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Fuvest 2021 - 1ª fase


Questão 71 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Mayombe

I

- Traíste-me, Sem Medo. Tu traíste-me.

(...)

Sabes o que tu és afinal, Sem Medo? És um ciumento. Chego a

pensar se não és homossexual. Tu querias-me só, como tu. Um

solitário do Mayombe. (...) Desprezo-te. (...) Nunca me verás atrás

de uma garrafa vazia. (...) Cada sucesso que eu tiver, será a paga da

tua bofetada, pois não serei um falhado como tu.


Pepetela, Mayombe. Adaptado.

II

- Peço-te perdão, Sem Medo. Não te compreendi, fui um

imbecil. E quis igualar o inigualável.


Pepetela, Mayombe.

Esses excertos de Mayombe referem-se a conversas entre as personagens Comissário e Sem Medo em momentos distintos do romance. Em I e II, as falas do Comissário revelam, respectivamente,



a)

incompatibilidade étnica entre ele e Sem Medo, por pertencerem a linhagens diferentes, e superação de sua hostilidade tribal.

b)

decepção, por Sem Medo não ter intercedido a seu favor na conversa com Ondina, e desespero diante do companheiro baleado.

c)

suspeita de traição de Ondina e tomada de consciência de que isso não passara de uma crise de ciúme dele.

d)

forte tensão homoafetiva entre ele e Sem Medo, e aceitação da verdadeira orientação sexual do companheiro.

e)

ira, diante do anticatolicismo de Sem Medo, e culpa que o atinge ao perceber que sua demonstração de coragem colocara o companheiro em risco.

Resolução

a) Incorreta. O conflito entre o Comissário e Sem Medo, verificado no excerto I, não é provocado por divergências étnicas. Esses guerrilheiros são bastante unidos, e a discussão se dá por questões ligadas ao relacionamento do Comissário com Ondina. Consequentemente, o perdão expresso no excerto II não é devido a uma superação da hostilidade tribal. Há, em Mayombe, a discussão a respeito das diferenças étnicas entre os guerrilheiros angolanos (o Comissário, por exemplo, é kimbundo, e sua noiva Ondina o trai com André, que é kikongo). Nesse sentido, inclusive, Sem Medo mostra-se empenhado em convencer os companheiros da necessidade de superar essas desavenças.

b) Correta. O Comissário esperava que Sem Medo intercedesse a seu favor quando Ondina rompeu o noivado, mas acredita que o companheiro não o ajudou a reconquistá-la. Por isso, no excerto I, acusa Sem Medo de ter traído sua amizade, de ser ciumento e desejar que ele também viva solitário. Já no excerto II, extraído do final da narrativa, o Comissário, que havia se afastado de Sem Medo, pede perdão ao amigo que havia sido baleado e estava em seus últimos instantes de vida.

c) Incorreta. No excerto I, o Comissário já sabe que foi traído por Ondina; ela mesma lhe havia escrito contando o que ocorrera. Além disso, a traição foi com André, e não com Sem Medo. A traição a que o personagem se refere nessa fala é do companheiro que não o ajudou a reconquistar Ondina. Desse modo, também é incorreto afirmar que, no excerto II, o Comissário percebe ter sido apenas uma crise de ciúme dele; a infidelidade de sua noiva é conhecida pelos guerrilheiros, e tanto Ondina quanto André são punidos por esse ato.

d) Incorreta. Não é correto afirmar que há uma forte tensão homoafetiva entre o Comissário e Sem Medo; a referência à suposta homossexualidade do colega é uma expressão do desapontamento que o Comissário sentia naquele momento. Os dois personagens são caracterizados na obra como heterossexuais.

e) Incorreta. No excerto I, a raiva expressa pelo Comissário não está relacionada a crenças religiosas, mas à sensação de não ter recebido o devido apoio do companheiro na tentativa de reatar seu noivado com Ondina; quanto ao excerto II, de fato, Sem Medo é baleado enquanto tentava proteger o Comissário, mas a sua fala vai além de uma expressão de culpa por suas ações; é uma maneira de reconciliar-se com o amigo, que para o Comissário representou uma espécie de mestre do qual foi preciso libertar-se para alcançar sua autonomia.

