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Unicamp 2022 - 2ª fase - dia 1 - Português, Inglês e Redação


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Gêneros de Texto

REDAÇÃO PROPOSTA 1

Você tem 15 anos e tem conta em redes sociais desde os 13 anos. Há seis meses, contudo, seu número de seguidores quintuplicou e alcançou a marca de quase um milhão. Desde que se tornou um/a digital influencer, vários parentes e amigos passaram a alertar seus pais sobre os perigos de sua superexposição na internet, enfatizando a importância de eles (seus responsáveis legais) acompanharem todas as postagens e todos os comentários recebidos nas suas redes. Seus pais foram até mesmo aconselhados por alguns amigos a fecharem as contas que você mantinha, sob a alegação de que a atividade poderia configurar um tipo de trabalho infantil (isto é, uma atividade que envolve crianças com idade inferior a 16 anos). Outros não viram problema com a sua fama e até perguntaram se seus pais já tinham se informado sobre como “monetizar” os seus perfis.

Após refletir sobre essas opiniões divergentes, você decide escrever, em um de seus perfis, um extenso post (“textão”) a respeito. No seu texto, você a) narra a sua trajetória até se tornar digital influencer e b) relata suas impressões acerca dessa experiência, assumindo um posicionamento sobre o fato de crianças e adolescentes atuarem como digital influencers.

Para escrever seu post, leve em conta a coletânea de textos a seguir:

1. Cyberbullying é o bullying realizado por meio das tecnologias digitais. Pode ocorrer nas mídias sociais, plataformas de mensagens, plataformas de jogos e celulares. É o comportamento repetido, com intuito de assustar, enfurecer ou envergonhar aqueles que são vítimas. (Disponível em https://www.unicef.org/brazil/cyberbullying-o-que-eh-e-como-para-lo. Acessado em 13/09/2021.)

2. Apesar de a maior parte das plataformas exigir idade mínima de 13 anos para a criação de um perfil, não há um controle rígido, o que faz com que o acesso de crianças e adolescentes às redes sociais seja livre. E é justamente por isso que o papel das famílias e das escolas é crucial para protegê-los e conscientizá-los dos riscos da superexposição. A premissa de que as novas gerações “nascem sabendo” lidar com a tecnologia é totalmente enganosa e mascara a fragilidade delas perante os inúmeros riscos e perigos que as mídias sociais escondem. Os jovens precisam de controle parental, acompanhado de diálogo, para desenvolverem uma relação saudável com as redes. Controlar o uso não significa proibi-lo, mesmo porque o universo digital é parte fundante da cultura e sociabilidades juvenis contemporâneas. Entre os conteúdos deliberadamente nocivos e os construtivos, há uma gama imensa de riscos implicados, como os próprios comentários de estranhos – diversas plataformas, inclusive, já permitem que o usuário não receba mensagens de desconhecidos. (Adaptado de Mariana Mandelli, Morte de adolescente reacende debate sobre exposição digital. 05/08/2021. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/08/morte-de-adolescente-reacende-debate-sobre-exposicao-digital.shtml. Acessado em 13/09/2021.)

  3.

 

A. C.

Celebridade brasileira do YouTube que ficou conhecida por seu canal “Vida de Amy”, onde posta desafios, vídeos de brinquedos e vlogs, a adolescente A. C. ganhou mais de 550.000 inscritos e ainda foi reconhecida como a primeira YouTuber surda oralizada do Brasil.

Antes da Fama

Aos três meses, ela começou a ser treinada por fonoaudiólogos, e aprendeu a falar e escrever em português.

Curiosidades

Em julho de 2014, ela postou o vídeo “Novos presentes para minha boneca Reborn”, que teve mais de 4 milhões de visualizações logo depois de postado. (Texto adaptado. Imagem editada. Disponível em https://pt.famous birthdays.com/people/amanda-carvalho.html. Acessado em 20/11/2021.)

4. A ampliação do acesso de crianças e adolescentes a celulares, tablets e outras telas portáteis criou uma nova modalidade de trabalho infantil: os youtubers mirins. Nessa atividade, crianças e adolescentes gravam vídeos periodicamente em seus canais no YouTube e são remunerados por fabricantes de produtos para os quais fazem propagandas, ou são remunerados pela própria rede social, quando há anúncios inseridos ao longo do vídeo. A atividade é prejudicial tanto para a criança ou adolescente que mantém o canal, quanto para o público infantojuvenil que o assiste. A advogada do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Livia Cattaruzzi, lista o consumismo e o materialismo, a diminuição de brincadeiras criativas, a obesidade infantil, a erotização precoce, a violência e a segregação de gênero como algumas consequências da exposição à publicidade infantil. (Adaptado de Cristina Sena, Matéria originalmente publicada no site do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). Disponível em https://livredetrabalhoinfantil.org.br/noticias/reportagens/youtubers-mirins-forum-nacional-discute-nova-modalidade-detrabalho-infantil/. Acessado em 11/09/2021.)

REDAÇÃO PROPOSTA 2

Você é um/a jovem que está cursando o seu segundo ano de graduação em Geografia, na Unicamp. Entusiasmado/a com a possibilidade de estrear na pesquisa acadêmica, você submeteu seu projeto de Iniciação Científica (IC) para uma agência brasileira de fomento à pesquisa. Após análise da comissão avaliadora, seu projeto de pesquisa foi aprovado por mérito, mas não obteve o financiamento desejado. Motivo: o corte de verbas no orçamento destinado à ciência e à pesquisa no Brasil em 2021.

Você, que tem se mostrado um/a universitário/a brilhante, com um currículo invejável, sente-se indignado/a com a impossibilidade de desenvolver sua pesquisa científica sem o necessário investimento. Decide, então, se unir a outros jovens pesquisadores brasileiros que vivenciaram a mesma experiência frustrante para escrever um manifesto, de autoria coletiva, a ser lido na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Nesse texto, vocês a) apontam o corte de verbas destinadas à ciência e à pesquisa no Brasil, b) denunciam os consequentes prejuízos desses cortes e c) convocam a comunidade científica para o repúdio a essa política de sucateamento da ciência e da pesquisa em curso no Brasil atual.

Iniciação Científica (IC) é uma modalidade de pesquisa acadêmica desenvolvida por alunos de graduação nas universidades brasileiras em diversas áreas do conhecimento. Os alunos desenvolvem seu projeto de pesquisa (coletivo ou individual), acompanhados por um professor orientador, que pode estar ligado ou não a um laboratório de pesquisa ou a algum centro de pesquisa financiador (por exemplo: CAPES, CNPq, PIBIC, FAPESP etc.). Desde 2016, o valor da bolsa de iniciação científica varia de R$ 400 a R$ 700 mensais aproximadamente, a depender da agência de fomento. (Adaptado de https://pt.m.wikipedia.org. Acessado em 25/10/2021.)

Para escrever seu manifesto, leve em conta a coletânea de textos a seguir:

1. A bióloga Thabata Cavalcanti dos Santos, 27 anos, faz mestrado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela ingressou no curso em 2021, ciente das dificuldades que iria encontrar em tempos da pandemia da Covid-19, mas não achou que seria tão difícil a ponto de pensar em desistir. A estudante sabe que sua trajetória profissional é fruto de anos de investimento de recursos públicos. Foi aluna da escola pública e entrou na universidade por meio da lei de cotas. “Sempre agarrei as oportunidades com todas as minhas forças. Mas vejo que o que demorou anos e anos para o país construir, na área de ciências, está sendo destruído na canetada por um Governo”, afirma. Sem incentivo financeiro para pesquisa, ela não consegue vislumbrar um futuro. Relatos como o de Thabata Santos são comuns hoje na área de ciências do Brasil. “Hoje formamos profissionais para trabalhar no exterior”, lamenta Denise Freire, pró-reitora de pós-graduação e pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Freire lembra que são necessários anos de investimentos públicos em educação básica, saúde, universidade, mestrado e doutorado. E no momento em que o profissional está pronto para começar a dar retorno ao país, ele precisa sair de sua área de atuação em busca de oportunidades. “Temos fuga de cérebro para trabalhos precarizados. Estamos entregando de mão beijada um patrimônio nacional.” (Adaptado de Regiane Oliveira, Pesquisadores se formam para trabalhar no exterior sob desmonte da ciência nacional. 08/11/2021. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2021-11-08/pesquisadores-se-formam-para-trabalhar-no-exterior-sob-desmonte-da-ciencia-nacional.html?utm_medium=Social &utm_source=Twitter&ssm=TW_BR_CM#Echo box=1636379412. Acessado em 21/11/2021.)

