Logo UNICAMP

Unicamp 2021 - 1ª fase - 1º dia


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Sobrevivendo no inferno Vanguardas Europeias

Esses artifícios de montagem, mixagem e scratching dão ao rap uma variedade de formas de apropriação que parecem tão volúveis e imaginativas quanto as das artes maiores – como, digamos, as exemplificadas na “Mona Lisade bigode” de Duchamp e nas múltiplas reduplicações de imagens comerciais pré-fabricadas de Andy Warhol. O rap também apresenta uma variedade de conteúdos. Não apenas utiliza trechos de canções populares, como também absorve ecleticamente elementos da música clássica, de apresentações de TV, de jingles de publicidade e da música eletrônica de videogames. Ele se apropria até mesmo de conteúdos não musicais, como reportagens de jornais na TV e fragmentos de discursos de Malcom X e Martin Luther King.

(Richard Shusterman, Vivendo a arte. São Paulo: Editora 34,1998, p.149.)

(Marcel Duchamp, “Mona Lisa de Bigode”, 1919).

A emergência e a consolidação do rap como linguagem artística foram cercadas de polêmicas de natureza ética, política e cultural. Com base no excerto acima e no quadro de Marcel Duchamp, assinale a alternativa correta.



a)

Os elementos poéticos do rap não podem ser comparados aos procedimentos das artes maiores, pois sua preocupação é mais política do que artística.

b)

A incorporação das referências culturais nas canções dos Racionais Mc’s é comparável ao gesto de Marcel Duchamp ao pintar um bigode na Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Ambos são apropriações imaginativas e críticas.

c)

O modernismo de Marcel Duchamp, os quadros do pintor norte-americano Andy Wahrol e as canções de rap não têm valor artístico, pois expressam a degradação e o ecletismo de uma sociedade de massas.

d)

O rap dos Racionais Mc’s e as artes modernas não fazem distinção entre a cultura erudita e a de massa, misturam os seus elementos e produzem obras destituídas de crítica social

 

Resolução

a) Incorreta. De acordo com o excerto apresentado, tanto no rap quanto nas artes maiores, as formas de apropriação dos mais diversos conteúdos são imaginativas; ou seja, tais conteúdos são ressignificados artisticamente. Assim, além de um posicionamento político, há no rap uma intenção estética que configura a criação artística.

b) Correta. Marcel Duchamp se apropria de uma pintura clássica e, ao pintar um bigode na Mona Lisa, revela uma atitude provocativa em relação à arte academicista; em consonância com os movimentos vanguardistas europeus, questiona o papel do artista e da arte. Da mesma forma, os Racionais MC´s incorporam diversas referências culturais em suas canções a fim de desenvolver uma linguagem artística que represente a periferia e lute contra o sistema opressor instaurado na sociedade.

c) Incorreta. Tanto o rap quanto as obras de Duchamp e Wahrol propõem novas linguagens artísticas, que subvertem padrões a respeito do conceito de arte e, por isso, foram alvo de polêmicas. No entanto, conforme verificamos na análise Richard Shusterman, todos esses artistas utilizam procedimentos estéticos que atestam o valor artístico de suas criações.

d) Incorreta. A mistura de elementos da cultura erudita e da cultura de massa, seja nas artes modernas, seja nas canções dos Racionais MC’s, é um procedimento que contribui para uma visão crítica da sociedade e da própria arte, denunciando, por exemplo, o consumismo, a padronização cultural e a desigualdade social.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

O Marinheiro Lírica de Camões

Certas imagens literárias podem tornar-se nucleares para uma cultura. Assim, por exemplo, a figura do marinheiro em Portugal. Ela adquire significados diferentes em períodos históricos distintos, mas conserva um elemento permanente. A semelhança entre a imagem do marinheiro em Camões e em Fernando Pessoa reside



a)

no realismo moral do povo português, resultado da era das grandes navegações e da expansão do catolicismo.

b)

na representação de uma identidade coletiva e individual sob o signo da mudança, do risco e da travessia.

c)

na alegoria da degradação moral dos amantes e dos aventureiros, movidos pelo desejo sexual e pela cobiça material.

d)

na simbolização dos ideais econômicos de Portugal, com reflexos na vida espiritual.