Questão 72 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Semântica

Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia. Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu paternalismo ingênuo, comecei a lhe explicar o que era um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia motivo para preocupação. Tudo o que eu queria saber já era conhecido. E ele me perguntava: "Então, por que você quer saber, se já sabe?" Tentei lhe explicar que pretendia escrever um livro e mais uma vez o que era um romance, o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma consequência na realidade. Ele seguia incrédulo. Fazia-se de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar. As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase, já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a não ser: "O que você quer com o passado?". Repetia. E, diante da sua insistência bovina, tive de me render à evidência de que eu não sabia responder à sua pergunta.

Bernardo Carvalho, Nove noites. Adaptado.

 


Sem prejuízo de sentido e fazendo as adaptações necessárias, é possível substituir as expressões em destaque no texto, respectivamente, por



a)

incompreensão; armação; inofensivo; irredutível.

b)

altivez; brincadeira; ofendido; mansa.

c)

ignorância; mentira; prejudicado; alienada.

d)

complacência; invenção; bobo; cega.

e)

arrogância; entretenimento; incapaz; animalesca.

 

Resolução

a) Incorreta. A substituição modificaria o sentido do texto, uma vez que as palavras listadas pela alternativa não correspondem a sinônimos dos termos usados no texto de Bernardo Carvalho. A saber: “incompreensão” significa inabilidade para entender algo; “armação”, situação planejada para prejudicar alguém; “inofensivo”, aquele que não ofende; “irredutível”, aquele que não muda de posicionamento.

b) Incorreta. A substituição modificaria o sentido do texto, uma vez que as palavras listadas pela alternativa não correspondem a sinônimos dos termos usados no texto de Bernardo Carvalho. A saber: “altivez” significa arrogância ou nobreza, a depender do contexto; “brincadeira”, chacota ou jogo infantil, a depender do contexto; “ofendido”, aquele que sofreu uma ofensa; “manso”, dócil.

c) Incorreta. A substituição modificaria o sentido do texto, uma vez que as palavras listadas pela alternativa não correspondem a sinônimos dos termos usados no texto de Bernardo Carvalho. A saber: “ignorância” significa falta de conhecimento; “mentira”, inverdade; “prejudicado”, aquele que sofreu algum dano; “alienado”, alheio.

d) Correta. A troca dos termos originais pelos listados na alternativa não modificaria o sentido do texto, pois há equivalência entre eles. No contexto, “paternalismo” poderia ser substituído por “complacência”, pois as duas palavras serviriam para explicar o tratamento amistoso do narrador para com Leusipo; ao passo que “invenção” e “historinha” são pertinentes para demonstrar a propriedade do romance mencionada pelo excerto, a de não ter consequência na realidade; “desentendido” e “bobo” funcionam como sinônimos, posto que fazer-se de desentendido significa fingir que não se entende algo, assim como fazer-se de bobo, ou seja, estar a par de um acontecimento ou de uma informação e fingir o contrário; os termos “bovino” e “cega” devem ser compreendidos em suas acepções figurativas, pois, no texto, indicam a ausência de razão de Leusipo ao demonstrar sua insatisfação com a resposta dada pelo narrador.

e) Incorreta. A substituição modificaria o sentido do texto, uma vez que as palavras listadas pela alternativa não correspondem a sinônimos dos termos usados no texto de Bernardo Carvalho. A saber: “arrogância” significa pejorativamente orgulho; “entretenimento”, diversão; “incapaz”, que não tem capacidade/habilidade; “animalesca”, próprio de animais ou dos que não são dotados de razão.

Questão 73 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Nove Noites

Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia. Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu paternalismo ingênuo, comecei a lhe explicar o que era um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia motivo para preocupação. Tudo o que eu queria saber já era conhecido. E ele me perguntava: "Então, por que você quer saber, se já sabe?" Tentei lhe explicar que pretendia escrever um livro e mais uma vez o que era um romance, o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma consequência na realidade. Ele seguia incrédulo. Fazia-se de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar. As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase, já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a não ser: "O que você quer com o passado?". Repetia. E, diante da sua insistência bovina, tive de me render à evidência de que eu não sabia responder à sua pergunta.