2. 

(Adaptado de Herton Escobar, Orçamento 2021 condena ciência brasileira a “estado vegetativo”. 29/01/2020. Disponível em https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/orcamento2021-coloca-ciencia-brasileira-em-estado-vegetativo/. Acessado em 25/11/2021.)

3. 

(Disponível em https://horadopovo.com.br/manifestantesrepudiam-em-todo-o-pais-os-cortes-na-ciencia-feitos-porbolsonaro/. Acessado em 03/12/2021.)

4.  Nos últimos anos, a ciência brasileira tem sido alvo de repetidos cortes orçamentários. Esses cortes ameaçam projetos científicos e tecnológicos que estão em andamento, como também projetos futuros, o que inclui o financiamento de bolsas de estudo para jovens pesquisadores que estão no início da carreira científica. No Brasil, jovens pesquisadores em programas de mestrado e doutorado ganham, respectivamente, uma bolsa de estudos de R$ 1.500 e R$ 2.200 mensais, e esses valores não são ajustados desde 2013. Com a alta dos preços de produtos e serviços, o poder de compra das bolsas diminuiu em mais de 60%. A maioria dos estudantes depende exclusivamente dessa renda mensal para manter sua alimentação, saúde, moradia, vestimenta e transporte. Em muitos casos, ainda dão suporte no sustento da família. Como jovens pesquisadores brasileiros, nós exigimos suporte financeiro adequado. Se o Brasil não reavaliar imediatamente seu orçamento para ciência e tecnologia, o país corre o risco de perder toda uma geração de cientistas brasileiros. (Adaptado de texto de manifesto coletivo, intitulado Sobrevivendo como um jovem pesquisador no Brasil. Traduzido de Surviving as a young scientist in Brazil. Disponível em https://www.science.org/doi/10.1126/science.abm8160. Acessado em 21/11/2021.)

Você deverá escolher apenas UMA das propostas para desenvolver. Não se esqueça de marcar a proposta escolhida na folha de resposta reservada para a Redação.



Comentários

Proposta 1

Neste ano, a Unicamp apresentou aos alunos a possibilidade de trabalhar com dois gêneros que já haviam sido cobradas em vestibulares anteriores. O universo dos gêneros produzidos na internet - como o post da proposta 1 - já havia aparecido em 2011 e 2012, a partir de propostas de escrita de comentários, e, mais recentemente, em 2019, com uma postagem. Já o manifesto – proposta 2 – foi uma das alternativas do vestibular de 2012.

Tal fato demonstra que os candidatos podem e devem se preparar para a prova estudando os vestibulares anteriores, afinal, considerando-se o efeito surpresa gerado pelas propostas de redação da Unicamp (uma vez que o candidato descobre os gêneros apenas quando a prova se inicia), um candidato que já tenha alguma familiaridade com os gêneros em questão pode se sentir mais confortável e seguro. Contudo, vale ressaltar que decorar características formais ou tentar reproduzir fórmulas de textos outrora bem-sucedidos não é estratégia válida para a produção de nenhuma redação, muito menos no caso da prova de redação da Unicamp, pois cada contexto comunicativo – detalhado pelos enunciados de cada proposta – gera necessidades específicas, que precisam ser atendidas de modo particular.

O post de 2022, por exemplo, coloca o candidato na pele de um(a) adolescente, influenciador digital, que se vê instigado a refletir e a escrever sobre sua própria atividade nas redes sociais. Dado que o enunciador tem um número exorbitante de seguidores, seus pais passam a ser alertados por pessoas próximas sobre os malefícios da superexposição e são aconselhados a tutelarem o jovem em sua utilização da internet; já outros, além de não verem problema na situação, enxergam nela a possibilidade de os pais lucrarem com o conteúdo postado pelo jovem. Diante dessa divisão de posicionamentos, o influenciador decide expor sua própria opinião por meio de um “textão”, conforme explicado pela própria prova, o que já revela a possibilidade de um texto com marcas de informalidade, mas adequado à norma-padrão.

Para expor seu ponto de vista a seus interlocutores, que podem ser seus seguidores e outros eventuais leitores – afinal um texto publicado na internet costuma ter uma circulação muito ampla – o digital influencer precisa contar sua história até o momento em que se torna um influenciador (e para tanto poderia utilizar o texto III, que conta a história do canal “Vida de Amy”, como inspiração), descrever suas impressões com essa atividade e defender uma posição sobre o fato de haver crianças e adolescentes que se tornam influenciadores.

A coletânea oferece uma série de recursos para que tal propósito seja cumprido, pois o candidato, a partir do texto I, teria a possibilidade de discorrer sobre algum caso de cyberbullying que tenha vivenciado ou testemunhado e alertar sobre esse risco. O texto II poderia inspirar uma reflexão e/ou o relato de uma experiência sobre o controle parental, mostrando como isso pode ser necessário para que o jovem seja resguardado dos perigos digitais. O texto IV, por sua vez, oferece subsídios para uma análise sobre os malefícios da monetização do conteúdo produzido por jovens influenciadores que, dentre outras coisas, incentiva o consumismo para os seguidores e para o próprio jovem.

Em resumo, o candidato poderia fazer uma série de paralelos entre os excertos que compõem a coletânea, de modo a contar sua história e, a partir de suas experiências, revelar seu posicionamento sobre o assunto. Uma vez que o enunciador proposto é um jovem influenciador digital com milhões de seguidores, não é de se estranhar que ele defenda que crianças e/ou adolescentes possam ocupar esse espaço, contudo, era necessário demonstrar criticidade em relação aos malefícios individuais e coletivos desse tipo de atividade, além de refletir sobre o papel dos pais, da sociedade e das próprias mídias digitais na diminuição dos impactos negativos que uma exposição precoce à internet pode proporcionar.

Proposta 2

Já a proposta 2 coloca o candidato no papel de um universitário – estudante de geografia – que se vê às voltas com os percalços enfrentados pela ciência brasileira especialmente no último ano, o que o compele à escrita de um manifesto. Vale ressaltar, entretanto, que diferentemente do contexto anterior – quando a enunciação levava em consideração o caso de uma pessoa em específico – nesse novo contexto, a coletividade assume a voz textual, pois o estudante não falará apenas por si mesmo, mas por todos os jovens pesquisadores que enfrentaram situações análogas à enfrentada por ele. Sendo assim, o caráter coletivo do manifesto poderia proporcionar um texto escrito a partir da 1ª pessoa do plural (nós). Ainda em relação à interlocução, há outra diferença entre a proposta 1 e a 2, dado que no primeiro caso, o influenciador escreve a seguidores e leitores genéricos, mas, no segundo, o manifesto deve ser dirigido aos participantes da reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Em relação ao gênero, o tom de protesto de um manifesto corresponde de forma bastante adequado ao item “c” da proposta, uma vez que, ao redigir a convocatória, o candidato acaba por configurar o que é a função ordinária de um manifesto – congregar pessoas em torno de uma causa. Essa observação é necessária para que o candidato compreenda que a leitura é base para a construção de qualquer gênero cobrado pela prova da Unicamp e que, ainda que ele nunca tivesse tido contato com um manifesto, ao compreender a necessidade comunicativa posta em jogo, ele conseguiria cumprir com o gênero solicitado.

