tendo em vista que os objetos descritos criam uma atmosfera mágica, na qual a ilusão não se distingue da realidade.

Resolução

DIDASCÁLIA INICIAL

Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao centro ergue-se, sobre uma mesa, um caixão com uma donzela, de branco. Quatro tochas aos cantos. À direita, quase em frente a quem imagina o quarto, há uma única janela, alta e estreita, dando para onde só se vê, entre dois montes longínquos, um pequeno espaço de mar. Do lado da janela velam três donzelas. A primeira está sentada em frente à janela, de costas contra a tocha de cima da direita. As outras duas estão sentadas uma de cada lado da janela. É noite e há como que um resto vago de luar.

 

DIDASCÁLIA FINAL

Um galo canta. A luz, como que subitamente, aumenta. As três veladoras quedam-se silenciosas e sem olharem umas para as outras. Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme e chia.

 

a) Incorreta. Uma das definições de expressionismo apresentada por D’Onofrio é a de que, nesse estilo, “os objetos são distorcidos ou estilizados, com o fim de sugerir, mais que mostrar, o ambiente de atuação das personagens”. Entretanto, nas didascálias, o autor faz uma descrição bastante detalhada do cenário, com indicações precisas relacionadas ao posicionamento das personagens e objetos de cena, não havendo, portanto, distorção ou estilização. Além disso, o crítico menciona “o ambiente de atuação das personagens”, o que contraria a noção de “drama estático”, proposta por Pessoa, para caracterizar um tipo de teatro no qual as personagens não agem.

b) Correta. De acordo com o texto de Salvatore D’Onofrio, o estilo simbolista explora os objetos a fim de sugerir ideias abstratas. Observando os elementos apresentados nas didascálias, há vários símbolos que sugerem sensações como a imobilidade, o aprisionamento (um quarto circular, a presença de apenas uma janela alta e estreita, um pequeno espaço de mar entre dois montes). A descrição da janela e o barulho de “um vago carro (que) geme e chia” reforçam uma oposição entre o interior e o exterior e o distanciamento do mundo externo. Já o fato o quarto ser “sem dúvida, num castelo antigo”, as quatro tochas aos cantos e o caixão ao centro, em destaque, sobre uma mesa, remetem à ideia de finitude e criam um ambiente sombrio. Além disso, a morta é uma donzela vestida de branco: como apontado na definição do estilo simbolista, trata-se de uma “associação sinestésica tradicional” (“a veste branca simboliza a candura, a castidade”). Todos esses elementos remetem a questões filosóficas que serão, ao longo da peça, desenvolvidas nas falas das personagens (conceitos como realidade e ilusão, questionamento da vida, das lembranças e da individualidade).

c) Incorreta. As imagens da noite, do luar e do alvorecer contribuem para expressar uma percepção subjetiva da passagem do tempo. Os momentos sugeridos por essas temporalidades podem estar relacionados a experiências pessoais das personagens ou ainda a diferentes estágios da vida tais como juventude e velhice ou nascimento e morte, por exemplo. Tendo isso em vista, tais indicações não podem ser interpretadas como indicações precisas da passagem do tempo, visto que as impressões de cada uma das veladoras sobre o período no qual se encontravam é bastante divergente, conforme atestado pelo diálogo inicial entre elas: “PRIMEIRA VELADORA — Ainda não deu hora nenhuma./ SEGUNDA — Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser dia./ TERCEIRA — Não: o horizonte é negro”.

d) Incorreta. A noção de uma indistinção entre ilusão e realidade poderia validar essa alternativa, uma vez que esse tema é trabalhado na peça e corresponde à definição segundo a qual “a pós-modernidade é isto e aquilo, num presente aberto pelo e.”; assim, o estilo da peça seria pós-moderno pois rompe com os limites entre o sonho e o real. No entanto, ao justificar que o estilo da peça é pós-modernista pois “os objetos descritos criam uma atmosfera mágica”, a alternativa foge da definição apresentada por Santos que não menciona esse elemento como constituinte da pós-modernidade.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Lírica de Camões

Leia o poema e responda à questão que se segue.