Bernardo Carvalho, Nove noites. Adaptado.

 


As respostas do narrador às perguntas de Leusipo são uma tentativa de disfarçar o caráter



a)

fabular do romance, inspirado nas lendas e tradições dos Krahô.

b)

investigativo do romance, embasado em testemunhos dos Krahô.

c)

político do romance, a respeito das condições de vida dos Krahô.

d)

etnográfico do romance, através do registro da cultura dos Krahô.

e)

biográfico do romance, relatando sua vivência junto aos Krahô.

Resolução

a) Incorreta. O romance, de caráter investigativo, contrapõe realidade e ficção, entretanto, não parte de lendas ou tradições indígenas, mas sim de um fato histórico – a morte de Buell Quain entre os índios Krahô.
b) Correta. O romance Nove Noites se constitui como uma narrativa investigativa, na qual a figura de um “narrador-repórter” empreende uma apuração para descobrir as causas do suicídio do jovem antropólogo Buell Quain, em 1939, quando voltava de um trabalho de campo entre os índios Krahô. Décadas depois desse episódio, o narrador empreende a mesma viagem que Quain e visita os Krahô, com a intenção de colher informações junto aos anciãos da tribo que pudessem elucidar os mistérios em torno da morte do antropólogo. Indagado por um jovem índio, Leusipo, sobre os motivos de sua visita, o narrador tenta disfarçar seus propósitos investigativos, afirmando que seu objetivo era tão somente colher informações para escrever um romance, uma narrativa ficcional que em nada comprometeria a tribo.
c) Incorreta. De fato, a narrativa aborda as condições de vida dos Krahô e de outras tribos indígenas, enfatizando a condição de atraso e exclusão sofrida por esses grupos, entretanto, essa é uma questão secundária do romance cujo móvel principal consiste na investigação para se descobrir as causas do suicídio de Quain.
d) Incorreta. O propósito etnográfico - o estudo dos modos de vida e da cultura dos povos indígenas - é característico do trabalho de Buell Quain e de outros antropólogos que são citados no romance. A narrativa de Nove Noites, porém, caracteriza-se pelo aspecto investigativo, que mistura algo das histórias de detetive com a busca pela verdade por parte do narrador-jornalista.
e) Incorreta. O narrador de Nove Noites, de fato, relata sua vivência junto ao Krahô, entretanto, como já apontado anteriormente, esse é um relato secundário de uma narrativa investigativa cujo objetivo é encontrar respostas para o misterioso suicídio de Buell Quain.

Questão 74 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Nove Noites

Leusipo perguntou o que eu tinha ido fazer na aldeia. Preferi achar que o tom era amistoso e, no meu paternalismo ingênuo, comecei a lhe explicar o que era um romance. Eu tentava convencê-lo de que não havia motivo para preocupação. Tudo o que eu queria saber já era conhecido. E ele me perguntava: "Então, por que você quer saber, se já sabe?" Tentei lhe explicar que pretendia escrever um livro e mais uma vez o que era um romance, o que era um livro de ficção (e mostrava o que tinha nas mãos), que seria tudo historinha, sem nenhuma consequência na realidade. Ele seguia incrédulo. Fazia-se de desentendido, mas na verdade só queria me intimidar. As minhas explicações sobre o romance eram inúteis. Eu tentava dizer que, para os brancos que não acreditam em deuses, a ficção servia de mitologia, era o equivalente dos mitos dos índios, e antes mesmo de terminar a frase, já não sabia se o idiota era ele ou eu. Ele não dizia nada a não ser: "O que você quer com o passado?". Repetia. E, diante da sua insistência bovina, tive de me render à evidência de que eu não sabia responder à sua pergunta.

Bernardo Carvalho, Nove noites. Adaptado.

 


Na cena apresentada, que explora o desconforto gerado pela difícil interlocução com o indígena, o narrador



a)

abandona a ideia de investigar o passado, ao se ver encurralado por Leusipo.

b)

explora a sua posição ameaçadora de homem branco, ao insistir em permanecer na aldeia.

c)

age com ousadia, ao procurar subjugar Leusipo a contribuir com o seu projeto.

d)

identifica-se com a sabedoria de Leusipo, ao preterir do papel interrogativo e se deixar questionar.

e)

sente-se frustrado com a reação de Leusipo, que não se deixa levar por sua diplomacia.