Sobre os demais comandos de prova - assim como na proposta 1 - o vestibulando atento à coletânea encontraria todos os subsídios necessários para desenvolvê-los. O item “a” (“apontam o corte de verbas destinadas à ciência e à pesquisa no Brasil”), por exemplo, é respaldado pelo texto II, que demonstra com riqueza de detalhes, a partir de dados numéricos, o corte de verbas que precisa ser apontado como ponto de partida para a contextualização do desmonte da ciência brasileira. O item “b” (“denunciam os consequentes prejuízos desses cortes”), por sua vez, está embasado pelo texto II, que descreve exatamente as consequências dos cortes, a saber: a fuga de cérebros para o exterior e para trabalhos que não proporcionam o desenvolvimento científico, e a perda de recursos públicos investidos na formação de um pesquisador que, no futuro, provavelmente não terá condições de atuar em sua área. Por fim, retomando o item “c” (“convocam a comunidade científica para o repúdio a essa política de sucateamento da ciência e da pesquisa em curso no Brasil atual”), nota-se que a fotografia reproduzida do periódico “Hora do Povo” pode funcionar como inspiração para a criação do tom de convocação e de repúdio contras as recentes ações do governo federal que ameaçam a pesquisa científica brasileira.

O último excerto – texto IV – merece uma observação especial, pois, diferentemente do que costuma aparecer na coletânea, é trecho de um manifesto, exatamente o gênero solicitado pela prova. Sendo assim, o trecho poderia servir como norte para a produção de um projeto de texto autoral por parte do candidato. Além disso, o manifesto “Sobrevivendo como um jovem pesquisador no Brasil” poderia também ser aproveitado para a produção do item “b”, já que apresenta outra consequência do corte de verbas da ciência brasileira, que é a precarização da vida dos pesquisadores que, a despeito dos desmandos governamentais, seguem o propósito de se dedicarem à ciência brasileira.

Por fim, resta observar que a prova foi bastante coerente e combativa, seguindo o que tem sido feito nos últimos anos pelo vestibular da Unicamp.

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O seminário dos Ratos

“Lygia é uma escritora que trabalha com mistérios e pequenas revelações. Porém não se entenda errado: sua escrita não é religiosa, nem mística. Se há religiosidade, é no modo como ela escava a banalidade em busca de seu miolo. Se há misticismo, ele se esconde em sua inclinação para valorizar as zonas subterrâneas da existência.”

(José Castello, “Lygia na penumbra” in Seminário dos Ratos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 170.)

“Etimologicamente, o grego alegoria significa ‘dizer o outro’, dizer alguma coisa diferente do sentido literal. Regra geral, a alegoria reporta-se a uma história ou a uma situação que joga com sentidos duplos e figurados, sem limites textuais (pode ocorrer num simples poema como num romance inteiro), pelo que também tem afinidades com a parábola e a fábula.”

(Adaptado de Carlos Ceia, E-dicionário de termos literários. Disponível em https://edftl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/alegoria. Acessado em 18/08/2021.)

a) No conto “Seminário dos ratos”, há um fato banal que se torna extraordinário no percurso narrativo. Descreva esse fato e apresente dois elementos do enredo que colaboram para a construção do conflito narrado.

b) Há, no conto de Lygia Fagundes Telles, a elaboração de uma alegoria. Identifique qual é o elemento central dessa alegoria e explique seu sentido, considerando o período em que o conto foi publicado.



Resolução

a) Tendo em vista o percurso narrativo de “Seminário dos ratos”, pode-se considerar que a realização do “VII Seminário dos Roedores” é, em si, o fato banal que virá a se tornar extraordinário. Essa banalidade é expressa na informação de que se trata do sétimo Seminário, ou seja, na situação ficcional retratada, a invasão de ratos nas cidades e a organização de reuniões com o objetivo de combatê-los já haviam se tornado episódios comuns na rotina da sociedade. Os próprios jornais citados na conversa entre o Chefe das Relações Públicas e o Secretário do Bem Estar Público e Privado mostram o quanto tais reuniões já haviam se tornado banais, visto que criticam o governo por não ter resolvido o problema, pois, embora estivessem já no sétimo Seminário, a “população ratal” havia se multiplicado sete mil vezes após a realização do primeiro encontro. No decorrer da narrativa, porém, o VII Seminário ganha proporções extraordinárias, pois, os ratos, de forma aparentemente organizada, invadem o casarão onde o evento estava sendo realizado, matam os participantes, destroem tudo e, ao final, se reúnem na sala dos debates com as luzes acesas. Dessa forma, o que seria um Seminário dos humanos sobre os roedores, se transforma num seminário organizado pelos próprios ratos sobre os humanos.

Dentre os elementos do enredo que colaboram para a construção do conflito narrado, pode-se citar o fato de que o Seminário foi organizado numa mansão localizada no campo, distante do contexto urbano, o que contribui para a sensação de isolamento. Além disso, os eventos relacionados à invasão dos ratos começaram a ocorrer no início da noite, momento propício para a manifestação de acontecimentos extraordinários. Pode-se mencionar também a ocorrência de barulhos estranhos percebidos inicialmente pelo Secretário que os compara a tremores de intensidade variada; num primeiro momento, somente esse personagem percebia tais barulhos enquanto o Chefe das Relações Públicas dizia não ouvir nada. Essa disparidade de percepções contribui para a criação de um clima de mistério na narrativa. Outros acontecimentos ajudam a construir o conflito do conto: o Diretor das Classes Conservadoras armadas e desarmadas sente um cheiro estranho nas dependências do casarão e reclama que o telefone está mudo, elementos que anunciam a presença dos ratos e aumentam a percepção de isolamento. Diante da notícia de que os ratos haviam invadido a cozinha, o Chefe das Relações Públicas decide ir de carro até a cidade procurar ajuda, entretanto, é informado que os carros não podem sair, pois os cabos foram todos roídos. O próprio relato do cozinheiro apresenta elementos insólitos, pois, durante a invasão da cozinha, os ratos aparentavam adotar comportamentos humanos, sendo que um deles ficou em pé para atacar o cozinheiro. Todos esses episódios podem ser apontados como elementos que contribuem para a construção do conflito do conto, uma vez que permitem supor que a invasão dos ratos foi planejada e organizada pelos próprios roedores.

b) A coletânea de contos “Seminário dos Ratos”, de Lígia Fagundes Teles, foi publicada em 1977, num dos períodos mais difíceis da ditadura cívico-militar instaurada no Brasil. De acordo com a definição de Ceia, para quem “a alegoria reporta-se a uma história ou a uma situação que joga com sentidos duplos e figurados”, pode-se considerar a narrativa de Teles como uma alegoria desse período da história brasileira. O elemento central dessa alegoria são os ratos que invadem o casarão, eliminam os organizadores do evento e tomam o controle, realizando o seu próprio seminário. Considerando que os responsáveis pelo Seminário eram membros do governo e autoridades que representavam o poder estabelecido, pode-se propor a hipótese de que a narrativa seja uma fábula a respeito da tomada de poder por parte do povo. Nesse sentido, os ratos representariam a população marginalizada e desprezada pelos donos do poder que agiriam de maneira secreta com a finalidade de exterminá-la. Sozinhos, os ratos não têm força, são perseguidos e facilmente acuados, porém, ao se unirem e agirem de maneira organizada, tornam-se tão poderosos a ponto de conseguirem vencer seus opressores e tomarem o poder. Esse seria, portanto, um dos sentidos possíveis do conto que, ao apelar para a narrativa de eventos fantásticos e extraordinários, apontaria para uma possível ação política contra a ditadura.

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Camões Lírica de Camões

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,

A força, a arte, a manha, a fortaleza,

O tempo acaba a fama e a riqueza,

O tempo o mesmo tempo de si chora.

 

O tempo busca, e acaba o onde mora

Qualquer ingratidão, qualquer dureza,

Mas não pode acabar minha tristeza,

Enquanto não quiserdes vós, senhora.