A fermosura desta fresca serra
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;


o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do Sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;


enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos oferece,
se está, se não te vejo, magoando.


Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando,
nas mores alegrias, mor tristeza.

É correto afirmar que, no soneto de Camões,

 



a)

a beleza natural aborrece o eu lírico, uma vez que se transforma em objeto de suas maiores tristezas.

b)

a variedade da paisagem está em harmonia com o sentimento do eu lírico porque a relação amorosa é imperfeita.

c)

a harmonia da natureza consola o eu lírico das imperfeições da vida e da ausência da pessoa amada.

d)

a singularidade da natureza entristece o eu lírico quando ele está distante da pessoa amada.

Resolução

a) Incorreta. De fato, a beleza natural aborrece o eu lírico; no entanto, isso ocorre por conta da ausência da amada. Sendo assim, é incorreto afirmar que a natureza é o objeto de suas maiores tristezas.

b) Incorreta. Não há harmonia entre a variedade da paisagem e o sentimento do eu lírico; ao contrário, há uma discrepância, uma vez que os elementos da natureza são caracterizados de modo a compor um ambiente agradável que contrasta com a tristeza pela ausência da amada. Tal contraste é explicitamente anunciado no último verso do poema (nas mores alegrias, mor tristeza).

c) Incorreta. A harmonia da natureza não é capaz de consolar o eu lírico, mas provoca mágoa, nojo e aborrecimento por sua amada não estar presente, conforme atestam os versos das duas últimas estrofes (enfim, tudo o que a rara natureza / com tanta variedade nos oferece, / se está, se não te vejo, magoando. / Sem ti, tudo me enoja e me aborrece; / sem ti, perpetuamente estou passando, / nas mores alegrias, mor tristeza.).

d) Correta. Todos os elementos apresentados nas duas primeiras estrofes retratam a singularidade da natureza, sendo recapitulados nos primeiros versos da terceira estrofe (enfim, tudo o que a rara natureza / com tanta variedade nos oferece,). Porém, essa singularidade entristece o eu lírico, pois contrasta com a ausência da pessoa amada, fato anunciado no último verso da mesma estrofe (se está, se não te vejo, magoando.) e desenvolvido no último terceto.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

O Espelho

O conto “O espelho”, de Machado de Assis, apresenta o esboço de uma teoria sobre a alma humana. A tese apresentada defende a existência de duas almas (interior e exterior), que completam o homem. Contudo, o narrador faz uma distinção entre as almas que mudam de natureza e estado e aquelas que são enérgicas. Escolha a alternativa que ilustra, no conto, a mutabilidade da alma exterior.

 



a)

A liderança é a força sem a qual o poder político de Oliver Cromwell se extingue.

b)

A patente é a marca de distinção, sem a qual Jacobina se extingue.

c)

Os versos de Luís de Camões são uma declaração de amor à pátria, pela qual o poeta se dispõe a morrer.

d)

As moedas de ouro são o valor visível sem o qual Shylock prefere morrer.

Resolução

a) Incorreta. A fim de ilustrar a seus ouvintes a ideia de uma alma exterior enérgica, Jacobina cita “o poder, que foi a alma exterior de César e de Cromwell.”. Portanto, a liderança que sustenta o poder político de Oliver Cromwell não exemplifica um caso de mutabilidade, mas de uma alma exterior exclusiva.

b) Correta. Segundo a teoria de Jacobina, há almas exteriores que “embora enérgicas, (são) de natureza mudável.” Ele cita como exemplo “uma senhora, - na verdade, gentilíssima, - que muda de alma exterior cinco, seis vezes por ano.”. Na sequência, afirma: Eu mesmo tenho experimentado dessas trocas. Não as relato, porque iria longe; restrinjo-me ao episódio de que lhes falei.” O episódio relatado é a sua nomeação, aos vinte e cinco anos, como alferes da Guarda Nacional. A patente adquirida passa então a ser sua alma exterior, uma marca de distinção para o jovem. Embora essa alma ganhe tal proporção ao ponto de “o alferes eliminar o homem”, esse é um caso de mutabilidade, pois Jacobina não tinha uma vocação sincera para a carreira militar, apenas foi seduzido pelo impacto social provocado pelo novo cargo.