Resolução

a) Incorreta. Embora o confronto de Leusipo frustre seus planos, o narrador não se deixa intimidar e prossegue tentando colher informações junto aos Krahô que pudessem ajudá-lo a elucidar a morte de Quain. Mesmo partindo da tribo sem conseguir alcançar seus objetivos, ele continua sua investigação, perseguindo pistas que o levarão até mesmo aos Estados Unidos.
b) Incorreta. O narrador não se vale da posição de homem branco para intimidar os Khraô para, assim, conseguir permanecer na aldeia. Como evidenciado pelo diálogo com Leusipo, ele tenta estabelecer uma espécie de relação diplomática com os indígenas, explicando que seu objetivo era o de escrever uma obra ficcional, sem revelar, contudo, quais eram as reais intenções que o levavam a investigar o passado da tribo.
c) Incorreta. O narrador não age com ousadia para tentar subjugar Leusipo, pelo contrário, procura adotar um tom conciliatório e até mesmo paternalista para explicar quais eram seus objetivos. Em vários trechos, o narrador afirma que tentava explicar-lhe que seu livro seria de ficção para convencê-lo de que não havia motivo para preocupação; tais ações evidenciam a tentativa de conseguir a adesão do interlocutor pela argumentação e não pela ousadia que visa subjugar.
d) Incorreta. Diante dos questionamentos de Leusipo, o narrador admite ter adotado um tom paternalista, o que evidencia um certo menosprezo em relação a seu interlocutor, como se as preocupações do indígena fossem uma evidência de limitação intelectual. Isso pode ser observado na tentativa de explicar o que era um livro de ficção – “historinha sem nenhuma consequência na realidade” -, ou ainda na comparação reducionista que igualava os romances às mitologias dos índios. Além disso, o narrador qualifica a insistência de Leusipo como “bovina”, o que demonstra um julgamento depreciativo e não uma identificação com a sabedoria do jovem.
e) Correta. A frustração do narrador pode ser observada no trecho final, quando ele afirma que teve que se render à evidência de que não sabia responder à pergunta de Leusipo. Sendo um elemento estranho em meio aos Krahô e tendo o interesse de acessar informações referentes ao passado da tribo, o narrador tenta estabelecer uma relação mais diplomática com eles, evitando explicitar seu objetivo de descobrir o que ocorrera com Buell Quain quando ele vivia na tribo. Ao longo do diálogo, ele tenta convencer Leusipo de que suas intenções eram idôneas e inofensivas, entretanto, a resistência do jovem lhe mostra que os Krahô não estão dispostos a revelar seus segredos, pelo contrário, parecem empenhados em mantê-los protegidos daquele estranho. Assim, a possibilidade de encontrar respostas elucidativas junto aos Krahô se mostra mais uma tentativa frustrada para a resolução do mistério sobre a morte de Quain.

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Quincas Borba

Rubião fitava a enseada, - eram oito horas da manhã. Quem o visse, com os polegares metidos no cordão do chambre, à janela de uma grande casa de Botafogo, cuidaria que ele admirava aquele pedaço de água quieta; mas em verdade vos digo que pensava em outra coisa. Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora! Capitalista. Olha para si, para as chinelas (umas chinelas de Túnis, que lhe deu recente amigo, Cristiano Palha), para a casa, para o jardim, para a enseada, para os morros e para o céu; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade.

-Vejam como Deus escreve direito por linhas tortas, pensa ele. Se mana Piedade tem casado com Quincas Borba, apenas me daria uma esperança colateral. Não casou; ambos morreram, e aqui está tudo comigo; de modo que o que parecia uma desgraça...

Machado de Assis, Quincas Borba.