 

Resolução

A questão propõe que o aluno identifique semelhanças entre a figura do marinheiro, presente tanto na peça “O marinheiro”, de Fernando Pessoa como na poesia de Camões, em uma série de sonetos, dentre os quais destacamos as seguintes estrofes:

“Como quando o mar tempestuoso

o marinheiro, lasso e trabalhado,

de um naufrágio cruel já salvo a nado,

só ouvir falar nele o faz medroso,

 

e jura que, em que veja bonançoso

o violento mar e sossegado,

não entre nele mais, mas vai forçado

pelo muito interesse cobiçoso;

(...)”

A partir dessa referência, podemos considerar as alternativas propostas pela questão:

a) Incorreta. Nos sonetos, a referência ao marinheiro é mobilizada como uma metáfora das vivências amorosas do eu-lírico. Na peça de Fernando Pessoa, a figura do marinheiro participa das indagações filosóficas das personagens. Os elementos apresentados pela questão – realismo moral, grandes navegações e expansão do catolicismo – não são tematizados por esses autores.

b) Correta. O aspecto coletivo da figura do marinheiro está presente nos sonetos de Camões, pois ele mobiliza uma série de metáforas náuticas – familiares aos leitores do período devido às grandes navegações e descobertas marítimas. Na peça de Pessoa, esse aspecto é verificado na medida em que a história do marinheiro suscita uma série de questionamentos filosóficos que abalam as convicções das três Veladoras a respeito de sua própria existência e, por conseguinte, atingem o público espectador do espetáculo. A identidade individual expressa pela imagem do marinheiro pode ser verificada na expressão das vivências amorosas do eu-lírico dos sonetos e nas elocubrações existenciais feitas por cada uma das veladoras no decorrer da peça. De um modo geral, a imagem do marinheiro contribui para expressão das experiências da mudança, do risco e da travessia, uma vez que sua vivência é caracterizada pela impermanência e pelos perigos enfrentados no mar. Assim, esse personagem é, para Camões, uma fonte de metáforas para a expressão dos desenganos da vivência amorosa. Na peça, a figura do marinheiro que, após um naufrágio, recria, pela imaginação, toda sua história e seu passado, faz as veladoras questionarem as certezas que sustentavam sua própria existência, oscilando entre a realidade e o sonho.

c) Incorreta. De fato, no soneto citado acima, Camões compara a cobiça do marinheiro ao desejo do amante, mas a experiência amorosa não é retratada sob o viés da degradação moral. Além disso, essa perspectiva não contempla a peça de Fernando Pessoa.

d) Incorreta. Os ideais econômicos da cobiça do marinheiro se refletem na experiência amorosa e não espiritual. A peça, por sua vez, não discute aspectos econômicos.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Lírica de Camões

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

 

Continuamente vemos novidades,

Diferentes em tudo da esperança:

Do mal ficam as mágoas na lembrança,

E do bem (se algum houve) as saudades.

 

O tempo cobre o chão de verde manto,

Que já coberto foi de neve fria,

E em mim converte em choro o doce canto.

 

E afora este mudar-se cada dia,

Outra mudança faz de mor espanto,

Que não se muda já como soía*.

(Luís Vaz de Camões)

*soía: terceira pessoa do pretérito imperfeito do indicativo do verbo “soer” (costumar, ser de costume).

(Luís de Camões, 20 sonetos. Campinas: Editora da Unicamp, p.91.)

Indique a afirmação que se aplica ao soneto escrito por Camões.



a)

O poema retoma o tema renascentista da mudança das coisas, que o poeta sente como motivo de esperança e de fé na vida.

b)

A ideia de transformação refere-se às coisas do mundo, mas não afeta o estado de espírito do poeta, em razão de sua crença amorosa.

c)

Tudo sempre se renova, diferentemente das esperanças do poeta, que acolhem suas mágoas e saudades.

d)

Não apenas o estado de espírito do poeta se altera, mas também a experiência que ele tem da própria mudança.