c) Incorreta. O amor de Luís de Camões à pátria, expresso em seus versos, é outro exemplo apresentado por Jacobina de uma alma exterior enérgica, que se mantém por toda a existência do poeta. Por isso, não ilustra a idéia de mutabilidade.

d) Incorreta. Ao referir-se a Shylock, personagem da peça O Mercador de Veneza, de Shakespeare, Jacobina relembra que o judeu, no auge de sua avareza, prefere a filha morta a perder suas pedras e ducados. Numa referência intertextual bem ao estilo machadinado, cita a frase proferida pelo personagem no momento em que ele recebe de Tubal notícias de que sua filha Jéssica teria gasto, em apenas uma noite em Gênova, oitenta ducados do dinheiro que lhe havia roubado: "Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração." Trata-se de mais um caso de uma alma exterior enérgica e imutável, pois as moedas de ouro são um valor que está arraigado no personagem.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Sermões

“ O vento da vida, por mais que cresça, nunca pode chegar a ser bonança; o vento da fortuna pode chegar a ser tempestade, e tão grande tempestade, que se afogue nela o mesmo vento da vida.”

(Antônio Vieira, “Sermão de quarta-feira de cinza do ano de 1672”, em A Arte de Morrer. São Paulo: Nova Alexandria, 1994, p. 56.)

No sermão proferido na Igreja de Santo Antônio dos Portugueses, em Roma, Vieira recorre a uma metáfora para chamar a atenção dos fiéis sobre a morte. Assinale a alternativa que expressa a mensagem veiculada pela imagem do vento.

 



a)

A vida dos fiéis é comparável à tranquilidade da brisa em alto-mar.

b)

A fortuna dos fiéis é comparável à força das intempéries marítimas.

c)

A fortuna dos fiéis é comparável à felicidade eterna.

d)

A vida dos fiéis é comparável à ventura dos navegadores.

Resolução

a) Incorreta. De acordo com o excerto, o vento da vida pode ser destruído pelo vento da fortuna (“o vento da fortuna pode chegar a ser tempestade, e tão grande tempestade, que se afogue nela o mesmo vento da vida.”). Logo, não há tranquilidade na vida dos fiéis, pois a fortuna (o destino) pode destruí-la a qualquer instante.

b) Correta. Vieira compara a fortuna, o destino dos fiéis, a um vento com tal força que pode provocar uma grande tempestade capaz de “afogar o vento da vida”. Assim, a mensagem expressa por essa imagem ilustra a fragilidade da vida perante a morte.

c) Incorreta. Não há referência no excerto à felicidade eterna; ao contrário, a fortuna possui um poder destruidor da vida. Além disso, o vento da vida, segundo Vieira, “nunca pode chegar a ser bonança (calmo, tranquilo)”.

d) Incorreta. A vida dos fiéis é comparada a um vento que nunca será calmo e que pode ser “afogado” pelo vento da fortuna. Portanto, a imagem não pode ser associada à ideia de ventura (no sentido de boa sorte, acontecimento favorável, felicidade) dos navegadores.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

A falência

Reputação! Ora, mamãe, e é a senhora quem me fala nisso!
Camila estacou, sem atinar com a resposta, compreendendo o alcance das palavras do filho.
A surpresa paralisou-lhe a língua; o sangue arrefeceu-selhe nas veias; mas, de repente, a reação sacudiu-a e então, num desatino, ferida no coração, ela achou para o Mário admoestações mais ásperas. Percebeu que a língua mais dizia que a sua vontade; mas não poderia contê-la. A dor atirava-a para diante, contra aquele filho, até então poupado.”

(Júlia Lopes de Almeida, A falência. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 123.)

A passagem apresenta a reação de Camila às palavras de seu filho. Assinale a alternativa que explica corretamente o comentário de Mário.