O primeiro capítulo de Quincas Borba já apresenta ao leitor um elemento que será fundamental na construção do romance:



a)

a contemplação das paisagens naturais, como se lê em "ele admirava aquele pedaço de água quieta".

b)

a presença de um narrador-personagem, como se lê em "em verdade vos digo que pensava em outra coisa".

c)

a sobriedade do protagonista ao avaliar o seu percurso, como se lê em "Cotejava o passado com o presente".

d)

o sentido místico e fatalista que rege os destinos, como se lê em "Deus escreve direito por linhas tortas".

e)

a reversibilidade entre o cómico e o trágico, como se lê em "de modo que o que parecia uma desgraça...".

Resolução

a) Incorreta. A contemplação de paisagens naturais não é fundamental na construção do romance, sendo o ambiente da sociedade urbana, com a mudança de Rubião para o Rio de Janeiro, o espaço principal em que o enredo se desenrola.  

b) Incorreta. O romance tem um narrador em terceira pessoa onisciente; entretanto, como notamos frequentemente nas narrativas machadianas, tal narrador dialoga com seus leitores, como ocorre no trecho “em verdade vos digo que pensava em outra coisa”.

c) Incorreta. Rubião analisa sua situação presente, como um novo rico no Rio de Janeiro, em contraponto ao seu passado simplório em Barbacena, de modo entusiasmado, eufórico, e não sobriamente (de forma discreta, equilibrada). Nota-se essa postura na passagem em que o narrador apresenta os pensamentos de Rubião, admirado com sua nova condição: “Que era, há um ano? Professor. O que é agora! Capitalista. Olha para si [...]; e tudo, desde as chinelas até o céu, tudo entra na mesma sensação de propriedade”.

d) Incorreta. A obra não explora um sentido místico no destino humano, mas a complexidade das relações que se estabelecem entre as pessoas. A frase citada alude ironicamente ao provérbio “Deus escreve direito (certo) por linhas tortas” para demonstrar como Rubião acabou por beneficiar-se da morte da irmã e do amigo Quincas Borba, tornando-se seu herdeiro universal.

e) Correta. Tal como apresentado no início do romance, a transformação do cômico em trágico, e vice-versa, é um elemento fundamental na construção de Quincas Borba. No trecho em questão, a tragédia da morte de Piedade e de Quincas Borba reverte-se em uma vida de riqueza e luxo para Rubião. No entanto, essa mesma “boa sorte” será, mais tarde, revertida em desgraça, com a ruína financeira, loucura e morte de Rubião.

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Claro Enigma

Remissão


Tua memória, pasto de poesia,

tua poesia, pasto dos vulgares,

vão se engastando numa coisa fria

a que tu chamas: vida, e seus pesares.


Mas, pesares de quê? perguntaria,

se esse travo de angústia nos cantares,

se o que dorme na base da elegia

vai correndo e secando pelos ares,

 

e nada resta, mesmo, do que escreves

e te forçou ao exílio das palavras,

senão contentamento de escrever,

 

enquanto o tempo, e suas formas breves

ou longas, que sutil interpretavas,

se evapora no fundo do teu ser?


Carlos Drummond de Andrade, Claro enigma.


Claro enigma apresenta, por meio do lirismo reflexivo, o posicionamento do escritor perante a sua condição no mundo. Considerando-o como representativo desse seu aspecto, o poema "Remissão"



a)

traduz a melancolia e o recolhimento do eu lírico em face da sensação de incomunicabilidade com uma realidade indiferente à sua poesia.

b)

revela uma perspectiva inconformada, mesclando-a, livre da indulgência dos anos anteriores, a um novo formalismo estético.

c)

propõe, como reação do poeta à vulgaridade do mundo, uma poética capaz de interferir na realidade pelo viés nostálgico.

d)

reflete a visão idealizada do trabalho do poeta e a consciência da perenidade da poesia, resistente à passagem do tempo.

e)

realiza a transição do lirismo social para o lirismo metafísico, caracterizado pela adesão ao conforto espiritual e ao escapismo imaginativo.