 

O tempo o claro dia torna escuro,

E o mais ledo prazer em choro triste,

O tempo a tempestade em grã bonança.

 

Mas de abrandar o tempo estou seguro

O peito de diamante, onde consiste

A pena e o prazer desta esperança.

(Luís de Camões, 20 sonetos. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 121.)

 

a) Identifique quatro antíteses poéticas constitutivas do núcleo temático desse soneto.

b) Esse soneto de Camões defende uma tese em seu percurso argumentativo. Apresente essa tese e explique as partes que constituem o percurso argumentativo do poema.



Resolução

a) O núcleo temático do soneto centra-se na ação implacável do tempo que transfigura tanto a vida humana, a natureza e até a si mesmo. Ao retratar esse efeito, o poeta mobiliza, na terceira estrofe, uma série de pares de antíteses para ressaltar a ação transformadora do tempo que o “claro dia torna escuro”; transforma o “ledo prazer em choro triste” e a “tempestade em grã bonança”.

Entretanto, a tristeza do eu-lírico parece estar fora da jurisdição do tempo, uma vez que o seu término depende da Senhora que, inabalável, não corresponde a seus sentimentos. Dessa forma, ao ressaltar a ação avassaladora do tempo, o poeta pretende enaltecer o seu amor pela dama que, embora não correspondido, permanece inalterável. Assim, no último verso, encontramos a antítese “pena e prazer”, sentimentos opostos vividos pelo amante em decorrência de sua paixão não realizada.

b) A tese apresentada por Camões nesse soneto é a de que a ação do tempo é implacável; tal proposição é apresentada no primeiro quarteto, no qual o poeta apresenta a força do tempo frente às vaidades e grandezas humanas (arte, manha, fortaleza, fama e riqueza) e frente a si próprio visto que “o tempo o mesmo tempo de si chora”. Na segunda estrofe, porém, o poeta declara que sua tristeza não se enfraquece diante da passagem do tempo. Fugindo a seu domínio, esse sentimento está sujeito à vontade da Senhora que, indiferente às dores do eu-lírico, não corresponde a seu amor, mantendo-o, assim, numa situação de constante desconsolo. Na terceira estrofe, recorrendo às antíteses, o poeta volta a enfatizar os efeitos transformadores do tempo sobre os afetos humanos e sobre a natureza, o que cria a expectativa de que, em algum momento, a “bela dama sem misericórdia” também irá sucumbir e corresponder aos sentimentos do eu-lírico.

Entretanto, a conjunção adversativa que abre o último terceto assinala uma guinada na argumentação. Nesse trecho, o poeta declara estar seguro de que será o “peito de diamante” da Senhora a abrandar o tempo. A expressão “peito de diamante” é uma metáfora para o coração frio e pétreo da mulher amada que, de tão duro, irá amaciar e amolecer o próprio tempo. Dessa forma, o poeta surpreende o leitor com uma conclusão inesperada que subverte a tese inicial, declarando que o coração da dama é imune aos efeitos avassaladores da passagem do tempo.

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Carta de Achamento a el-rei Dom Manoel

“Quando o batel alcançou a boca do rio já estavam ali 18 ou 20 homens pardos, todos nus, sem nenhuma coisa que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos e suas flechas. Vinham todos rijos para o batel, mas Nicolau Coelho lhes fez sinal para que pousassem os arcos e eles os pousaram. Ali não pudemos entender a fala deles nem os ouvir direito, por o mar quebrar na costa.”

(Pero Vaz de Caminha, Carta de achamento do Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2021, p. 64.)

“A primeira cena do contato, em que um imaginado ruído do mar impede a audição, vai se replicar pelo restante da carta, em que outros discursos indígenas, como a possante oratória dos antigos tupi, serão ignorados, não compreendidos ou observados com perplexidade. Numa outra cena da carta de Caminha, um ancião, visivelmente um líder tupi, recepciona os viajantes com um discurso, encarado com espanto por Pedro Álvares Cabral, que lhes vira as costas e segue sua caminhada pela ‘nova terra’.”

(Adaptado de Sheila Hue, Pero Vaz de Caminha, o ouro e as vozes silenciadas dos indígenas. Disponível em https://oglobo.globo.com/cultura/pero-vazde-caminha-ouro-as-vozes-silenciadas-dos-indigenas-25155244. Acessado em 16/08/2021.)

a) Identifique, na Carta de Pero Vaz de Caminha, dois aspectos fundamentais do projeto colonizador português. Explique esses aspectos.

b) Explique as duas cenas mencionadas na Carta de Caminha, relacionando-as à situação atual dos povos indígenas.



Resolução

a) Na carta de Achamento, destinada ao rei dom Manuel, ao relatar o encontro com os indígenas, Caminha destaca que eles estavam “todos nus, sem nenhuma coisa que lhes cobrisse suas vergonhas”. Essa observação evidencia um dos aspectos fundamentais da colonização portuguesa, na medida em que a nudez dos indígenas foi primeiramente interpretada como um sinal de sua inocência; partindo desse pressuposto, os portugueses consideram-se imbuídos de uma missão divina, qual seja, a de catequizar os índios e convertê-los ao Cristianismo. Dessa forma, cobrir sua nudez significava também impor a cultura cristã aos nativos para que eles abandonassem um modo de vida considerado bárbaro e não civilizado. A menção ao fato de que os índios pousaram os seus arcos diante do sinal de Nicolau Coelho evidencia um outro importante aspecto da colonização portuguesa. Com esse relato, o escrivão pretende informar ao rei como os portugueses deverão proceder com os nativos que aparentavam ser dóceis e submissos. Dessa forma, ele assinala que os colonizadores vão determinar os termos da relação com os índios, impondo seu domínio sobre esses povos, os quais pareciam acatar suas ordens sem apresentar resistência.

b) A cena em que um dos membros da frota de Cabral faz sinal para que os índios baixassem suas armas evidencia uma tentativa de dominação por parte dos colonizadores. Os sentidos desse gesto ecoam ainda hoje no Brasil contemporâneo, na medida em que as populações originárias são despojadas de recursos fundamentais para sua subsistência. Essa expropriação ocorre através da privação de recursos materiais como a água e a terra, necessárias para que tais populações possam manter seus modos de vida de forma autônoma. De fato, os conflitos relacionados às demarcações de terras indígenas, bem como a invasão desses territórios pelo agronegócio e pelo garimpo são um dos maiores problemas enfrentados pelos povos indígenas no Brasil contemporâneo.

Na cena em que os colonizadores tentam estabelecer uma comunicação verbal com os nativos, Caminha justica a não compreensão por parte dos portugueses mencionando o barulho do mar. Hue considera que tal motivo é imaginário, visto que a não compreensão deve-se ao fato de os navegantes desconhecerem o idioma indígena. Nesse ponto, verifica-se o quanto as diferenças culturais pesam desfavoravelmente para os indígenas que, até mesmo no contexto contemporâneo, não são compreendidos pela sociedade brasileira que continua ignorando não apenas sua língua, como também sua cultura e seus modos de vida. Num contexto de opressão, os povos indígenas do Brasil são silenciados e impedidos de se expressar de acordo com sua cultura e visão de mundo, o que configura uma espécie violência simbólica relacionada ao apagamento de sua memória.

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Roteiro função metalinguística

Leia, a seguir, um excerto do roteiro e a sinopse do filme Saneamento Básico, o Filme (2007), com direção e roteiro de Jorge Furtado.

 

Texto 1 (Roteiro)

“CENA 21 - FÁBRICA

(...)

JOAQUIM (lendo): O monstro da fossa, roteiro de Marina Marghera Figueiredo. Ah é?

MARINA: Com a colaboração de Joaquim Figueiredo.

JOAQUIM: Colaboração...

MARINA: Quem escreveu fui eu. Você só inventou a história.

JOAQUIM: Tá bom. (lendo) Nossa história começa numa pequena e tranquila comunidade ao pé de uma montanha. Uma brisa refrescante traz do vale o aroma das corticeiras em flor. (para de ler) Como é que você vai filmar isso?