 

 
Resolução

a) Incorreta. A constatação das mudanças provoca sentimentos de pesar e melancolia no eu-lírico, uma vez que elas ocorrem “diferente em tudo da esperança”. Nesse sentido, não há motivos para ter esperança ou fé na vida, uma vez as mudanças ocorrem de modo diverso daquilo que se esperava.

b) Incorreta. Em diversos trechos, o eu-lírico expressa o quanto as mudanças afetam seu estado de espírito, atingindo, inclusive, sua vida amorosa, fazendo- sair de estado de felicidade para uma experiência de tristeza e melancolia: “E em mim converte em choro o doce canto”.

c) Incorreta. O poeta observa que as coisas mudam, não que, necessariamente, se renovam. As esperanças, por sua vez, nunca são contempladas pelas mudanças, que terminam por frustrá-las.

d) Correta. O estado de espírito do eu-lírico diante das mudanças que observa no mundo, na natureza e em si mesmo é de uma certa melancolia, expressa em versos como: “Do mal ficam as mágoas na lembrança” e “E em mim converte em choro o doce canto”. Entretanto, além de expressar o sentimento de pesar diante das mudanças, o eu-lírico manifesta também seu espanto, ao constatar que “não se muda já como soía”, isto é, “a própria mudança muda”, não havendo regularidade nem previsibilidade na sua dinâmica. Tal constatação lhe provoca uma experiência de impotência frente à aleatoriedade das mudanças a que sua vida está sujeita.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

O Espelho

No conto “O espelho”, de Machado de Assis, uma personagem assume a palavra e narra uma história. Assinale a alternativa que explicita sua interlocução com os cavalheiros presentes.

(Machado de Assis, O espelho. Campinas: Editora da Unicamp, 2019.



a)

“Lembra-me de alguns rapazes que se davam comigo, e passaram a olhar-me de revés, durante algum tempo.”

b)

“Ah! pérfidos! Mal podia eu suspeitar a intenção secreta dos malvados.”

c)

“Imaginai um homem que, pouco a pouco, emerge de um letargo, abre os olhos sem ver, depois começa a ver.”

d)

“O espelho estava naturalmente muito velho; mas via-se-lhe ainda o ouro, comido em parte pelo tempo.”

 

 

 

 

 

Resolução

a) Incorreta. O trecho apresentado é o início do relato de Jacobina, que relembra sua nomeação, aos vinte e cinco anos, para o cargo de alferes da Guarda Nacional. Tal fato teria despertado a inveja de alguns rapazes, que passaram a evitá-lo.

b) Incorreta. No trecho, Jacobina comenta a atitude dos escravos de D. Marcolina, que o trataram com extrema cortesia e humildade, mas fugiram durante a noite, deixando-o sozinho na propriedade da tia.

c) Correta. A alternativa apresenta o momento em que Jacobina, no auge de seu desespero, veste sua farda de alferes e mira-se no espelho. A fim de transmitir aos seus interlocutores a sensação vivida naquele momento, utiliza o verbo “imaginar” na segunda pessoa do plural do modo imperativo (“Imaginai”), explicitando-se, assim, a interlocução com os seus ouvintes.

d) Incorreta. A passagem é uma descrição do espelho que D. Marcolina removeu para o quarto do Jacobina quando este foi passar uma temporada no sítio. Por ser um objeto muito estimado pela tia, reforça o quanto ela estava orgulhosa de seu sobrinho alferes.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

A falência

“Era Noca, que vinha toda alterada.

Nossa Senhora! Quebrou-se o espelho grande do salão!

Quem foi que o quebrou? Perguntou Nina, para dizer alguma coisa.

Ninguém sabe. Veja só, que desgraça estará para acontecer! Espelho quebrado: morte ou ruína.

Morte! Se fosse a minha...”

(Júlia Lopes de Almeida, A Falência. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 257.)

O diálogo apresenta a reação das personagens femininas ao incidente doméstico com o objeto de decoração no palacete de Botafogo. Assinale a alternativa que justifica a fala final de Nina.



a)

A destruição do espelho a leva a desejar a morte, pois sugere o alívio para a frustração amorosa.

b)

A quebra do espelho lhe provoca o temor da morte, uma vez que antecipa a ruína financeira.

c)

A destruição do espelho traz a certeza da morte, pois sinaliza o suicídio do ser amado.

d)

A quebra do espelho a faz desejar a morte, pois sugere a catástrofe amorosa do casamento.