 



a)

Mário contrapõe-se à censura materna com sentimento de compaixão.

b)

Mário rejeita as reservas maternas com censura moral.

c)

Mário contrapõe-se à censura materna com desdém pela família.

d)

Mário rejeita as reservas maternas com vergonha pelas dívidas acumuladas.

Resolução

a) Incorreta. Mário é um rapaz frívolo e egoísta, preocupado apenas em viver seus casos amorosos, gastando o dinheiro do pai em prazeres mundanos. Como preocupa-se apenas consigo mesmo, o sentimento da compaixão seria estranho à constituição do caráter desse personagem.

b) Correta. Camila censura o filho Mário devido a seu comportamento leviano e sua teimosia em manter um relacionamento com uma cortesã. Como resposta, o rapaz alude ao já conhecido caso extraconjugal de Camila com o doutor Gervásio, sugerindo que ela não teria estofo moral para falar em reputação, uma vez que era vista pela sociedade como uma mulher adúltera. Dessa forma, verifica-se que, como resposta às reservas da mãe em relação a suas aventuras sexuais, Mário lhe dirige uma censura moral relacionada ao adultério.

c) Incorreta. De fato, Mário não demonstra estar interessado pelos membros de sua família, manifestando um certo desdém pelo que ocorre em sua casa; entretanto, em seu comentário, ele se contrapõe à mãe fazendo-lhe uma censura moral e não manifestando desprezo pelos familiares.

d) Incorreta. O sentimento da vergonha não seria coerente com o caráter egoísta e esbanjador de Mário. Em nenhum momento ele parece manifestar constrangimento por gastar o dinheiro do pai, fazendo dívidas para bancar sua amante.

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Valor semântico com a mudança de gênero (substantivo)

Num mundo dominado por homens, a mulher é tratada como um ser diferenciado, que merece uma designação especial. Enquanto a expressão “o homem” pode equivaler a “o ser humano”, como na frase “O homem é mortal”, a expressão “a mulher” só se refere aos seres humanos do gênero feminino. A língua também revela um tratamentodiferente dado à mulher na sociedade ao conter designações específicas para ela, inexistentes para o homem. Assim, a mulher de um chefe de governo é chamada de “primeira-dama”, mas o marido de uma mulher que desempenha aquele cargo não é chamado de “primeiro-cavalheiro”.
Conta-se que Cecília Meireles recusava a designação de “poetisa”, por achar que esse termo não tinha a mesma conotação de “poeta” (usado para os homens), ao contrário, soava até pejorativo. Por outro lado, Dilma Rousseff exigia que a tratassem por “presidenta” para enfatizar que quem ocupava o cargo de chefe da nação brasileira era finalmente uma mulher.

(Adaptado de Francisco Jardes Nobre de Araújo, O machismo na linguagem. Disponível em https://www.parabolablog.com.br/index.php/ blogs/o-machismona-linguagem?fbclid=IwAR0n7sVvu2mNioWa1Gpp0BZL4TP6Uo-hGK7DKyltgIxkd tRfoOaI6OEPCZE. Acessado em 05/06/2020.)

Segundo o autor de “O machismo na linguagem”,



a)

o hábito de usar “o homem” para representar a humanidade faz com que o feminino se torne um gênero subalterno.

b)

a prática da designação do gênero feminino na língua portuguesa leva ao fim do privilégio do masculino na linguagem.

c)

o emprego de palavras no feminino evita o viés machista e incentiva uma menor diferenciação entre os gêneros.

d)

a escolha de algumas palavras para marcar o gênero feminino pode se relacionar com a valorização social da mulher.