MARINA: O quê?

JOAQUIM: O aroma das corticeiras em flor.

MARINA: Não vou filmar, quem vai filmar é o Fabrício.

JOAQUIM: E como o Fabrício vai filmar o aroma das corticeiras em flor?

MARINA: Isso é só um roteiro. A Marcela disse que tem que ter dez páginas, estou enrolando, só tenho três páginas prontas. Não gostou? Escreve você! (...)”

(Disponível em: http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/saneam1.txt. Acessado em 21/06/2021.)

 

Texto 2 (Sinopse)

“Moradores de uma pequena vila se juntam para pleitear a construção de uma estação de tratamento de esgoto. Para conseguir o dinheiro, eles precisam fazer um filme de ficção.”

(Disponível em: https://globoplay.globo.com/saneamento-basico-o-filme/t/fcDXBmQBH1. Acessado em 21/06/2021.)

 

a) Considerando a função dos gêneros textuais roteiro cinematográfico (texto 1) e sinopse (texto 2), cite duas características que lhes são comuns e duas que os diferenciam.

b) O uso da metalinguagem torna humorística a cena 21 do roteiro. Selecione dois trechos e explique, a partir deles, como o humor é produzido.



Resolução

a) O roteiro cinematográfico constitui um documento escrito no qual se apresentam os elementos que comporão uma obra cinematográfica. Semelhante ao texto teatral, o roteiro deve conter, como sua parte principal, as falas determinadas das personagens que interagem na história, indicando, antes de cada elemento que apresenta o discurso direto, a determinação de quais personagens devem proferir a fala. Contudo, além das indicações dos diálogos, ele deve servir como orientação principal para compor cenários, ações, gestos, iluminação (no teatro, chamadas de rubricas) e a divisão de atos, cenas ou ainda marcações temporais. Em suma, trata-se de um texto que se apresenta como uma antecipação para os executores da obra em si. Já a sinopse de um filme é um texto expositivo que procura resumir o conteúdo principal da obra, ressaltando características essenciais de enredo e gênero da obra de modo a possibilitar ao leitor a escolha por assistir ou não à película apresentada. 
Desse modo, observando as funções relativas a cada um desses gêneros, é possível aproximá-los em seu papel de antevisão de um produto final: o roteiro possibilita a antecipação dos elementos do objeto acabado àqueles que o executarão, enquanto a sinopse possibilita uma previsão dos elementos principais àqueles que são o objetivo último do produto, os espectadores. Também é possível apontar que ambos precisam apresentar em si os elementos essenciais do enredo da obra a que se referem, além de também, necessariamente, estabelecerem uma relação intertextual com a obra a que se relacionam. 
Quanto às diferenças, é possível observar que, enquanto o roteiro procura a totalização e apresentação de detalhes mínimos da obra, para orientar melhor a sua execução, a sinopse volta-se para o condensamento extremado, limitando-se a informações essenciais para a compreensão superficial do conteúdo da história. Além disso, a circulação dos roteiros fica circunscrita a um público pequeno e restrito, mesmo após a exibição da obra, já as sinopses circulam em jornais, revistas e sites de divulgação de filmes. Outra diferença de funções que poderia ser apontada centra-se na caracterização dos roteiros como obra pertencente ao campo literário, semelhante às peças teatrais. As sinopses, por sua vez, ficam vinculadas aos gêneros jornalísticos.

b) O trecho que apresenta a cena 21 do roteiro de Saneamento básico constrói o humor baseando-se na metalinguagem, ou seja, na utilização do próprio código do gênero roteiro para mencionar características de roteiro.
O primeiro trecho em que a metalinguagem provoca o humor é:
“JOAQUIM (lendo): O monstro da fossa, roteiro de Marina Marghera Figueiredo. Ah é?
MARINA: Com a colaboração de Joaquim Figueiredo.
JOAQUIM: Colaboração…
MARINA: Quem escreveu fui eu. Você só inventou a história.”

A comicidade se dá no diálogo entre Marina e Joaquim, quando eles referenciam o título e o termo roteiro, a partir do qual entram na discussão sobre quem são os criadores, ela alçando-se à roteirista e sendo questionada por ele, criador da história. A última fala “Quem escreveu fui eu. Você só inventou a história.”, produz o efeito humorístico por quebrar a expectativa em relação à ideia de criação da narrativa.

O segundo trecho em que a metalinguagem provoca o humor é:
“MARINA: Isso é só um roteiro. A Marcela disse que tem que ter dez páginas, estou enrolando, só tenho três páginas prontas. Não gostou? Escreve você! (...)”
Nessa fala, Marina cria o efeito cômico por deixar explícito que a composição do roteiro não precisaria ter função de realmente desenvolver a história, bastaria que tivesse o número de páginas aproximado, ou seja, a própria fala apresenta uma crítica a certos alongamentos despropositados da história.
 

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Semântica intertexto

A imagem e o excerto abaixo foram extraídos do livro do artista plástico Mulambö.

Texto 1

Texto 2

“Através da ideia de referências e tudo mais, penso na minha figura como força. Um corpo periférico sorrindo e criando é inspiração porque crescemos sem saber que é possível. (...) No começo do meu trabalho, eu não tive referências de artistas negros, suburbanos ou qualquer outro tipo de coisa que dialogasse comigo. Nossas mãos são normalmente relacionadas a trabalhos braçais, subalternos e tudo mais, então eu sempre procurei mostrar meus braços fazendo os trabalhos. Não no sentido de valorizar o precário, romantizar o processo e blá blá blá, a ideia era justamente o contrário, sabe? Mostrar que para aquele trabalho acontecer tive que catar madeira na rua, porque não tinha dinheiro pra tela. (...). Sou Mulambö e sou João. Meu trabalho somos nós, mesmo que eu seja um só.”

(Fonte: Mulambö. Mulambö - o livro. Edição do autor, 2020, pp. 28-30.)

a) Qual o significado da expressão “blá blá blá”? Explique o sentido que essa escolha lexical assume nesse texto.

b) O texto 1 traz a reprodução da obra Queria um pincel me deram uma vassoura. Relacione a obra e seu título com a ideia de “escassez de referências” de que o artista fala no texto 2.



Resolução

a) A expressão ‘blá-blá-blá” é originária da onomatopeia imitativa do verbo francês “blaguer”, o qual tem o sentido de ‘dizer coisas engraçadas, coisas das quais se ri”. No contexto brasileiro, essa expressão, quando empregada, apresenta o sentido de ‘conversa vazia, desprovida de conteúdo relevante’, ‘exposição extensa, possivelmente farta de afirmações irrelevantes ou falsas’ ou ainda, sinteticamente, ‘falatório’. No texto de Mulambö, a expressão é empregada no trecho “Não no sentido de valorizar o precário, romantizar o processo e blá-blá-blá”. Nesse contexto específico, essa expressão assume o sentido semelhante ao termo ‘etc’, ‘e demais coisas’, ou ainda, ‘e todo o resto’. Isso ocorre, porque ele pressupõe que as ideias presentes anteriormente no texto - ‘valorizar o precário’ e ‘romantizar o processo’ - já são de conhecimento compartilhado por seu leitor; tornando-se desnecessário, pois, apresentar os outros elementos que as seguiriam. Desse modo, o emprego de “blá-blá-blá” caberia perfeitamente e seria facilmente preenchido pelo interlocutor. 

b) No texto 1, pode ser observada uma vassoura posicionada na vertical e invertida em sua posição comum. O seu título, apresentado em negrito, no lado inferior esquerdo “Queria um pincel me deram uma vassoura” aponta uma série de informações a respeito de sua composição. O primeiro elemento indica que o artista buscou as referências comuns àqueles que compõe artes plásticas, ou seja, um pincel. O segundo elemento aponta para o fato de que, em vez do objeto pretendido, terem lhe dado outro cuja finalidade inicial é a limpeza e não a constituição de uma peça artística. Cabe ainda acrescentar que a descrição em si da obra também reforça os elementos anteriores, na medida que no lugar do comum ‘óleo sobre tela’, lido em descrições de quadros feitos usando pincéis, o que se apresenta é uma ‘pintura sobre vassoura’. Ao longo do texto 2, Mulambö, já de início, apresenta que corpos periféricos criando por si só já se constituem como referências justamente em razão de não haver “referências de artistas negros ou qualquer outro tipo de coisa” com que ele pudesse dialogar. Na sequência, aponta que as suas mãos “são normalmente relacionadas a trabalhos braçais, subalternos” como a vassoura explicita no Texto 1 e, por essa razão, ele procura mostrar os “braços fazendo os trabalhos”. Dessa forma, o artista, consegue indicar que não havia referências no campo artístico nas quais se basear (a escassez), ao mesmo tempo em que demonstra que as únicas referências eram os trabalhos braçais e subalternos geralmente executados pelos povos periféricos, portanto retira deles sua base de composição.
 

