Logo UNICAMP

Questão 7 Unicamp 2021 - 1ª fase - 1º dia

Carregar prova completa Compartilhe essa resolução

Questão 7

Ambiguidade e Polissemia intertexto

De acordo com Heloísa Starling, “Sertão é uma palavra carregada de ambiguidade. Sertão pode indicar a formação de um espaço interno, a fronteira aberta, ou um pedaço da geografia brasileira onde a terra se torna mais árida, o clima é seco, a vegetação escassa. Mas a palavra é igualmente utilizada para apontar uma realidade política: a inexistência de limites, o território do vazio, a ausência de leis, a precariedade dos direitos. Sertão é, paradoxalmente, o potencial de liberdade e o risco da barbárie – além de ser também uma paisagem fadada a desaparecer.

(Adaptado de Heloisa Murgel Starling, A palavra “sertão” e uma história pouco edificante sobre o Brasil. Disponível em https://www.suplementopernambuco. com.br/artigos/2243-a-palavra-sert%C3%A3o-e-uma-hist%C3%B3ria-pouco-edifi cante-sobre-o-brasil.html. Acessado em 06/08/2020.)

Assinale o excerto que corresponde à ideia de sertão desenvolvida pela autora.



a)

“Se achardes no Sertão muito sertão, lembrai-vos que ele é infinito, e a vida ali não tem esta variedade que não nos faz ver que as casas são as mesmas, e os homens não são outros.” (Machado de Assis)

b)

“Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta; dir-se-ia que por aí passou o fogo e consumiu toda a verdura, que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu manto, como chamavam poeticamente os indígenas.” (José de Alencar)

c)

“Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade.” (Guimarães Rosa)

d)

“Dilatam-se os horizontes. O firmamento, sem o azul carregado dos desertos, alteia-se, mais profundo, ante o expandir revivescente da terra. E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono.” (Euclides da Cunha)

(José de Alencar, O sertanejo. São Paulo: Ática, 1995, p.15; Machado de Assis, Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, v. 3, p. 765; Euclides da Cunha, Os sertões. São Paulo: Ateliê, 2001, p. 135; João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956, p. 8.)

 

Resolução

a) Incorreta. No trecho da crônica de 14 de fevereiro de 1897, Machado de Assis apresenta dois sertões. O primeiro, com letra maiúscula e acompanhado de artigo definido, constitui um nome próprio, porém, o segundo termo, em minúscula, vincula-se ao vocábulo explorado por Starling. Nesse caso específico, Machado recorre ao conceito de sertão mais próximo ao primeiro sentido, apresentado no trecho do enunciado, e contraposto ao local em que se situam enunciador e interlocutor (marcados pelo pronome nos), provavelmente o contexto urbano. Não é apresentado qualquer elemento que se conecte ao segundo sentido apontado por Starling, tornando a alternativa incorreta.

b) Incorreta. No trecho de José de Alencar, o termo sertão fica vinculado apenas ao primeiro sentido apresentado por Starling, ou seja, o de pedaço da geografia brasileira, como podemos verificar pelos trechos a ele relacionados: “terra combusta do profeta”, “passou fogo e consumiu toda a verdura”, “campos e a gala das árvores”. Não há, portanto, elementos que lhe atribuam características relativas ao segundo sentido.

c) Correta. No trecho de Guimarães Rosa, os dois conceitos de Starling podem ser reconhecidos. O primeiro está presente em os pastos carecem de fechos (vinculado ao conceito físico de “fronteira aberta”). O segundo sentido, predominante no trecho, pode ser encontrado nos trechos: um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador (relacionado a “território vazio”) e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade (vinculado a “ausência de leis” e “inexistência de limites”).

d) Incorreta. No trecho de Euclides de Cunha, da mesma forma que o trecho de Alencar, o sentido de sertão fica vinculado apenas ao primeiro conceito (físico), como se nota nos trechos Dilatam-se horizontes”, “firmamento”, “azul carregado dos desertos”, “o expandir revivescente da terra”, “vale fértil” e “pomar vastíssimo”. Na última frase, porém, o trecho “sem dono” pode ter provocado alguma dúvida, porém, é importante ressaltar que a ausência de um dono não pode é equivalente a “inexistência de limites” ou a “ausência de leis”.