Psicanálise do açúcar
O açúcar cristal, ou açúcar de usina,
mostra a mais instável das brancuras:
quem do Recife sabe direito o quanto,
e o pouco desse quanto, que ela dura.
Sabe o mínimo do pouco que o cristal
se estabiliza cristal sobre o açúcar,
por cima do fundo antigo, de mascavo,
do mascavo barrento que se incuba;
e sabe que tudo pode romper o mínimo
em que o cristal é capaz de censura:
pois o tal fundo mascavo logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
Só os banguês* que-ainda purgam ainda
o açúcar bruto com barro, de mistura; a
usina já não o purga: da infância,
não de depois de adulto, ela o educa;
em enfermarias, com vácuos e turbinas,
em mãos de metal de gente indústria,
a usina o leva a sublimar em cristal
o pardo do xarope: não o purga, cura.
Mas como a cana se cria ainda hoje,
em mãos de barro de gente agricultura,
o barrento da pré-infância logo aflora
quer inverno ou verão mele o açúcar.
João Cabral de Melo Neto, A Educação pela Pedra.
*banguê: engenho de açúcar primitivo movido a força animal.
Na oração "que ela dura" (v. 4), o pronome sublinhado
a) |
não tem referente. |
b) |
retoma a palavra "usina" (v. 1). |
c) |
pode ser substituído por "ele", referindo-se a "açúcar" (v. 1). |
d) |
refere-se à "mais instável das brancuras" (v. 2). |
e) |
equivale à palavra "censura" (v. 10). |
Para responder adequadamente à questão, é necessário observar que o pronome ela está relacionado à forma verbal dura, logo, semanticamente, o seu referente apresenta como característica a ser destacada no trecho sua capacidade de "durar", sua durabilidade. Tendo em vista esse pressuposto, analisemos os itens.
a) Incorreta. O pronome faz referência a uma expressão anteriormente utilizada.
b) Incorreta. Semanticamente não seria possível afirmar que a durabilidade referir-se-ia à usina.
c) Incorreta. O açúcar não é classificado como algo instável, mas sim sua coloração.
d) Correta. A “mais instável das brancuras” é o referente do pronome “ela”, pois é essa propriedade do açúcar que o poeta evoca no trecho.
e) Incorreta. Não há indícios textuais que sustentem que o pronome em questão poderia ser equivalente à palavra “censura”, afinal essa ideia é trabalhada posteriormente.