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Interpretação de Textos

Numa questão da 1ª Fase do vestibular Unicamp 2022, você leu que, na tradição dos povos indígenas, todo conhecimento de plantas, de cura, de mitos e narrativas é produzido de maneira oral, transmitido por seus anciãos e anciãs; deste modo, tal conhecimento precisa ser registrado e mantido pelos jovens. Leia, agora, o texto a seguir:

Em junho de 2020, o pesquisador Fernando Cespedes transformou sua tese de doutorado (USP-2019) em podcast para levá-la a um público mais amplo. “É muito importante criar um ambiente sonoro de alta-fidelidade e que faça o ouvinte mergulhar nos sons, porque a ideia é recriar uma experiência de contação de histórias”, explica. Assim como o texto escrito, os sons são elementos narrativos, e tanto o ritmo quanto o desenho de som são essenciais para revelar o ser-sonoro e captar a atenção do ouvinte.

“A escuta nos obriga a reconhecer tudo o que está ao redor, já que ela não reconhece barreiras”, reflete o pesquisador. E aponta a dominação histórica da visão, no mundo europeu, como responsável por isolar e transformar em objeto tudo que está fora. “Não há pálpebras nos ouvidos. Então, o principal ganho de cultivarmos uma relação mais sonora com o mundo é nos aproximarmos e nos incluirmos nele, abandonarmos a ideia de um mundo externo, fora de nós. Foi essa noção de um mundo externo – que pode ser domado ou conquistado – que guiou o colonialismo e a pior face do capitalismo. Não é à toa que sociedades nas quais a escuta é elemento central são mais sustentáveis e integradas aos seus ambientes.”

(Adaptado de Luiz Prado, Podcasts revelam como a música cria o mundo e a humanidade. Jornal da USP, 31/08/2020.)

a) Considerando o primeiro parágrafo do texto, cite uma proposta que poderia contribuir para a conservação da memória das narrativas dos povos indígenas e justifique sua resposta.

b) Indique dois ganhos e duas perdas em nossas relações com os mundos sonoros e visuais, mencionados no segundo parágrafo.



Resolução

a) De acordo com o primeiro parágrafo, as narrativas das memórias indígenas são perpasasdas pela oralidade, portanto, para mantê-las é necessário captar e gravar os sons que fazem parte de sua composição. Sendo assim, ferramentas auditivas, como podcasts e audiolivros, e/ou audivisuais, como filmes, vídeos, documentários etc, podem ser eficazes para o registro e a propagação da história e dos saberes dos povos indígenas. 

b) Para o segundo parágrafo, dois ganhos de uma relação mais sonora com o mundo podem ser: reconhecimento mais abrangente do que está ao nosso redor e estabelecimento de uma relação mais integrada e sustentável com o ambiente. Tais ganhos se justificam pelo fato de que, para o texto, a escuta nos integra ao ambiente, portanto, ao praticar a escuta é como se estivéssemos fundidos ao espaço. Por outro lado, a visão nos separa do ambiente, fazendo com que o que é visto se transfrome em objeto, sendo assim, duas perdas desse processo são: o isolamento em relação ao espaço e a criação da noção de que o mundo visto, ou seja, o mundo externo, deve ser dominado, o que dá a base de sustentação para pensamentos de dominação. 

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

quiasmo Estrutura Vocabular - Processos de formação de palavras

Em julho de 2021, a atriz e youtuber Antônia Fontenelle fez um comentário sobre o DJ Ivis, preso por agredir sua ex-mulher, Pamella Holanda. Ao se posicionar contra as agressões, Fontenelle disse:

Criticada por celebridades da Paraíba, como o cantor Chico César e a ex-BBB Juliette, pelo uso da expressão preconceituosa “esses paraíbas”, Fontenelle tentou se explicar, afirmando, em outro tweet, se tratar de uma força de expressão: “Paraíba eu me refiro a quem faz paraibada, pode ser ele sulista, pode ser ele nordestino, pode ser ele o que for”. Em seguida, recebeu novas críticas:

a) Por que a explicação de Fontenelle continuou sendo preconceituosa? Reescreva a primeira frase do primeiro tweet, desfazendo o preconceito enunciado por ela.

b) Explique o jogo de palavras no tweet de Chico César a partir do tweet de Juliette. Em seguida, explique a característica atribuída ao termo “paraíba” pelo artista.

 



Resolução

a) O preconceito permanece presente na fala de Fontenelle em função do termo que ela utiliza: paraibada. Tal vocábulo é formado a partir do radical presente no termo Paraíba (nome do estado brasileiro), ao qual se une o sufixo -ada, usado para formar palavras que indicam ação. No contexto que emprega, procurando se explicar, Fontenelle associa a agressão de DJ Ivis, um ato criminoso e negativo, ao estado da Paraíba de forma genérica e, portanto, a todos que de lá são provenientes. Ao tentar explicar-se e dizer que quaisquer pessoas de lugares distintos poderiam cometer a ‘paraibada’, ela mantém a associação de valor pejorativo àquela região do país, explicitando novamente seu preconceito xenofóbico.
Para se desfazer o preconceito presente em seu primeiro tweet, a frase poderia ser reescrita como segue: “Esses agressores/homens/indivíduos etc fazem um pouquinho de sucesso e acham que pode(m) (sic) tudo”

b) Chico César baseia-se no dito “força de expressão”, o qual significa ‘uma maneira de falar que não apresenta o sentido literal de cada uma das palavras’. Nele, ‘de expressão’ é locução adjetiva e subordinada à ‘força’, categorizando-a. César inverte os termos, criando uma locução adjetiva com ‘força’ e subordinando-a à palavra ‘expressão’. Desse modo, faz uso retórico do quiasmo e enfatiza, portanto, o termo ‘paraíba’, origem da discussão com Fontenelle, atribuindo-lhe a ideia de ‘força’ (escrito em maiúsculas), de forma que o termo passa a designar algo de valor, de riqueza, de forte; retirando-lhe, pois, do papel inferiorizado que a atriz lhe atribuíra anteriormente.
 

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

intertexto intertextualidade literária

O excerto a seguir é da música Ismália, do artista Emicida, e é cantada no documentário AmarElo é tudo pra ontem. O trecho remete à chacina de Costa Barros, no Rio de Janeiro, em 2016. Em participação especial, Fernanda Montenegro declama o poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens (1870-1894), inserido na música do rapper.

Emicida:

Cinco vida interrompida
Moleques de ouro e bronze
Tiros e tiros e tiros
O menino levou 111
Quem disparou usava farda (Ismália)
Quem te acusou nem lá num tava
(Ismália)
É a desunião dos preto junto à visão
sagaz (Ismália)
De quem tem tudo, menos cor,
onde a cor importa demais

Fernanda Montenegro:

"Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, num desvario seu,
Na torre, pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E, como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar..."

Emicida:

Olhei no espelho, Ícaro* me encarou:
"Cuidado, não voa tão perto do sol
Eles num guenta te ver livre,
imagina te ver rei"
O abutre quer te ver no lixo pra dizer:
"Ó, num falei?!"

