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Fuvest 2022 - 2ª fase


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Redação

Texto 1:

Por que rimos? Ninguém sabe. O riso tem uma qualidade universal: todas as culturas têm seus contadores de piadas. E, mesmo que a piada tenha graça só para uma cultura, as pessoas reagem sempre da mesma forma. Não importa se a língua é completamente diferente, se a pessoa é da Mongólia, um aborígene australiano ou um índio tupi, o riso é sempre muito parecido, uma reação física a um estímulo mental. 

Marcelo Gleiser. Sobre o riso. http://www1folha.uol.com.br/fsp/ciencia/

 

Texto 2:

Para compreender o riso, impõe-se colocá-lo em seu ambiente natural, que é a sociedade; impõe-se sobretudo determinar-lhe a função útil, que é uma função social (...). O riso deve corresponder a certas exigências da vida comum. O riso deve ter uma significação social. 

Henri Berdson. O riso.

 

Texto 3:

Estudado com lupa há séculos, por todas as disciplinas, o riso esconde seu mistério. Alternadamente agressivo, sarcástico, escarnecedor, amigável, sardônico, angélico, tomando as formas da ironia, do humor, do burlesco, do grotesco, ele é multiforme, ambivalente, ambíguo. Pode expressar tanto a alegria pura quanto  triunfo maldoso, o orgulho ou a simpatia. É isso que faz sua riqueza e fascinação ou, às vezes, seu caráter inquietante. 

Georges Minois. História do riso e do escárnio.

 

Texto 4:

Talvez o exemplo mais destacado de artista com um uso constante do sorriso ao longo de sua produção seja Yue Minjun, integrante do chamado Realismo Cínico chinês, que constantemente se autorretrata com sorrisos especialmente exagerados, quase maníacos. Infuenciada pela história da arte oriental em sua representação de Buda e pela publicidade, o que sua risada oculta é, na verdade, uma profunda critica política e social do país onde vive.

https://brasil.elpais.com/verne/2020-06-17/por-quertao-pouca-gente-sorri-nas-obras-de arte.html

Texto 5:

Rir é um ato de resistência.

Paulo Gustavo, ator.

 

Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: As diferentes faces do riso.
 



Comentários

A prova de Redação da Fuvest 2022 apresentou como norteadora da discussão a frase-tema “As diferentes faces do riso”. Em uma primeira leitura, este tema, especialmente em comparação aos aplicados nos últimos anos, pode parecer mais “simples” ou “superficial”, no entanto, a partir da leitura dos textos de apoio oferecidos pela prova, nota-se que as reflexões geradas por ele podem ser bastante aprofundadas e pertinentes ao momento pelo qual a sociedade (brasileira e mundial) passa atualmente.

Os textos de apoio trazem aspectos diferentes a respeito do riso, oferecendo ao candidato a possibilidade de optar por uma reflexão mais aprofundada sobre um ou mais desses aspectos, bem como a possibilidade de complementar sua discussão a partir de elementos vindos de sua formação cultural e acadêmica. É importante frisar que, quaisquer que sejam os elementos escolhidos para embasar a argumentação, todos devem estar bem desenvolvidos em favor de um projeto de texto claro e coeso.

O texto 1, de autoria do físico Marcelo Gleiser, destaca duas premissas importantes acerca do riso: é uma reação universal e, ainda que o motivo do riso seja variável a depender da cultura, a reação física observada no riso é sempre muito parecida. O candidato poderia usar esse texto para desenvolver a ideia de que, sendo uma reação universal, o riso pode, por exemplo, funcionar também como uma linguagem universal, no sentido de que questões sociais relevantes podem ser debatidas tendo o riso como ferramenta principal.

O texto 2 é de autoria do filósofo francês Henri Bergson e trata do caráter social do riso. Nas palavras do autor, “o riso deve ter uma significação social”, de que se pode extrair a noção de que o riso nunca está desarticulado do funcionamento de uma sociedade. Nesse sentido, o riso é necessariamente gerado a partir de um elemento compartilhado socialmente. Cada cultura, cada sociedade, portanto, elege involuntariamente aquilo que pode causar o riso. Tal constatação poderia ser usada pelo candidato no sentido de reafirmar a importância do coletivo nas diferentes faces do riso.

A partir das considerações feitas no texto de Bergson, o texto 3, do historiador Georges Minois, chama a atenção do leitor para as diversas possibilidades de significação do riso em uma determinada sociedade. São muitos os sentidos que podem ser atribuídos ao riso nas diferentes situações em que ele acontece: agressivo, amável ou irônico são apenas algumas das possibilidades levantadas pelo autor. O candidato poderia usar essas ideias com a intenção de construir o teor vulnerável do riso e a forma como ele se apresenta na sociedade.