Resolução

a) Correta. Logo na primeira estrofe, observa-se uma visão melancólica da vida, em que a memória e a poesia “vão se engastando numa coisa fria / a que tu chamas: vida, e seus pesares”; a melancolia é reforçada, na segunda estrofe, com o “travo (amargura) de angústia nos cantares”. Paralelamente, a sua poesia, já citada na primeira estrofe e retomada na segunda estrofe pelos termos “cantares” e “elegia” (poema de tom triste, melancólico), não consegue se comunicar com a realidade (“e nada resta, mesmo, do que escreves / e te forçou ao exílio das palavras”), levando ao recolhimento do eu lírico, conforme atesta também o último verso, em que o tempo “se evapora no fundo do teu ser?”.

b) Incorreta. Não há uma postura incorfomada do eu lírico, mas a constatação da passagem do tempo e esvaziamento de sentido da vida e da poesia. Além disso, o poema não trabalha com um novo formalismo estético: trata-se de um soneto, forma clássica, com versos decassílabos e esquema tradicional de rimas.

c) Incorreta. Em Remissão, o poeta propõe uma reflexão sobre a poesia e sobre a passagem do tempo, que tende a apagar o próprio fazer poético, como se observa em “o que dorme na base da elegia/ vai correndo e secando pelos ares”. O poema, em consonância com a atmosfera de Claro Enigma apresenta um tom melancólico, com um ceticismo em relação às possibilidades de intervenção da poesia na sociedade. Esse poema, em particular, tematiza como as motivações da poesia bem como as formas poéticas, desaparecem, levadas pelo tempo e se evaporam “no fundo do teu ser”.

d) Incorreta. Não há uma idealização do trabalho do poeta, mas um reconhecimento melancólico de sua fragilidade. A poesia não é tida como perene (eterna); pelo contrário, é dissolvida pelo tempo (“e nada resta, mesmo, do que escreves”).

e) Incorreta. De fato, em Claro Enigma, Drummond abandona o lirismo social; mas isso não significa que ela parta para um lirismo metafísico. Pelo contrário, manifesta um certo desencanto, um ceticismo que, ao invés de trazer conforto espiritual, provoca inquietação e mal estar no eu lírico. Em Remissão, há a constatação da impotência diante da passagem do tempo e, ao invés de escapismo imaginativo, um confronto com questões filosóficas.

 

Questão 77 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Ambiguidade e Polissemia charges e tirinhas

O efeito de humor presente nas falas das personagens decorre



a)

da quebra de expectativa gerada pela polissemia.

b)

da ambiguidade causada pela antonímia.

c)

do contraste provocado pela fonética.

d)

do contraste introduzido pela neologia.

e)

do estranhamento devido à morfologia.

Resolução

a) Correta. O verbo “tomar” é polissêmico, ou seja, tem múltiplos sentidos, dado que pode significar ingerir algo, como na própria aplicação do termo utilizada por Filipe, uma vez que a personagem tinha a expectativa de que Mafalda explicasse o que bebia para se sentir bem diante de uma determinada situação. No entanto, a expectativa é quebrada, pois Mafalda usa o verbo com outro sentido, o de ficar a distância/ganhar distanciamento de algo.

b) Incorreta. Não há a utilização de termos antônimos, ou seja, contrários entre si, na charge.

c) Incorreta. Os sons gerados pela pronúncia das palavras utilizadas por Quino não promovem alterações de sentido.

d) Incorreta.  Não são utilizados neologismos – simplificadamente, a criação de palavras novas – nas falas das personagens.

e) Incorreta.  O sentido da charge é construído a partir de um jogo com os sentidos do verbo “tomar”, ou seja, está atrelado à semântica e não à morfologia, que diz respeito à formação e à classe das palavras.  

Questão 78 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

João Cabral de Melo Neto

Psicanálise do açúcar


O açúcar cristal, ou açúcar de usina,

mostra a mais instável das brancuras:

quem do Recife sabe direito o quanto,

e o pouco desse quanto, que ela dura.

Sabe o mínimo do pouco que o cristal

se estabiliza cristal sobre o açúcar,

por cima do fundo antigo, de mascavo,

do mascavo barrento que se incuba;

e sabe que tudo pode romper o mínimo

em que o cristal é capaz de censura:

pois o tal fundo mascavo logo aflora

quer inverno ou verão mele o açúcar.


Só os banguês* que-ainda purgam ainda

o açúcar bruto com barro, de mistura; a

usina já não o purga: da infância,

não de depois de adulto, ela o educa;

em enfermarias, com vácuos e turbinas,

em mãos de metal de gente indústria,

a usina o leva a sublimar em cristal

o pardo do xarope: não o purga, cura.