Resolução

O trecho permite inferir que o autor enxerga que há uma inferiorizarão do gênero feminino em relação ao masculino. Desse modo:

a) Incorreta. É complexo afirmar que, na visão do autor, o hábito de usar “o homem” para representar a humanidade seja a causa do feminino se tornar um gênero subalterno. Essa afirmação extrapolaria os limites do texto que foi adaptado para essa questão. De fato, o autor fala sobre a amplitude da palavra “homem” se comparada à “mulher”, mas dizer que a inferiorização do gênero feminino ocorre em virtude dessa amplitude é equivocado. Não há, no texto, menções para que se coloque o uso da linguagem como a causa da subalternização da mulher, mas como sua expressão, o que é reforçado pelo trecho “A língua também revela um tratamento diferente dado à mulher na sociedade”, isto é, a língua expressa o fenômeno, sendo excessivo afirmar que a linguagem seja a causa da subalternização.

b) Incorreta. O texto como um todo, em nenhum momento, mostra que o uso do gênero feminino elimina o privilégio masculino na linguagem. Ao contrário disso, exemplos como “primeira-dama” e “poetisa” sugerem que o gênero masculino seja privilegiado em detrimento do feminino.

c) Incorreta. O autor, no início do texto, aborda a diferença de amplitude das palavras “homem” e “mulher”, o que invalida a primeira parte desta alternativa, visto que, nesse caso, a palavra no masculino tem maior amplitude que a palavra correspondente no feminino. Além disso, o autor fala sobre designações específicas às mulheres e traz como exemplo “primeira-dama”, o que faz com que a segunda parte da alternativa também seja invalidada, pois esse tratamento específico evidencia que algumas palavras podem acentuar a diferenciação entre gêneros, já que não há um tratamento correspondente no masculino.

d) Correta. Há um momento em que o texto, claramente, traz uma palavra no gênero feminino que se relaciona à valorização social da mulher: quando o autor menciona a opção de Dilma Roussef em ser chamada de presidenta. Desse modo, embora essa visão seja uma opinião da ex-presidenta e não do autor do texto, essa alternativa é a que melhor responde à questão, visto que se trata de um texto em que a opinião do autor aparece de maneira sutil.

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pressupostos e Subentendidos

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas. O cafona fura filas, canta pneus e passa sermões. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos. Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

(Adaptado de Fernanda Young, Bando de cafonas. Publicado em https: //oglobo.globo.com/cultura/em-sua-ultima-coluna-fernanda-young-sent enciacafonice-detesta-arte-23903168. Acessado em 27/05/2020.)

*cafona: quem tem ou revela mau gosto (roupa cafona); que revela gosto ou atitude vulgares. (Adaptado de aulete.com.br.)


Essa releitura do significado de “cafona” salienta



a)

a importância das atitudes de determinado grupo de pessoas em relação aos problemas que o país de fato enfrenta.

b)

o controle do poder político nas mãos de pessoas desprovidas de ética e educação nas formas como se relacionam com o meio ambiente.

c)

a incorporação de padrões de comportamento e de convivência social baseada na vulnerabilidade das classes minoritárias.

d)

o privilégio de uma parcela da sociedade em relação a outras e a forma como isso determina os dilemas enfrentados pelo país.

Resolução

Fernanda Young, no início do texto, mostra que, mesmo diante de tantos problemas existentes no país, ela optou por falar dos cafonas, que, em sua visão, são aqueles que não possuem ética, que são desonestos e corruptos. No final do texto, a autora justifica o tema de seu artigo mostrando que os vários problemas existentes no país só podem ser solucionados com pessoas de bom gosto, ou seja, que não sejam cafonas. Tendo isso em vista:

  1. Correta. Ao associar, no final do texto, os vários problemas existentes no país às atitudes dos cafonas, a autora mostra que esse grupo de pessoas provoca impactos bastante negativos à sociedade. Portanto, é correto afirmar que a releitura do termo cafona coloca em evidência as atitudes de um determinado grupo as quais ocasionam vários problemas que são enfrentados no país.
  2. Incorreta. Essa alternativa é invalidada pelo fato de que não há, no texto, uma relação restrita entre as atitudes dos cafonas com o meio ambiente. Além disso, o termo cafona não diz respeito somente aos políticos.
  3. Incorreta. O texto não foca na vulnerabilidade das classes minoritárias. A autora faz uma releitura do termo cafona para falar de atitudes típicas de pessoas corruptas, negligentes e desonestas.
  4. Incorreta. Embora o termo cafona, segundo a concepção da autora, normalmente se relacione a pessoas de classes privilegiadas, a releitura desse termo não tem como objetivo salientar o privilégio de determinados grupos e nem de mostrar que a desigualdade social, fruto desses privilégios, ocasiona problemas no país.