No fim das conta é tudo Ismália, Ismália
Ismália, Ismália
Ismália, Ismália
Quis tocar o céu, mas terminou no chão
Ter pele escura é ser Ismália, Ismália
Ismália, Ismália
Ismália, Ismália
Quis tocar o céu, mas terminou no chão
(Terminou no chão)

 

*No mito grego, Ícaro e Dédalo ficaram presos num labirinto, então construíram asas artificiais com cera e penas para fugirem voando. Dédalo alertou o filho para não voar perto do Sol, pois a cera poderia derreter; nem perto do mar, o que deixaria suas asas pesadas, fazendo-o cair. Ícaro não ouviu o conselho do pai e morreu no mar.

 

a) Quem são as “Ismálias” na música de Emicida? Transcreva dois versos desse rap que justifiquem a sua resposta.

b) O excerto traz imagens simbólicas do voo. Explique o conselho de Ícaro na música, considerando o poema declamado e a denúncia de Emicida nesse rap.



Resolução

a) No poema “Ismália”, de Guimaraens, grosso modo, é apresentada a figura da moça que sonha e procura alcançar a visão que tem do céu, da Lua, do plano superior. Em seu desvario, atira-se da torre em direção ao reflexo da Lua ansiada, o qual está projetado no mar. Assim, seu corpo retorna ao plano material, enquanto sua alma sobe ao céu, ao plano imaterial. Diferentemente da abordagem do poeta simbolista, Emicida, em sua releitura do poema, detém-se na visão do sonho não alcançado, do retorno à realidade crua e mortífera e, desse modo, resgata Ismália como aquela que procura o céu, mas acaba no chão, morta. Para ele, as ismálias são as pessoas referenciadas e ecoadas desde o início do poema, na primeira estrofe, até a totalização, ao final do trecho, em pessoas de pele escura. Essa leitura fica explícita no trecho “No fim das conta é tudo Ismália, Ismália”, pois ele marca a finalização da interlocução estabelecida com Ícaro, o qual lhe alerta que “eles num guenta te ver livre”, no qual esse interlocutor é o próprio rapper, o qual representa as negritudes. Outro trecho que deixa essa leitura explícita é “Ter pele escura é ser Ismália, Ismália”, no qual ele atribui diretamente à personagem do poema a existência numa pele escura, afirmando que essa ismália - a de pele escura - acaba no chão - morta, porque quis tocar o céu - sonhou e quis alcançar um lugar não inferiorizado. Cabe ainda acrescentar que seria possível apontar também alguns trechos da primeira estrofe, nos quais Ismália é referenciada entre parênteses, como um eco. Neles, é estabelecida uma interlocução com as vítimas da chacina e, ao mesmo tempo, essas figuras são relacionadas com essa ismália que ali aparece.
b) Na música, Ícaro aconselha o rapper a não voar tão perto do Sol, ou seja, a não buscar o sonho mais alto, não desfrutar tranquilamente, sem comedimentos, da liberdade (símbolo do voo) de buscar as grandes conquistas (o Sol). Para isso, justifica sua admoestação dizendo que “eles”, a parte dominante da sociedade e que discrimina as pessoas de pele escura - como fica explícito pela crítica do rapper - têm imensa dificuldade em vê-las livres, portanto, apresentariam ainda mais resistência caso alçassem um lugar de “rei”, os sonhos mais altos e as conquistas mais grandiosas. Dessa forma, o conselho de Ícaro, de forma simbólica, contribui para sedimentar a denúncia explícita que Emicida constrói a respeito da exclusão e massacre às quais é submetida a população negra e periférica.

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Text Comprehension Desenvolvimento Embrionário Gravidez

In May 2021, the International Society for Stem Cell Research released new guidelines that relaxed the 14-day rule, an international consensus that human embryos should be cultured and grown in the lab only until 14 days post-fertilization. The change allows scientists, in countries where it is legal, to seek permission to continue research beyond this point. Roughly between days 14 and 22, the embryo enters gastrulation. Studying later stages would allow scientists to better understand the nearly one-third of pregnancy losses and numerous congenital disabilities thought to be triggered at these points in development.

(Adaptado de The future of lab-grown embryos - 03 set 2021; Nature News - https://www.nature.com/articles/d41586-021-02400-1. Acessado em 16/09/2021.)

As respostas devem ser apresentadas em português.

a) Explique o que é a regra dos 14 dias. De acordo com o texto, que mudança essa regra sofreu recentemente e quais são os seus impactos?

b) Considerando as informações do texto e a figura dos estágios iniciais da embriogênese humana, qual é o período aproximado da implantação do embrião e onde ela ocorre? Qual é a importância da gastrulação na embriogênese?

 



Resolução

Traduzindo o texto do enunciado, temos:

Em maio de 2021, a Sociedade Internacional de Pesquisa em Célula Tronco divulgou novas diretrizes que flexibilizaram a regra de 14 dias, um consenso internacional de que os embriões humanos devem ser cultivados e desenvolvidos em laboratório apenas até 14 dias pós-fertilização. A mudança permite que cientistas, em países onde é legal, busquem permissão para continuar a pesquisa além esse ponto. Aproximadamente entre os dias 14 e 22, o embrião entra em gastrusão. Estudar estágios posteriores, permitiria aos cientistas entenderem melhor os quase um terço das perdas de gravidez e numerosas deficiências congênitas que acredita-se serem acionados nesses pontos de desenvolvimento.

Aumentando o limite

Até agora, pesquisadores têm sido capazes de estudar embriões humanos até 14 dias de desenvolvimento, que é cerca de uma semana depois que eles geralmente implantariam no útero. Se o limite for aumentado, os pesquisadores podem explorar o que acontece depois.

Vocabulário:
Sperm = esperma
Egg = óvulo
Blastocyst = blastocisto
Implantation = insseminação
Bilaminar disc = disco bilaminar
Ectoderm = ectoderma
Mesoderm = mesoderma
Endoderm = endoderma
Amniotic cavity = cavidade amniótica
Yolk sac = saco vitelino
Gastrulation = gastrulação
Primitive streak = linha primitiva

a) A regra dos 14 dias, fundamentada em questões éticas, determina um limite de tempo pós-fertilização para estudo dos embriões humanos cultivados para pesquisa. A Sociedade Internacional de Pesquisa em Célula Tronco flexibilizou a regra e permitirá que os cientistas busquem a autorização para continuar suas pesquisas para além dos 14 dias. O impacto da mudança é que será possível estudar o embrião humano em etapas posteriores e, com isso, entender os motivos de boa parte dos abortos e de inúmeras doenças congênitas, com a finalidade de preveni-las.

b) Na reprodução humana o encontro de gametas normalmente ocorre na tuba uterina. Após o encontro, o zigoto formado tem um longo caminho a percorrer e é impulsionado em direção ao endométrio uterino, mediante atividade ciliar das células epiteliais que revestem a superfície interna da tuba. Durante o percurso, o zigoto entra em processo de divisão celular e inicia a fase de morulação e, em cerca de sete dias, chega ao endométrio uterino e atinge a fase da blástula, originando o blastocisto (Blastocyst), conforme mostrado na figura da questão. Endométrio é o tecido que reveste a superfície interna do útero e é nele que ocorre a implantação (ou nidação), fenômeno necessário para que se inicie a formação da placenta e a gravidez comece. Veja abaixo a ilustração do desenvolvimento embrionário inicial e implantação do embrião 7 dias após a fertilização.

Em torno de mais sete dias o embrião avançará para a fase da gastrulação, na qual são formandos a cavidade digestória primitiva e os folhetos embrionários, que dão origem a estruturas distintas e pré-determinadas no embrião futuro. Após mais alguns dias o embrião entrará em organogênese, fase na qual esses folhetos originam órgãos como coração, rins, fígado, pâncreas, sistema nervoso, ossos, entre outros. O período da organogênese é o mais sensível, pois origina os órgãos vitais que darão suporte à vida dali em diante, falhas no processo são os principais motivos de malformações, doenças congênitas e abortos espontâneos.