 

Resolução

a) Correta. Embora seja sobrinha de Camila, Nina ocupa uma posição mais de criada do que de membro da família de Francisco Teodoro. Apaixonada pelo primo Mário, sofre por não ser correspondida e é constantemente maltratada por ele. No entanto, a moça mantém-se subalterna, aceita as agressões do primo, alimentando um amor destrutivo. Sua fala sugere então que a morte seria a única maneira de libertar-se desse sentimento.

b) Incorreta. Nina não demonstra em sua fala ter medo da morte; ao contrário, deseja-a para si. Além disso, a ruína financeira de Francisco Teodoro acaba por promover-lhe maior autonomia, e é Nina quem irá abrigar as parentes na casa ganhou do tio.

c) Incorreta. Quem comete suicídio é o tio de Nina, Francisco Teodoro, e não seu primo Mário, a quem ela amava.

d) Incorreta. De fato, Nina deseja a morte, mas não porque seu casamento estava arruinado; a moça é solteira e seu amado, Mário, havia se casado com Paquita.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Padre Antônio Vieira

Repartimos a vida em idades, em anos, em meses, em dias, em horas, mas todas estas partes são tão duvidosas, e tão incertas, que não há idade tão florente, nem saúde tão robusta, nem vida tão bem regrada, que tenha um só momento seguro.”

(Antonio Vieira, “Sermão de Quarta-feira de Cinza – ano de 1673”, em A arte de morrer. São Paulo: Nova Alexandria, 1994, p. 79.)

Nesta passagem de um sermão proferido em 1673, Antônio Vieira retomou os argumentos da pregação que fizera no ano anterior e acrescentou novas características à morte. Para comover os ouvintes, recorreu ao uso de anáforas.

Assinale a alternativa que corresponde ao efeito produzido pelas repetições no sermão.



a)

A repetição busca sensibilizar os fiéis para o desengano da passagem do tempo.

b)

A repetição busca demonstrar aos fiéis o temor de uma vida longeva.

c)

A repetição busca sensibilizar os fiéis para o valor de cada etapa da vida.

d)

A repetição busca demonstrar aos fiéis a insegurança de uma vida cristã

 

 

 

 

Resolução

Pode-se observar o uso de anáforas na repetição da preposição: “em idades, em anos, em meses, em dias, em horas” e do advérbio “tão duvidosas, e tão incertas, que não há idade tão florente, nem saúde tão robusta, nem vida tão bem regrada”.

No sermão de 1673, Antônio Vieira apresenta a necessidade de “morrer antes de morrer”, isto é, de antecipar simbolicamente a morte, adotando como regra de vida a ascese cristã, um conjunto de práticas relacionadas à penitência, à oração e ao desapego das coisas mundanas.

Tendo isso em vista, podemos examinar as alternativas:

a) Correta. Muitos fiéis podem acreditar que terão tempo para se converter no final de suas vidas, na velhice, por isso, enquanto são jovens e robustos, não se preocupam com a morte e tampouco com a vida espiritual. O pregador, porém, através das anáforas, os alerta que a divisão da vida “em idades, em anos, em meses, em dias, em horas” é incerta e enganosa, uma vez que é artificial. Assim, nenhum momento da vida está seguro, seja a juventude ou a velhice, logo a resolução por uma vida cristã deve ser imediata, independentemente da idade em que se encontra. Dessa forma, o pregador sensibiliza os fiéis, desenganando-os acerca do erro que seria contar com a passagem do tempo e confiar na segurança de cada etapa da vida, em especial da juventude.

b) Incorreta. A argumentação busca demonstrar aos fiéis a temeridade que é esperar ter uma vida longeva. Baseados nessa crença, muitos poderão deixar para se converter somente no final da vida, entretanto, como o pregador demonstrou, em nenhum momento estamos seguros, ou seja, estamos sujeitos à morte mesmo na juventude. Logo, não é garantido que as esperanças de se ter uma vida longeva se concretizarão.

c) Incorreta. A argumentação procura alertar os fiéis a respeito da precariedade e insegurança de cada etapa da vida, logo, a ênfase recai sobre a fragilidade e não sobre o valor da vida.

d) Incorreta. O pregador procura convencer os fiéis de que o único modo de permanecer seguro é adotar os preceitos cristãos como norma de vida. Somente antecipando simbolicamente a morte, morrendo para as coisas mundanas e vivendo a vida espiritual, o cristão estará preparado para morrer em estado de santidade e assim, alcançar a salvação.