     

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Coesão e Coerência

A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada, e a pessoa quer falar de quê? Dos cafonas. Do império da cafonice que nos domina. O cafona fala alto e se orgulha de ser grosseiro e sem compostura. Acha que pode tudo. Não há ética que caiba a ele. Enganar é ok. Agredir é ok. Gentileza, educação, delicadeza, para um convicto e ruidoso cafona, é tudo coisa de maricas. O cafona fura filas, canta pneus e passa sermões. Despreza a ciência, porque ninguém pode ser mais sabido que ele. O cafona quer ser autoridade, para poder dar carteiradas. Quer bajular o poderoso e debochar do necessitado. Quer andar armado. Quer tirar vantagem em tudo. Unidos, os cafonas fazem passeatas de apoio e protestos a favor. Atacam como hienas e se escondem como ratos. Existe algo mais brega do que um rico roubando? Algo mais chique do que um pobre honesto? É sobre isso que a pessoa quer falar, apesar de tudo que está acontecendo. Porque só o bom gosto pode salvar este país.

(Adaptado de Fernanda Young, Bando de cafonas. Publicado em https: //oglobo.globo.com/cultura/em-sua-ultima-coluna-fernanda-young-sent enciacafonice-detesta-arte-23903168. Acessado em 27/05/2020.)

*cafona: quem tem ou revela mau gosto (roupa cafona); que revela gosto ou atitude vulgares. (Adaptado de aulete.com.br.)


Em relação aos recursos de coesão usados na construção do texto, é correto afirmar que:

 



a)

a “economia estagnada” é retomada no uso da expressão “dar carteiradas”.

b)

o uso de “isso”, no final do texto, retoma as ideias de cafonice e honestidade.

c)

“apesar de tudo”, na penúltima linha, retoma o que a autora denomina “império da cafonice”.

d)

o “porque”, na última linha, explica que o país precisa do bom gosto dos cafonas.

Resolução

a) Incorreta. A expressão “dar carteiradas” não retoma outros elementos do texto.

b) Correta. O pronome indefinido isso exerce função anafórica, retomando, portanto, os elementos presentes nas duas frases imediatamente anteriores àquela que lhe contém: “Existe algo mais brega do que um rico roubando?” – frase em que ela sintetiza a ideia de cafonice (exposta no texto) – e “Algo mais chique do que um pobre honesto” – frase em que ela contrapõe a cafonice à honestidade presente na conduta de um pobre.

c) Incorreta. A expressão “apesar de tudo” (juntamente de “que está acontecendo”) expõe uma concessão e tem como elemento central o pronome indefinido tudo e a oração adjetiva que lhe acompanha. Esses dois últimos retomam elementos da primeira frase do texto “A Amazônia em chamas, a censura voltando, a economia estagnada”, os quais constituem o que é importante de fato, de modo que a expressão não retoma o império da cafonice.

d) Incorreta. É certo o fato de o “Porque”, presente na última linha, apresentar uma explicação, porém, trata-se e uma ironia, logo negando que o país de fato precise do bom gosto dos cafonas.

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Intertextualidade e Interdiscursividade

Texto 1
“Algumas vozes nacionais estão tentando atualmente encaminhar a discussão em torno da identidade ‘mestiça’, capaz de reunir todos os brasileiros (brancos, negros e mestiços). Vejo nesta proposta uma nova sutileza ideológica para recuperar a ideia da unidade nacional não alcançada pelo fracassado branqueamento físico. Essa proposta de uma nova identidade mestiça, única, vai na contramão dos movimentos negros e de outras chamadas minorias, que lutam pela construção de uma sociedade plural e de identidades múltiplas.”

(Kabengele Munanga, Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade Nacional versus Identidade Negra. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 16.)