Mas como a cana se cria ainda hoje,

em mãos de barro de gente agricultura,

o barrento da pré-infância logo aflora

quer inverno ou verão mele o açúcar.

 

João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.

*banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força animal.

 


Os últimos quatro versos do poema rompem com a série de contrapontos entre a usina e o banguê, pois



a)

negam haver diferença química entre o açúcar cristal e o açúcar mascavo.

b)

esclarecem que a aparência do açúcar varia com a espécie de cana cultivada.

c)

revelam que na base de toda empresa açucareira está o trabalhador rural.

d)

denunciam a exploração do trabalho infantil nos canaviais nordestinos.

e)

explicam que a estação do ano define em qualquer processo o tipo de açúcar.

Resolução

a) Incorreta. Os quatro últimos versos do poema trazem uma semelhança entre o açúcar cristal e o mascavo: ambos se sustentam a partir da colheita da cana-de-açúcar.

b) Incorreta. A cana cultivada é a mesma. A partir dela, são produzidos diferentes tipos de açúcar, como o cristal e o mascavo.

c) Correta. Ao longo do poema, João Cabral de Melo Neto apresenta contrapontos entre o açúcar cristal e o mascavo produzidos pela usina (processo moderno de produção e branqueamento do açúcar) a o banguê (engenho de açúcar primitivo, anterior à usina). Para o poeta, embora o processo de produção dos açúcares no engenho e na usina tenha diferenças expressivas,  ambos os tipos provêm da cana, que ainda é colhida pelas mãos de trabalhadores rurais (“Mas como a cana se cria ainda hoje, / em mãos de barro de gente da agricultura). Assim, na base de toda empresa açucareira está o trabalhador rural, independentemente do produto final derivado da cana.

d) Incorreta. Não há menção no poema quanto ao trabalho infantil.

e) Incorreta. Não há referência quanto à interferência da estação do ano no processo de produção dos açúcares. Essa menção às estações aparece nas últimas estrofes, mas para justificar a importância do trabalhador rural. Segundo João Cabral, as “mãos de barro” da “gente da agricultura” ainda são responsáveis pela colheita da cana, “quer inverno ou verão mele o açúcar”.

Questão 79 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Coesão e Coerência elementos coesivos referenciais Pronomes pessoais

Psicanálise do açúcar


O açúcar cristal, ou açúcar de usina,

mostra a mais instável das brancuras:

quem do Recife sabe direito o quanto,

e o pouco desse quanto, que ela dura.

Sabe o mínimo do pouco que o cristal

se estabiliza cristal sobre o açúcar,

por cima do fundo antigo, de mascavo,

do mascavo barrento que se incuba;

e sabe que tudo pode romper o mínimo

em que o cristal é capaz de censura:

pois o tal fundo mascavo logo aflora

quer inverno ou verão mele o açúcar.


Só os banguês* que-ainda purgam ainda

o açúcar bruto com barro, de mistura; a

usina já não o purga: da infância,

não de depois de adulto, ela o educa;

em enfermarias, com vácuos e turbinas,

em mãos de metal de gente indústria,

a usina o leva a sublimar em cristal

o pardo do xarope: não o purga, cura.

Mas como a cana se cria ainda hoje,

em mãos de barro de gente agricultura,

o barrento da pré-infância logo aflora

quer inverno ou verão mele o açúcar.

 

João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.

*banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força animal.

 


Na oração "que ela dura" (v. 4), o pronome sublinhado



a)

não tem referente.

b)

retoma a palavra "usina" (v. 1).

c)

pode ser substituído por "ele", referindo-se a "açúcar" (v. 1).

d)

refere-se à "mais instável das brancuras" (v. 2).

e)

equivale à palavra "censura" (v. 10).