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Ambiguidade e Polissemia intertexto

De acordo com Heloísa Starling, “Sertão é uma palavra carregada de ambiguidade. Sertão pode indicar a formação de um espaço interno, a fronteira aberta, ou um pedaço da geografia brasileira onde a terra se torna mais árida, o clima é seco, a vegetação escassa. Mas a palavra é igualmente utilizada para apontar uma realidade política: a inexistência de limites, o território do vazio, a ausência de leis, a precariedade dos direitos. Sertão é, paradoxalmente, o potencial de liberdade e o risco da barbárie – além de ser também uma paisagem fadada a desaparecer.

(Adaptado de Heloisa Murgel Starling, A palavra “sertão” e uma história pouco edificante sobre o Brasil. Disponível em https://www.suplementopernambuco. com.br/artigos/2243-a-palavra-sert%C3%A3o-e-uma-hist%C3%B3ria-pouco-edifi cante-sobre-o-brasil.html. Acessado em 06/08/2020.)

Assinale o excerto que corresponde à ideia de sertão desenvolvida pela autora.



a)

“Se achardes no Sertão muito sertão, lembrai-vos que ele é infinito, e a vida ali não tem esta variedade que não nos faz ver que as casas são as mesmas, e os homens não são outros.” (Machado de Assis)

b)

“Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta; dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura, que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu manto, como chamavam poeticamente os indígenas.” (José de Alencar)

c)

“Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.” (Guimarães Rosa)

d)

“Dilatam-se os horizontes. O firmamento, sem o azul carregado dos desertos, alteia-se, mais profundo, ante o expandir revivescente da terra. E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono.” (Euclides da Cunha)

(José de Alencar, O sertanejo. São Paulo: Ática, 1995, p.15; Machado de Assis, Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, v. 3, p. 765; Euclides da Cunha, Os sertões. São Paulo: Ateliê, 2001, p. 135; João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 8.)

 

Resolução

a) Incorreta. No trecho da crônica de 14 de fevereiro de 1897, Machado de Assis apresenta dois sertões. O primeiro, com letra maiúscula e acompanhado de artigo definido, constitui um nome próprio, porém, o segundo termo, em minúscula, vincula-se ao vocábulo explorado por Starling. Nesse caso específico, Machado recorre ao conceito de sertão mais próximo ao primeiro sentido, apresentado no trecho do enunciado, e contraposto ao local em que se situam enunciador e interlocutor (marcados pelo pronome nos), provavelmente o contexto urbano. Não é apresentado qualquer elemento que se conecte ao segundo sentido apontado por Starling, tornando a alternativa incorreta.

b) Incorreta. No trecho de José de Alencar, o termo sertão fica vinculado apenas ao primeiro sentido apresentado por Starling, ou seja, o de pedaço da geografia brasileira, como podemos verificar pelos trechos a ele relacionados: “terra combusta do profeta”, “passou fogo e consumiu toda a verdura”, “campos e a gala das árvores”. Não há, portanto, elementos que lhe atribuam características relativas ao segundo sentido.

c) Correta. No trecho de Guimarães Rosa, os dois conceitos de Starling podem ser reconhecidos. O primeiro está presente em os pastos carecem de fechos (vinculado ao conceito físico de “fronteira aberta”). O segundo sentido, predominante no trecho, pode ser encontrado nos trechos: um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador (relacionado a “território vazio”) e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade (vinculado a “ausência de leis” e “inexistência de limites”).

d) Incorreta. No trecho de Euclides de Cunha, da mesma forma que o trecho de Alencar, o sentido de sertão fica vinculado apenas ao primeiro conceito (físico), como se nota nos trechos Dilatam-se horizontes”, “firmamento”, “azul carregado dos desertos”, “o expandir revivescente da terra”, “vale fértil” e “pomar vastíssimo”. Na última frase, porém, o trecho “sem dono” pode ter provocado alguma dúvida, porém, é importante ressaltar que a ausência de um dono não pode é equivalente a “inexistência de limites” ou a “ausência de leis”.

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Figuras de Linguagem semânticas (de pensamento)

Entre os versos de Gilberto Gil transcritos a seguir, podemos identificar uma relação paradoxal em:



a)

“Sou viramundo virado / pelo mundo do sertão.”

b)

“Louvo a luta repetida / da vida pra não morrer.”

c)

“De dia, Diadorim, / de noite, estrela sem fim.”

d)

“Toda saudade é presença / da ausência de alguém.”

