Leia, a seguir, um excerto do roteiro e a sinopse do filme Saneamento Básico, o Filme (2007), com direção e roteiro de Jorge Furtado.
Texto 1 (Roteiro)
“CENA 21 - FÁBRICA
(...)
JOAQUIM (lendo): O monstro da fossa, roteiro de Marina Marghera Figueiredo. Ah é?
MARINA: Com a colaboração de Joaquim Figueiredo.
JOAQUIM: Colaboração...
MARINA: Quem escreveu fui eu. Você só inventou a história.
JOAQUIM: Tá bom. (lendo) Nossa história começa numa pequena e tranquila comunidade ao pé de uma montanha. Uma brisa refrescante traz do vale o aroma das corticeiras em flor. (para de ler) Como é que você vai filmar isso?
MARINA: O quê?
JOAQUIM: O aroma das corticeiras em flor.
MARINA: Não vou filmar, quem vai filmar é o Fabrício.
JOAQUIM: E como o Fabrício vai filmar o aroma das corticeiras em flor?
MARINA: Isso é só um roteiro. A Marcela disse que tem que ter dez páginas, estou enrolando, só tenho três páginas prontas. Não gostou? Escreve você! (...)”
(Disponível em: http://www.casacinepoa.com.br/sites/default/files/saneam1.txt. Acessado em 21/06/2021.)
Texto 2 (Sinopse)
“Moradores de uma pequena vila se juntam para pleitear a construção de uma estação de tratamento de esgoto. Para conseguir o dinheiro, eles precisam fazer um filme de ficção.”
(Disponível em: https://globoplay.globo.com/saneamento-basico-o-filme/t/fcDXBmQBH1. Acessado em 21/06/2021.)
a) Considerando a função dos gêneros textuais roteiro cinematográfico (texto 1) e sinopse (texto 2), cite duas características que lhes são comuns e duas que os diferenciam.
b) O uso da metalinguagem torna humorística a cena 21 do roteiro. Selecione dois trechos e explique, a partir deles, como o humor é produzido.
a) O roteiro cinematográfico constitui um documento escrito no qual se apresentam os elementos que comporão uma obra cinematográfica. Semelhante ao texto teatral, o roteiro deve conter, como sua parte principal, as falas determinadas das personagens que interagem na história, indicando, antes de cada elemento que apresenta o discurso direto, a determinação de quais personagens devem proferir a fala. Contudo, além das indicações dos diálogos, ele deve servir como orientação principal para compor cenários, ações, gestos, iluminação (no teatro, chamadas de rubricas) e a divisão de atos, cenas ou ainda marcações temporais. Em suma, trata-se de um texto que se apresenta como uma antecipação para os executores da obra em si. Já a sinopse de um filme é um texto expositivo que procura resumir o conteúdo principal da obra, ressaltando características essenciais de enredo e gênero da obra de modo a possibilitar ao leitor a escolha por assistir ou não à película apresentada.
Desse modo, observando as funções relativas a cada um desses gêneros, é possível aproximá-los em seu papel de antevisão de um produto final: o roteiro possibilita a antecipação dos elementos do objeto acabado àqueles que o executarão, enquanto a sinopse possibilita uma previsão dos elementos principais àqueles que são o objetivo último do produto, os espectadores. Também é possível apontar que ambos precisam apresentar em si os elementos essenciais do enredo da obra a que se referem, além de também, necessariamente, estabelecerem uma relação intertextual com a obra a que se relacionam.
Quanto às diferenças, é possível observar que, enquanto o roteiro procura a totalização e apresentação de detalhes mínimos da obra, para orientar melhor a sua execução, a sinopse volta-se para o condensamento extremado, limitando-se a informações essenciais para a compreensão superficial do conteúdo da história. Além disso, a circulação dos roteiros fica circunscrita a um público pequeno e restrito, mesmo após a exibição da obra, já as sinopses circulam em jornais, revistas e sites de divulgação de filmes. Outra diferença de funções que poderia ser apontada centra-se na caracterização dos roteiros como obra pertencente ao campo literário, semelhante às peças teatrais. As sinopses, por sua vez, ficam vinculadas aos gêneros jornalísticos.
b) O trecho que apresenta a cena 21 do roteiro de Saneamento básico constrói o humor baseando-se na metalinguagem, ou seja, na utilização do próprio código do gênero roteiro para mencionar características de roteiro.
O primeiro trecho em que a metalinguagem provoca o humor é:
“JOAQUIM (lendo): O monstro da fossa, roteiro de Marina Marghera Figueiredo. Ah é?
MARINA: Com a colaboração de Joaquim Figueiredo.
JOAQUIM: Colaboração…
MARINA: Quem escreveu fui eu. Você só inventou a história.”
A comicidade se dá no diálogo entre Marina e Joaquim, quando eles referenciam o título e o termo roteiro, a partir do qual entram na discussão sobre quem são os criadores, ela alçando-se à roteirista e sendo questionada por ele, criador da história. A última fala “Quem escreveu fui eu. Você só inventou a história.”, produz o efeito humorístico por quebrar a expectativa em relação à ideia de criação da narrativa.
O segundo trecho em que a metalinguagem provoca o humor é:
“MARINA: Isso é só um roteiro. A Marcela disse que tem que ter dez páginas, estou enrolando, só tenho três páginas prontas. Não gostou? Escreve você! (...)”
Nessa fala, Marina cria o efeito cômico por deixar explícito que a composição do roteiro não precisaria ter função de realmente desenvolver a história, bastaria que tivesse o número de páginas aproximado, ou seja, a própria fala apresenta uma crítica a certos alongamentos despropositados da história.