Texto 2
“Os meus olhos coloridos/ Me fazem refletir/ Eu estou sempre na minha/ E não posso mais fugir/ Meu cabelo enrolado/ Todos querem imitar/ Eles estão baratinados/ Também querem  enrolar/ Você ri da minha roupa/ Você ri do meu cabelo/ Você ri da minha pele/ Você ri do meu sorriso/ A verdade é que você,/ (Todo brasileiro tem!)/ Tem sangue crioulo/ Tem cabelo duro/ Sarará crioulo.”

(Macau, “Olhos Coloridos”, 1981, gravada por Sandra de Sá. Álbum: “Sandra de Sá”. RCA.)

Considerando o alerta de Munanga em relação a algumas “vozes nacionais”, a canção de Macau



a)

resgata o antigo ideal da identidade nacional única.

b)

aponta a possibilidade de uma identidade múltipla.

c)

atesta que a pluralidade se opõe ao movimento negro.

d)

insiste nas lutas das minorias por uma unidade.

Resolução

O texto de Munanga relata que há algumas “vozes” tentando construir uma identidade que seja capaz de reunir todos os brasileiros em torno do conceito de mestiço. A partir dessa exposição, o autor se posiciona para o fato de que há, em tal proposição, uma “sutileza ideológica” a qual intenta o retorno de uma ideologia antiga, presente fortemente no final do século XIX e início do século XX, a qual ficou conhecida pela tentativa de embranquecimento da população, numa busca, por parte das elites, de apagar as negritudes fundantes da brasilidade. Na sequência, ele expõe que essa busca é contrária a alguns movimentos negros e de minorias que defendem uma visão plural e de “identidades múltiplas”.

A letra da música de Macau, por sua vez, apresenta uma interlocução entre o enunciador (presente nos pronomes de primeira pessoa e nas desinências verbais) e um interlocutor (marcado pelo pronome você e os verbos a ele relacionados). Nesse diálogo, o primeiro descreve-se, por seus olhos, comportamento, cabelo e reflete sobre o fato de todos desejarem imitar algumas de suas características. Na sequência, dirige-se ao interlocutor, atribuindo-lhe risos jocosos justamente por suas características físicas como o sorriso, o cabelo, a pele, a roupa. Por fim, o emissor adverte o receptor para o fato de que este também (como todo brasileiro) tem sangue crioulo e cabelo duro – uma ancestralidade comum, embora com diferenças na aparência física.

A partir dessas leituras dos textos, podemos analisar os itens a seguir.

a) Incorreta. O enunciado apresenta o texto 1 como um alerta sobre a existência daqueles que querem criar novamente o conceito de uma identidade nacional única, os quais estariam na contramão dos movimentos negros. A alternativa, por sua vez, aponta que a música de Macau manifestaria um resgate desse “antigo ideal da identidade nacional única”, o que não está expresso na canção, uma vez que esta aponta para múltiplas identidades e para uma realidade permeada de embates e de rejeição, uma vez que atribui ao interlocutor risos jocosos por suas características físicas e, com certo sarcasmo, adverte o receptor para o fato de que este também tem sangue crioulo e cabelo duro, explicitando, na visão do autor, certa incoerência do interlocutor.

b) Correta. Na música, é possível observar uma marcação de diferenças entre enunciador, enunciatário e outros (marcados pelo pronome todos e que buscam imitar o enunciador). Nesse sentido, há um reforço para a diferença entre eles e entre suas feições, ampliada pela alusão a risos jocosos, que remetem ao embate devido às diferenças físicas e culturais. Esses elementos confirmam a possibilidade de uma identidade múltipla, ainda que vinculada a ancestrais comuns.

c) Incorreta. No Texto 1, afirma-se exatamente o oposto, pois “movimentos negros” e “outras chamadas minorias (...) lutam pela construção de uma sociedade plural e de identidades múltiplas”, ou seja, não se opõem à pluralidade e a canção, conforme mencionado acima, atesta justamente a existência de tal pluralidade cultural, a despeito da origem comum.

d) Incorreta. Na música não se aborda a luta das minorias por uma unidade, apenas se reivindica que existe uma ancestralidade comum, a qual não se refere apenas às minorias.