 

 

Resolução

a) Incorreta. Os versos apresentam como recursos expressivos a metáfora e repetição dos sons dos vocábulos “mundo” e “vira”, mas não há relação paradoxal entre os elementos apresentados.

b) Incorreta. Apresentam-se como recursos estilísticos, nos versos transcritos, a aliteração pela repetição dos sons de /l/ e /t/, mas não há qualquer relação paradoxal entre os versos ou os termos expostos.

c) Incorreta. Os versos foram elaborados explorando recursos sonoros, a aliteração de do som de /d/ e a assonância de /i/. Além disso, apresentam uma oposição pelos adjuntos adverbiais temporais “De dia” e “de noite”, que constituem uma antítese, dado que, embora opostos, não têm o mesmo referente.

d) Correta. Em “Toda saudade é presença/ da ausência de alguém”, Gilberto Gil atribui, ao mesmo referente, conceitos opostos e inconciliáveis, pois a presença da ausência constitui em si uma impossibilidade, uma incoerência que não se concretiza denotativamente.

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pressupostos e Subentendidos contexto intertexto

 

 


A Equipe AzMina fez um experimento buscando no Google “frases para o Dia das Mães”. E o resultado foi um festival de frases que romantizam a maternidade. Ativaram, então, “sua caneta desromantizadora” para “corrigir” essas frases que estamos tão acostumados a ouvir, e muitas vezes reproduzir.

(Adaptado de Equipe AzMina, Caneta desromantizadora de mensagens de dia das mães. Disponível em https://azmina.com.br/reportagens/caneta-desroman tizadora-de-mensagens-de-dia-das-maes/. Acessado em 09/05/2020.)

As frases são “desromantizadas” porque a Equipe AzMina reconhece



a)

o sofrimento como condição para a vocação materna e para a realização feminina .

b)

o amor materno como herança familiar, mesmo quando ele é remunerado.

c)

a sobrecarga das mães na criação dos filhos, considerando também outras formas de maternidade.

d)

a maternidade como sendo difícil, trabalhosa e, ainda assim, heroica e instintiva.

 

 

 

 

Resolução

Para responder à questão, era necessário que o candidato tivesse como pressuposto o conceito de romantização como idealização. Consequentemente, a compreensão de que, ao desromantizar as frases, a Equipe AzMina procurou justamente problematizar a idealização que se faz das atribuições que são feitas à figura materna e de seus sentimentos para com os filhos. A partir desses elementos, seria possível perceber o que se aponta abaixo.

a) Incorreta. Na verdade, a Equipe AzMina, em todas as frases, procura descontruir o conceito de aceitação do sofrimento como condição para a vocação materna. No primeiro quadro, a atribuição de trabalho mais difícil do mundo, com valor negativo, dado pelo grau superlativo relativo de superioridade, é alterada para uma descrição mais objetiva e clara sobre o tipo de trabalho exercido pelas mães, ou seja, um trabalho não remunerado e muito explorado. No segundo quadro, novamente, é retirado o elemento negativo expresso pelo sentido de padecer, que se opõe ao substantivo, presente na locução adverbial no paraíso. Em seu lugar, é apresentada a construção “quer curtir”, a qual advoga para que as mães também possam desfrutar das benesses de um paraíso sem necessariamente terem de padecer. No terceiro quadro, não são apresentados elementos de sofrimento que sejam desconstruídos.

b) Incorreta. Nos quadros e no enunciado, não é reconhecida a ideia de amor materno como herança familiar. Embora, no primeiro quadro, seja apresentado o fato de “mãe” ser considerado um trabalho não remunerado (em oposição ao trabalho mais difícil do mundo), não há elementos que o vinculem a uma herança familiar ou ao fato de haver um trabalho remunerado de fato.

c) Correta. Em todos os quadros, pela alteração dos elementos por meio da desromantização, a Equipe Azmina procura exatamente reconhecer a sobrecarga das mães na criação dos filhos (evidente pela oposição entre trabalho mais difícil do mundo e trabalho não remunerado e muito explorado e por quer curtir o paraíso). O trecho “considerando também outras formas de maternidade” pode ser inferido pelos dois primeiros quadros, mas fica mais evidente e explícito pelo terceiro. Nele, a sequência bora descontruir o amor maternal demonstra que há mais possibilidades de amor materno que a presente nos adjetivos natural, profundo e eterno. Da mesma forma, os adjetivos construído e social, usados para substituir os que foram riscados, revelam o fato de que o conceito de amor materno não é perene ou imutável, mas parte de uma construção das sociedades ao longo do processo histórico.

d) Incorreta. Nos quadros, a maternidade é sim apresentada como difícil e trabalhosa, porém o objetivo das desromantizações é exatamente retirar a atribuição heroica (dado que seja trabalho não remunerado e muito explorado) e instintiva (pois é construído e social).