Resolução

Para responder adequadamente à questão, é necessário observar que o pronome ela está relacionado à forma verbal dura, logo, semanticamente, o seu referente apresenta como característica a ser destacada no trecho sua capacidade de "durar", sua durabilidade. Tendo em vista esse pressuposto, analisemos os itens.

a) Incorreta. O pronome faz referência a uma expressão anteriormente utilizada.

b) Incorreta. Semanticamente não seria possível afirmar que a durabilidade referir-se-ia à usina.

c) Incorreta. O açúcar não é classificado como algo instável, mas sim sua coloração.

d) Correta. A “mais instável das brancuras” é o referente do pronome “ela”, pois é essa propriedade do açúcar que o poeta evoca no trecho.

e) Incorreta. Não há indícios textuais que sustentem que o pronome em questão poderia ser equivalente à palavra “censura”, afinal essa ideia é trabalhada posteriormente.

Questão 80 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Fracionamento Fenômenos físicos e químicos

Psicanálise do açúcar


O açúcar cristal, ou açúcar de usina,

mostra a mais instável das brancuras:

quem do Recife sabe direito o quanto,

e o pouco desse quanto, que ela dura.

Sabe o mínimo do pouco que o cristal

se estabiliza cristal sobre o açúcar,

por cima do fundo antigo, de mascavo,

do mascavo barrento que se incuba;

e sabe que tudo pode romper o mínimo

em que o cristal é capaz de censura:

pois o tal fundo mascavo logo aflora

quer inverno ou verão mele o açúcar.


Só os banguês* que-ainda purgam ainda

o açúcar bruto com barro, de mistura; a

usina já não o purga: da infância,

não de depois de adulto, ela o educa;

em enfermarias, com vácuos e turbinas,

em mãos de metal de gente indústria,

a usina o leva a sublimar em cristal

o pardo do xarope: não o purga, cura.

Mas como a cana se cria ainda hoje,

em mãos de barro de gente agricultura,

o barrento da pré-infância logo aflora

quer inverno ou verão mele o açúcar.

 

João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.

*banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força animal.

 


Observe o diagrama que mostra, de forma simplificada, o processo de fabricação do açúcar.

Disponível em https://sistemas.eel.usp.br/. Adaptado.

Considerando essas informações e seu conhecimento sobre separação de misturas e transformações químicas e físicas, no trecho grifado no poema, o termo sublimar é usado



a)

corretamente para mostrar como do líquido (xarope) é extraído o cristal de açúcar através do processo de evaporação do sólido e secagem.

b)

em um sentido amplo do processo, já que não corresponde ao que ocorre com o cristal de açúcar, e sim com o melaço, que se separa do xarope.

c)

metaforicamente, já que ocorre a precipitação do açúcar com o cozimento do xarope, que é separado por centrifugação.

d)

incorretamente, já que a obtenção do açúcar a partir do xarope é uma reação química direta que não necessita de processo de separação.

e)

em seu sentido literal, já que o açúcar está na fase sólida, no xarope, e passa à fase vapor com o cozimento, formando então cristais de açúcar puro.

Resolução

O trecho grifado no poema é:

"a usina o leva sublimar em cristal

o pardo do xarope"

Pela imagem fornecida na questão, que mostra as etapas de fabricação do açúcar, temos que o xarope passa por um cozimento gerando xarope com cristais (sólido) e, em seguida, há uma centrifugação para obter o açúcar e melaço. A centrifugação é um processo de separação utilizado para misturas sólido-líquido. Assim, não houve uma sublimação, ou seja, mudança de estado físico do sólido para o gasoso.

a) Incorreta. O termo sublimar é usado incorretamente e o líquido (xarope) é separado do cristal de açúcar pela centrifugação.

b) Incorreta. O termo sublimar não se encaixa nesse contexto, uma vez que o melaço é a parte líquida obtida após a separação do xarope dos cristais de açúcar.

c) Correta. O termo sublimar foi usado metaforicamente, ou seja, num sentido figurado com a ideia de comparar a mudança de estado físico (sublimação) com uma etapa do processo de fabricação do açúcar. Os cristais de açúcar são produzidos pelo cozimento do xarope e posteriormente separados na centrifugação.

d) Incorreta. O termo sublimar é usado incorretamente, mas a obtenção do açúcar  a partir do xarope não é por uma reação química e sim por um processo físico de separação, a centrifugação.

e) Incorreta. O termo sublimar não foi usado no seu sentido literal, pois não houve a mudança de estado físico de sólido para gasoso.