Logo UNICAMP

Questão 10 Unicamp 2021 - 1ª fase - 1º dia

Carregar prova completa Compartilhe essa resolução

Questão 10

Figuras de Linguagem

Entre todas as palavras do momento, a mais flamejante talvez seja desigualdade. E nem é uma boa palavra, incomoda. Começa com des. Des de desalento, des de desespero, des de desesperança. Des,definitivamente, não é um bom prefixo.

Desigualdade. A palavra do ano, talvez da década, não importa em que dicionário. Doravante ouviremos falar muito nela.

De-si-gual-da-de. Há quem não veja nem soletre, mas está escrita no destino de todos os busões da cidade, sentido centro/subúrbio, na linha reta de um trem. Solano Trindade, no sinal fechado, fez seu primeiro rap, “tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome”, somente com esses substantivos. Você ainda não conhece o Solano? Corra, dá tempo. Dá tempo para você entender que vivemos essa desigualdade. Pegue um busão da Avenida Paulista para a Cidade Tiradentes, passe o vale-transporte na catraca e simbora – mais de 30 quilômetros. O patrão jardinesco vive 23 anos a mais, em média, do que um humaníssimo habitante da Cidade Tiradentes, por todas as razões sociais que a gente bem conhece.

Evitei as estatísticas nessa crônica. Podia matar de desesperança os leitores, os números rendem manchete, mas carecem de rostos humanos. Pega a visão, imprensa, só há uma possibilidade de fazer a grande cobertura: mire-se na desigualdade, talvez não haja mais jeito de achar que os pontos da bolsa de valores signifiquem a ideia de fazer um país.

(Adaptado de Xico Sá, A vidinha sururu da desigualdade brasileira. Em El País, 28/10/2019. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/28/opinion/ 1572287747_637859.html?fbclid=IwAR1VPA7qDYs1Q0Ilcdy6UGAJTwBO_snMDUAw4yZpZ3zyA1ExQx_XB9Kq2qU. Acessado em 25/05/2020.)


A crônica instiga o leitor a ficar atento à desigualdadena cidade de São Paulo. Assinale a alternativa que identifica corretamente os recursos expressivos (estilísticos e literários) de que se vale o autor.



a)

A desigualdade está escrita nas linhas de trens e ressoa nos versos de Solano Trindade: onomatopeia.

b)

No destino dos transportes coletivos no sentido centro subúrbio é possível viver a desigualdade: eufemismo.

c)

A desigualdadese mostra na expectativa de vida dos moradores de bairros bem situados e periferias: alusão.

d)

Na cobertura da imprensa, números da desigualdade perdem para pontos da bolsa de valores: ambiguidade.

 

Resolução

a) Correta. O rap de Solano Trindade tem como estratégia poética a repetição da mesma construção “tem gente com fome, tem gente com fome, tem gente com fome”. Esses versos, ao serem vocalizados, assemelham-se ao som de um trem sobre os trilhos de rolagem. Há, portanto, uma onomatopeia.
b) Incorreta. O eufemismo é comumente utilizado para substituir uma palavra/termo tabu ou um conteúdo delicado, atenuando o seu sentido. O intuito do autor é exatamente o oposto, ou seja, expor explicitamente os malefícios da desigualdade, o que pode inclusive ser ilustrado pelo uso dos transportes coletivos.
c) Incorreta. A alusão é caracterizada pelo uso de uma referência ou citação a um fato ou pessoa, o que não ocorre no trecho. Ao mencionar que “O patrão jardinesco vive 23 anos a mais, em média, do que um humaníssimo habitante da Cidade Tiradentes, por todas as razões sociais que a gente bem conhece”, o autor busca comprovar sua tese de que a desigualdade é danosa aos indivíduos de baixa renda.
d) Incorreta. Não há ambiguidade no trecho. Nele, o autor interpela a imprensa, sugerindo que os veículos midiáticos “mirem na desigualdade”, pois “talvez não haja mais jeito de achar que os pontos da bolsa de valores signifiquem a ideia de fazer um país”.