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Figuras de Linguagem

Entre todas as palavras do momento, a mais flamejante talvez seja desigualdade. E nem é uma boa palavra, incomoda. Começa com des. Des de desalento, des de desespero, des de desesperança. Des,definitivamente, não é um bom prefixo.

Desigualdade. A palavra do ano, talvez da década, não importa em que dicionário. Doravante ouviremos falar muito nela.

De-si-gual-da-de. Há quem não veja nem soletre, mas está escrita no destino de todos os busões da cidade, sentido centro/subúrbio, na linha reta de um trem. Solano Trindade, no sinal fechado, fez seu primeiro rap, “tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome”, somente com esses substantivos. Você ainda não conhece o Solano? Corra, dá tempo. Dá tempo para você entender que vivemos essa desigualdade. Pegue um busão da Avenida Paulista para a Cidade Tiradentes, passe o vale-transporte na catraca e simbora – mais de 30 quilômetros. O patrão jardinesco vive 23 anos a mais, em média, do que um humaníssimo habitante da Cidade Tiradentes, por todas as razões sociais que a gente bem conhece.

Evitei as estatísticas nessa crônica. Podia matar de desesperança os leitores, os números rendem manchete, mas carecem de rostos humanos. Pega a visão, imprensa, só há uma possibilidade de fazer a grande cobertura: mire-se na desigualdade, talvez não haja mais jeito de achar que os pontos da bolsa de valores signifiquem a ideia de fazer um país.

(Adaptado de Xico Sá, A vidinha sururu da desigualdade brasileira. Em El País, 28/10/2019. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/28/opinion/ 1572287747_637859.html?fbclid=IwAR1VPA7qDYs1Q0Ilcdy6UGAJTwBO_snMDUAw4yZpZ3zyA1ExQx_XB9Kq2qU. Acessado em 25/05/2020.)


A crônica instiga o leitor a ficar atento à desigualdadena cidade de São Paulo. Assinale a alternativa que identifica corretamente os recursos expressivos (estilísticos e literários) de que se vale o autor.



a)

A desigualdade está escrita nas linhas de trens e ressoa nos versos de Solano Trindade: onomatopeia.

b)

No destino dos transportes coletivos no sentido centro subúrbio é possível viver a desigualdade: eufemismo.

c)

A desigualdadese mostra na expectativa de vida dos moradores de bairros bem situados e periferias: alusão.

d)

Na cobertura da imprensa, números da desigualdade perdem para pontos da bolsa de valores: ambiguidade.

 

Resolução

a) Correta. O rap de Solano Trindade tem como estratégia poética a repetição da mesma construção “tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome”. Esses versos, ao serem vocalizados, assemelham-se ao som de um trem sobre os trilhos de rolagem. Há, portanto, uma onomatopeia.
b) Incorreta. O eufemismo é comumente utilizado para substituir uma palavra/termo tabu ou um conteúdo delicado, atenuando o seu sentido. O intuito do autor é exatamente o oposto, ou seja, expor explicitamente os malefícios da desigualdade, o que pode inclusive ser ilustrado pelo uso dos transportes coletivos.
c) Incorreta. A alusão é caracterizada pelo uso de uma referência ou citação a um fato ou pessoa, o que não ocorre no trecho. Ao mencionar que “O patrão jardinesco vive 23 anos a mais, em média, do que um humaníssimo habitante da Cidade Tiradentes, por todas as razões sociais que a gente bem conhece”, o autor busca comprovar sua tese de que a desigualdade é danosa aos indivíduos de baixa renda.
d) Incorreta. Não há ambiguidade no trecho. Nele, o autor interpela a imprensa, sugerindo que os veículos midiáticos “mirem na desigualdade”, pois “talvez não haja mais jeito de achar que os pontos da bolsa de valores signifiquem a ideia de fazer um país”.