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Questão 10 Unicamp 2021 - 1ª fase - 2º dia

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Questão 10

Intertextualidade e Interdiscursividade

Texto 1
“Algumas vozes nacionais estão tentando atualmente encaminhar a discussão em torno da identidade ‘mestiça’, capaz de reunir todos os brasileiros (brancos, negros e mestiços). Vejo nesta proposta uma nova sutileza ideológica para recuperar a ideia da unidade nacional não alcançada pelo fracassado branqueamento físico. Essa proposta de uma nova identidade mestiça, única, vai na contramão dos movimentos negros e de outras chamadas minorias, que lutam pela construção de uma sociedade plural e de identidades múltiplas.”

(Kabengele Munanga, Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade Nacional versus Identidade Negra. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 16.)

Texto 2
“Os meus olhos coloridos/ Me fazem refletir/ Eu estou sempre na minha/ E não posso mais fugir/ Meu cabelo enrolado/ Todos querem imitar/ Eles estão baratinados/ Também querem  enrolar/ Você ri da minha roupa/ Você ri do meu cabelo/ Você ri da minha pele/ Você ri do meu sorriso/ A verdade é que você,/ (Todo brasileiro tem!)/ Tem sangue crioulo/ Tem cabelo duro/ Sarará crioulo.”

(Macau, “Olhos Coloridos”, 1981, gravada por Sandra de Sá. Álbum: “Sandra de Sá”. RCA.)

Considerando o alerta de Munanga em relação a algumas “vozes nacionais”, a canção de Macau



a)

resgata o antigo ideal da identidade nacional única.

b)

aponta a possibilidade de uma identidade múltipla.

c)

atesta que a pluralidade se opõe ao movimento negro.

d)

insiste nas lutas das minorias por uma unidade.

Resolução

O texto de Munanga relata que há algumas “vozes” tentando construir uma identidade que seja capaz de reunir todos os brasileiros em torno do conceito de mestiço. A partir dessa exposição, o autor se posiciona para o fato de que há, em tal proposição, uma “sutileza ideológica” a qual intenta o retorno de uma ideologia antiga, presente fortemente no final do século XIX e início do século XX, a qual ficou conhecida pela tentativa de embranquecimento da população, numa busca, por parte das elites, de apagar as negritudes fundantes da brasilidade. Na sequência, ele expõe que essa busca é contrária a alguns movimentos negros e de minorias que defendem uma visão plural e de “identidades múltiplas”.

A letra da música de Macau, por sua vez, apresenta uma interlocução entre o enunciador (presente nos pronomes de primeira pessoa e nas desinências verbais) e um interlocutor (marcado pelo pronome você e os verbos a ele relacionados). Nesse diálogo, o primeiro descreve-se, por seus olhos, comportamento, cabelo e reflete sobre o fato de todos desejarem imitar algumas de suas características. Na sequência, dirige-se ao interlocutor, atribuindo-lhe risos jocosos justamente por suas características físicas como o sorriso, o cabelo, a pele, a roupa. Por fim, o emissor adverte o receptor para o fato de que este também (como todo brasileiro) tem sangue crioulo e cabelo duro – uma ancestralidade comum, embora com diferenças na aparência física.

A partir dessas leituras dos textos, podemos analisar os itens a seguir.

a) Incorreta. O enunciado apresenta o texto 1 como um alerta sobre a existência daqueles que querem criar novamente o conceito de uma identidade nacional única, os quais estariam na contramão dos movimentos negros. A alternativa, por sua vez, aponta que a música de Macau manifestaria um resgate desse “antigo ideal da identidade nacional única”, o que não está expresso na canção, uma vez que esta aponta para múltiplas identidades e para uma realidade permeada de embates e de rejeição, uma vez que atribui ao interlocutor risos jocosos por suas características físicas e, com certo sarcasmo, adverte o receptor para o fato de que este também tem sangue crioulo e cabelo duro, explicitando, na visão do autor, certa incoerência do interlocutor.

b) Correta. Na música, é possível observar uma marcação de diferenças entre enunciador, enunciatário e outros (marcados pelo pronome todos e que buscam imitar o enunciador). Nesse sentido, há um reforço para a diferença entre eles e entre suas feições, ampliada pela alusão a risos jocosos, que remetem ao embate devido às diferenças físicas e culturais. Esses elementos confirmam a possibilidade de uma identidade múltipla, ainda que vinculada a ancestrais comuns.

c) Incorreta. No Texto 1, afirma-se exatamente o oposto, pois “movimentos negros” e “outras chamadas minorias (...) lutam pela construção de uma sociedade plural e de identidades múltiplas”, ou seja, não se opõem à pluralidade e a canção, conforme mencionado acima, atesta justamente a existência de tal pluralidade cultural, a despeito da origem comum.

d) Incorreta. Na música não se aborda a luta das minorias por uma unidade, apenas se reivindica que existe uma ancestralidade comum, a qual não se refere apenas às minorias.