Certas imagens literárias podem tornar-se nucleares para uma cultura. Assim, por exemplo, a figura do marinheiro em Portugal. Ela adquire significados diferentes em períodos históricos distintos, mas conserva um elemento permanente. A semelhança entre a imagem do marinheiro em Camões e em Fernando Pessoa reside
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no realismo moral do povo português, resultado da era das grandes navegações e da expansão do catolicismo. |
b) |
na representação de uma identidade coletiva e individual sob o signo da mudança, do risco e da travessia. |
c) |
na alegoria da degradação moral dos amantes e dos aventureiros, movidos pelo desejo sexual e pela cobiça material. |
d) |
na simbolização dos ideais econômicos de Portugal, com reflexos na vida espiritual.
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A questão propõe que o aluno identifique semelhanças entre a figura do marinheiro, presente tanto na peça “O marinheiro”, de Fernando Pessoa como na poesia de Camões, em uma série de sonetos, dentre os quais destacamos as seguintes estrofes:
“Como quando o mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado,
de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso,
e jura que, em que veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
não entre nele mais, mas vai forçado
pelo muito interesse cobiçoso;
(...)”
A partir dessa referência, podemos considerar as alternativas propostas pela questão:
a) Incorreta. Nos sonetos, a referência ao marinheiro é mobilizada como uma metáfora das vivências amorosas do eu-lírico. Na peça de Fernando Pessoa, a figura do marinheiro participa das indagações filosóficas das personagens. Os elementos apresentados pela questão – realismo moral, grandes navegações e expansão do catolicismo – não são tematizados por esses autores.
b) Correta. O aspecto coletivo da figura do marinheiro está presente nos sonetos de Camões, pois ele mobiliza uma série de metáforas náuticas – familiares aos leitores do período devido às grandes navegações e descobertas marítimas. Na peça de Pessoa, esse aspecto é verificado na medida em que a história do marinheiro suscita uma série de questionamentos filosóficos que abalam as convicções das três Veladoras a respeito de sua própria existência e, por conseguinte, atingem o público espectador do espetáculo. A identidade individual expressa pela imagem do marinheiro pode ser verificada na expressão das vivências amorosas do eu-lírico dos sonetos e nas elocubrações existenciais feitas por cada uma das veladoras no decorrer da peça. De um modo geral, a imagem do marinheiro contribui para expressão das experiências da mudança, do risco e da travessia, uma vez que sua vivência é caracterizada pela impermanência e pelos perigos enfrentados no mar. Assim, esse personagem é, para Camões, uma fonte de metáforas para a expressão dos desenganos da vivência amorosa. Na peça, a figura do marinheiro que, após um naufrágio, recria, pela imaginação, toda sua história e seu passado, faz as veladoras questionarem as certezas que sustentavam sua própria existência, oscilando entre a realidade e o sonho.
c) Incorreta. De fato, no soneto citado acima, Camões compara a cobiça do marinheiro ao desejo do amante, mas a experiência amorosa não é retratada sob o viés da degradação moral. Além disso, essa perspectiva não contempla a peça de Fernando Pessoa.
d) Incorreta. Os ideais econômicos da cobiça do marinheiro se refletem na experiência amorosa e não espiritual. A peça, por sua vez, não discute aspectos econômicos.