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Text Comprehension Holocausto Conferências (Segunda Guerra Mundial) Ruanda Conflitos na Europa Conflitos na África

Leia o texto a seguir e responda, em português, às perguntas.

The Genocide Convention was the first human rights treaty adopted by the United Nations in December 1948 and marked the international community’s commitment to ‘never again’ after the atrocities committed during the Second World War. According to the document, genocide is a crime that can take place both in time of war as well as in time of peace. According to Article II of the Convention, “genocide means any of the following acts committed with intent to destroy, in whole or in part, a national, ethnical, racial or religious group, as such:

  •   Killing members of the group;

  •   Causing serious bodily or mental harm to members of the group;

  •   Deliberately inflicting on the group conditions of life calculated to bring about its physical destruction;

  •   Imposing measures intended to prevent births within the group;

  •   Forcibly transferring children of the group to another group.”

(Adaptado de https://www.un.org/en/genocideprevention/genocide-convention.shtml. Acessado em 17/09/2021.)

a) Por que a adoção do documento é significativa para a história? Cite e explique o acontecimento histórico que levou à criação desse documento.

b) Além do assassinato de membros de um grupo específico, cite outro ato que, segundo o Artigo II da convenção, caracteriza o genocídio. Em seguida, cite e contextualize um crime de genocídio – ocorrido após a adoção da Convenção – oficialmente reconhecido pela ONU.



Resolução

Traduzindo o texto do enunciado, temos:

Nações Unidas - Escritório de PREVENÇÃO de GENOCÍDIO e a RESPONSABILIDADE DE PROTEGER

A Convenção de Genocídio foi o primeiro tratado de direitos humanos adotado pelas Nações Unidas em dezembro de 1948 e marcou o compromisso da comunidade internacional de "nunca mais" após as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. De acordo com o documento, genocídio é um crime que pode ocorrer tanto em tempo de guerra como em tempo de paz. De acordo com o artigo II da Convenção, "genocídio significa qualquer um dos seguintes atos comprometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:
• Matar membros do grupo;
• Causar danos corporais ou mentais graves aos membros do grupo;
• Infligir deliberadamente condições de vida do grupo calculadas para causar sua destruição física;
• Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo;
• Transferir à força as crianças do grupo para outro grupo.

a) A adoção da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio é de suma importância para a história por tipificar o crime de genocídio, assim como a associação para cometer tal crime, sua incitação e também tentativas ou coautorias no crime de genocídio. O documento também é fundamental por firmar o compromisso de prevenir e punir novas ocorrências desse crime, firmando o compromisso da comunidade internacional de "nunca mais" deixar acontecer um crime semelhante. Segundo o tratado, o indivíduo ou grupo de indivíduos que cometer tais crimes deverá ser julgado e punido. O tratado atualmente faz parte do direito consuetudinário internacional, o que significa que suas determinações se aplicam inclusive a Estados que não o tenham ratificado. A partir 11 de setembro de 2015, a Assembleia-Geral da ONU proclamou o dia 9 de dezembro, data da adoção da convenção, como o Dia Internacional de Comemoração da Dignidade das Vítimas do Genocídio e Prevenção deste Crime. O acontecimento que levou à criação desse documento foi o Holocausto, que consistiu no genocídio de judeus, cometido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, tendo resultado na morte de cerca de 6 milhões de seres humanos, principalmente judeus, mas também homossexuais, deficientes físicos e mentais, ciganos, comunistas e opositores políticos ao regime nazista em geral. Entre as práticas do Holocausto estão o fuzilamento em massa, a asfixia por gases tóxicos (câmaras de gás), o aprisionamento em campos de concentração e a utilização dos prisioneiros como escravos. O Holocausto foi fruto de um processo de ódio aos judeus que se iniciou muito tempo antes: o antissemitismo, originado em diferenças religiosas e no fato de que os judeus não possuíam um Estado próprio, e da eugenia, que consistia na busca da construção de uma sociedade “perfeita” através da eliminação de pessoas consideradas indesejáveis, ideia altamente equivocada tanto do ponto de vista humano quanto do ponto de vista biológico.

b) Além do assassinato de membros de um grupo específico, segundo o Artigo II da convenção, o candidato poderia citar um dos atos abaixo, que também caracterizam o genocídio:

• Causar danos corporais ou mentais graves aos membros do grupo;
• Infligir deliberadamente condições de vida do grupo calculadas para causar sua destruição física;
• Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos dentro do grupo;
• Transferir à força as crianças do grupo para outro grupo.

Entre os crimes de genocídio reconhecidos oficialmente pela ONU estão os dois casos abaixo. Para o candidato, bastava citar e contextualizar um.

1) Genocídio em Ruanda em 1994, com o assassinato pelos hutus de cerca de 800 mil pessoas da etnia tutsi e também de adversários políticos, independentemente de sua origem étnica, em apenas 100 dias. Ruanda é um país de maioria hutu, porém, até 1959 era dominado pelos tutsis que, durante o período neocolonialista, com os domínios alemão e belga sobre a região, eram favorecidos pelos colonizadores, os quais estabeleceram parcerias com a elite econômica tutsi do país, criando fortes tensões entre as etnias tutsi e hutu. Os colonizadores europeus justificavam os privilégios aos tutsis alegando que estes eram naturalmente superiores, de acordo com o darwinismo social em voga no período. Em 1959, com a descolonização do país, Ruanda passou a ser dominada pelos hutus e diversos tutsis se refugiaram em países vizinhos. A partir da década de 1970, um golpe de estado colocou Juvénal Habyarimana, da etnia hutu, no poder. A partir da década de 1980, no entanto, o governo de Habyarimana começou a perder força, devido a uma forte crise econômica no país, e seu enfraquecimento motivou grupos tutsis a buscarem a retomada do poder. Nesse contexto, surgiu a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), grupo guerrilheiro de refugiados tutsis instalados em Uganda, que lançou ofensivas contra o governo de Habyarimana originando uma guerra civil entre 1990 e 1993. Após esse período, foi assinado um cessar-fogo entre o governo de Juvénal Habyarimana e os guerrilheiros da FPR, que garantiria o retorno dos exilados tutsis e propunha realização de eleições presidenciais no país e a criação de um exército composto tanto por tutsis quanto por hutus. O acordo desagradou grupos extremistas hutus e, quando um avião que levava o presidente do país, Juvénal Habyarimana, foi derrubado, o grupo extremista denominado Poder Hutu, convocou a população hutu a iniciar ataques contra os tutsis e deu início ao genocídio.

2) Genocídio em Srebrenica (Bósnia e Herzegovina) em 1995, com o assassinato de mais de 8 mil pessoas em apenas uma semana, durante a dissolução do Estado da Iugoslávia. A Bósnia foi um território inicialmente dominado pelo Império Romano. Pouco tempo após conquistar sua independência, a região passou a ser dominada pelos turcos otomanos, passando a ser influenciada pelo islamismo. No final do século XIX, Romênia, Sérvia e Montenegro se tornaram independentes. No início do século XX, foram deflagradas lutas por independência e, após a Primeira Guerra Mundial, surgiram os Reinos dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, reunidos sob o nome de Iugoslávia. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Bósnia foi invadida pelos nazistas, sendo seu território novamente fragmentado. Após a guerra, a junção de seis repúblicas - Bósnia-Herzegóvina, Croácia, Macedônia, Montenegro, Eslovênia e Sérvia - dá origem novamente à Iugoslávia sob o governo vitalício comunista de Josip Broz Tito, que havia liderado a resistência contra os nazistas. Com a morte de Josip Broz Tito, reacenderam-se as tensões na região, que explodiram em 1992, com a declaração de independência da Bósnia e a declaração de guerra da Sérvia, com conflitos que perduraram por quase quatro anos e tiveram entre seus momentos de maior tensão o genocídio de Srebrenica.