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Questão 2 Unicamp 2021 - 1ª fase - 2º dia

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Questão 2

O Marinheiro

Tradicionalmente, o palco pode apresentar uma variedade de estilos cênicos, entre os quais se destacam o estilo realista (põe em evidência detalhes ambientais para sugerir sensações e emoções vividas pelas personagens), o estilo expressionista (os objetos são distorcidos ou estilizados, com o fim de sugerir, mais que mostrar, o ambiente de atuação das personagens), o estilo simbolista (os objetos concretos sugerem ideias abstratas, segundo associações sinestéticas tradicionais: o verde, vestido pelos mágicos, indica a esperança; o vermelho, a cor do demônio, sugere uma paixão violenta; a veste branca simboliza a candura, a castidade).

(Adaptado de Salvatore D´Onofrio, Teoria do texto 2: Teoria da lírica e do drama. São Paulo: Ática, 1995, p. 138.)

Sem identidade, hierarquias no chão, estilos misturados, a pós-modernidade é isto e aquilo, num presente aberto pelo e.

(Jair Ferreira dos Santos, O que é o pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 110.)

Com base nas indicações cênicas (as didascálias) que abrem e fecham a peça O marinheiro, de Fernando Pessoa, é correto afirmar que o seu estilo é

 



a)

expressionista, dadas a ausência de ações dramáticas e a presença de sugestões alegóricas como, por exemplo, o canto do galo.

b)

simbolista, uma vez que os elementos que compõem a cena dramática sugerem alguns significados de natureza filosófica.

c)

realista, porque as imagens da noite, do luar e do alvorecer indicam precisamente a passagem do tempo.

d)

pós-modernista, tendo em vista que os objetos descritos criam uma atmosfera mágica, na qual a ilusão não se distingue da realidade.

Resolução

DIDASCÁLIA INICIAL

Um quarto que é sem dúvida num castelo antigo. Do quarto vê-se que é circular. Ao centro ergue-se, sobre uma mesa, um caixão com uma donzela, de branco. Quatro tochas aos cantos. À direita, quase em frente a quem imagina o quarto, há uma única janela, alta e estreita, dando para onde só se vê, entre dois montes longínquos, um pequeno espaço de mar. Do lado da janela velam três donzelas. A primeira está sentada em frente à janela, de costas contra a tocha de cima da direita. As outras duas estão sentadas uma de cada lado da janela. É noite e há como que um resto vago de luar.

 

DIDASCÁLIA FINAL

Um galo canta. A luz, como que subitamente, aumenta. As três veladoras quedam-se silenciosas e sem olharem umas para as outras. Não muito longe, por uma estrada, um vago carro geme e chia.

 

a) Incorreta. Uma das definições de expressionismo apresentada por D’Onofrio é a de que, nesse estilo, “os objetos são distorcidos ou estilizados, com o fim de sugerir, mais que mostrar, o ambiente de atuação das personagens”. Entretanto, nas didascálias, o autor faz uma descrição bastante detalhada do cenário, com indicações precisas relacionadas ao posicionamento das personagens e objetos de cena, não havendo, portanto, distorção ou estilização. Além disso, o crítico menciona “o ambiente de atuação das personagens”, o que contraria a noção de “drama estático”, proposta por Pessoa, para caracterizar um tipo de teatro no qual as personagens não agem.

b) Correta. De acordo com o texto de Salvatore D’Onofrio, o estilo simbolista explora os objetos a fim de sugerir ideias abstratas. Observando os elementos apresentados nas didascálias, há vários símbolos que sugerem sensações como a imobilidade, o aprisionamento (um quarto circular, a presença de apenas uma janela alta e estreita, um pequeno espaço de mar entre dois montes). A descrição da janela e o barulho de “um vago carro (que) geme e chia” reforçam uma oposição entre o interior e o exterior e o distanciamento do mundo externo. Já o fato o quarto ser “sem dúvida, num castelo antigo”, as quatro tochas aos cantos e o caixão ao centro, em destaque, sobre uma mesa, remetem à ideia de finitude e criam um ambiente sombrio. Além disso, a morta é uma donzela vestida de branco: como apontado na definição do estilo simbolista, trata-se de uma “associação sinestésica tradicional” (“a veste branca simboliza a candura, a castidade”). Todos esses elementos remetem a questões filosóficas que serão, ao longo da peça, desenvolvidas nas falas das personagens (conceitos como realidade e ilusão, questionamento da vida, das lembranças e da individualidade).

c) Incorreta. As imagens da noite, do luar e do alvorecer contribuem para expressar uma percepção subjetiva da passagem do tempo. Os momentos sugeridos por essas temporalidades podem estar relacionados a experiências pessoais das personagens ou ainda a diferentes estágios da vida tais como juventude e velhice ou nascimento e morte, por exemplo. Tendo isso em vista, tais indicações não podem ser interpretadas como indicações precisas da passagem do tempo, visto que as impressões de cada uma das veladoras sobre o período no qual se encontravam é bastante divergente, conforme atestado pelo diálogo inicial entre elas: “PRIMEIRA VELADORA — Ainda não deu hora nenhuma./ SEGUNDA — Não se pode ouvir. Não há relógio aqui perto. Dentro em pouco deve ser dia./ TERCEIRA — Não: o horizonte é negro”.

d) Incorreta. A noção de uma indistinção entre ilusão e realidade poderia validar essa alternativa, uma vez que esse tema é trabalhado na peça e corresponde à definição segundo a qual “a pós-modernidade é isto e aquilo, num presente aberto pelo e.”; assim, o estilo da peça seria pós-moderno pois rompe com os limites entre o sonho e o real. No entanto, ao justificar que o estilo da peça é pós-modernista pois “os objetos descritos criam uma atmosfera mágica”, a alternativa foge da definição apresentada por Santos que não menciona esse elemento como constituinte da pós-modernidade.