O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza,
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora.
O tempo busca, e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza,
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, senhora.
O tempo o claro dia torna escuro,
E o mais ledo prazer em choro triste,
O tempo a tempestade em grã bonança.
Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
(Luís de Camões, 20 sonetos. Campinas: Editora da Unicamp, 2018, p. 121.)
a) Identifique quatro antíteses poéticas constitutivas do núcleo temático desse soneto.
b) Esse soneto de Camões defende uma tese em seu percurso argumentativo. Apresente essa tese e explique as partes que constituem o percurso argumentativo do poema.
a) O núcleo temático do soneto centra-se na ação implacável do tempo que transfigura tanto a vida humana, a natureza e até a si mesmo. Ao retratar esse efeito, o poeta mobiliza, na terceira estrofe, uma série de pares de antíteses para ressaltar a ação transformadora do tempo que o “claro dia torna escuro”; transforma o “ledo prazer em choro triste” e a “tempestade em grã bonança”.
Entretanto, a tristeza do eu-lírico parece estar fora da jurisdição do tempo, uma vez que o seu término depende da Senhora que, inabalável, não corresponde a seus sentimentos. Dessa forma, ao ressaltar a ação avassaladora do tempo, o poeta pretende enaltecer o seu amor pela dama que, embora não correspondido, permanece inalterável. Assim, no último verso, encontramos a antítese “pena e prazer”, sentimentos opostos vividos pelo amante em decorrência de sua paixão não realizada.
b) A tese apresentada por Camões nesse soneto é a de que a ação do tempo é implacável; tal proposição é apresentada no primeiro quarteto, no qual o poeta apresenta a força do tempo frente às vaidades e grandezas humanas (arte, manha, fortaleza, fama e riqueza) e frente a si próprio visto que “o tempo o mesmo tempo de si chora”. Na segunda estrofe, porém, o poeta declara que sua tristeza não se enfraquece diante da passagem do tempo. Fugindo a seu domínio, esse sentimento está sujeito à vontade da Senhora que, indiferente às dores do eu-lírico, não corresponde a seu amor, mantendo-o, assim, numa situação de constante desconsolo. Na terceira estrofe, recorrendo às antíteses, o poeta volta a enfatizar os efeitos transformadores do tempo sobre os afetos humanos e sobre a natureza, o que cria a expectativa de que, em algum momento, a “bela dama sem misericórdia” também irá sucumbir e corresponder aos sentimentos do eu-lírico.
Entretanto, a conjunção adversativa que abre o último terceto assinala uma guinada na argumentação. Nesse trecho, o poeta declara estar seguro de que será o “peito de diamante” da Senhora a abrandar o tempo. A expressão “peito de diamante” é uma metáfora para o coração frio e pétreo da mulher amada que, de tão duro, irá amaciar e amolecer o próprio tempo. Dessa forma, o poeta surpreende o leitor com uma conclusão inesperada que subverte a tese inicial, declarando que o coração da dama é imune aos efeitos avassaladores da passagem do tempo.