O texto 4, publicado no portal El País, destaca a arte do artista chinês Yue Minjun, que tem como marca principal a caracterização do riso a partir de formas exageradas das bocas e dentes representados em suas obras tidas como autorretratos. O texto chama a atenção, ainda, para o fato de que essas pinturas atribuem, por vezes, um caráter “quase maníaco” aos exagerados sorrisos. A obra destacada (Blue sky and white clouds, 2013) mostra um homem usando apenas roupas íntimas e com uma expressão corporal que pode indicar tanto uma certa introspecção como uma tentativa de proteção: os braços cruzados à frente do tronco levemente curvado. Em contraste, os olhos fechados e a boca aberta com vários dentes formando um grande sorriso despertam, no mínimo, a curiosidade do espectador, que se vê frente a uma figura que parece pedir socorro enquanto gargalha (talvez de forma histérica ou compulsiva). O candidato poderia trabalhar com esse texto para caracterizar o riso como uma das formas com as quais os humanos lidam com seus incômodos, sendo a arte uma interessante via de reflexão acerca dessa potencialidade.

Para encerrar a coletânea, ainda em associação à arte como forma de reflexão, o texto 5 traz uma frase do ator e comediante Paulo Gustavo, falecido em maio de 2021 em decorrência de complicações causadas pela Covid-19. A frase “rir é um ato de resistência”, ao mesmo tempo em que aponta para o riso como uma saída para possíveis situações difíceis, ressalta o poder que essa ação pode ter, quando usada de forma a fortalecer aqueles que precisam enfrentar uma dificuldade. Essa frase, bastante mencionada depois da morte do ator, sintetiza aquilo que os outros textos, de certa forma, mostraram: o riso é universal e coletivo, tem uma significação social, expressa inúmeras emoções e pode ser usado, inclusive artisticamente, como ferramenta para lidar com as diversas situações a que somos submetidos. 

De um modo geral, os textos da coletânea oferecem bases sólidas a partir das quais o candidato poderia desenvolver sua argumentação. Para a elaboração de uma boa dissertação-argumentativa, o candidato poderia se valer, como pontos de partida, de projetos de texto que contemplem as diversas possibilidades de ação do humor e que o reconheçam como uma função social importante para a coletividade.

 

Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Adjunto adverbial linguagem verbal e não verbal

Texto 1

Disponível em: https://www.publicitarioscriativos.com/21-propagandas-surpreendentemente-criativas/.Traduzido e adaptado

Texto 2

Por respeito à natureza, artista Tikuna levou 16 anos para criar um cocar

As primeiras penas de gavião real que conseguiu chegaram em 2005. Um amigo o encontrou na aldeia certa vez e ofereceu algumas penas do animal que tinha encontrado morto no meio do mato tempos antes. "Depois, em 2011, um cacique me disse que tinha algumas também, perguntou se eu queria, eram umas oito. Juntando com as que eu tinha, já dava para fazer um pedaço de cocar", conta José Tikuna.

Para completar a peça, ele precisou contar com mais doações de amigos e conhecidos. José mesmo chegou a rodar pela floresta atrás das penas do bicho, mas não encontrava nada. Os anos passavam, e ele seguia procurando e esperando.

Só em 2014 encontrou novas penas. Dessa vez, um colega o procurou para que ele usasse seus dotes artísticos para criar um amarrador de cabelo com pena. José topou fazer e ainda conseguiu ficar com algumas para colocar em seu cocar.

José lembra das conversas com amigos tocadores de tambor que sempre falavam que se um animal ou árvore sofreu ou morreu para que conseguissem produzir o instrumento musical, o mínimo que eles deveriam ter é respeito.

Paula Rodrigues. Disponível em https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2021/09/08/por-respeito-a-natureza-artista-tikina-levou-16-anos-para-criar-um-cocar.htm. 08/09/2021. Adaptado.

a) Explique o sentido da expressão "mais assustador" no contexto do anúncio, comparando-a com o processo de produção do cocar mencionado na notícia.

b) Aponte a função sintática de "por respeito à natureza" e explique como a expressão contribui para o sentido do título e do texto.



Resolução

A questão apresentava dois textos para serem lidos e relacionados. O primeiro era uma propaganda da WWF (organização não governamental internacional vinculada à conservação, investigação e recuperação ambiental) e o segundo uma notícia. Embora o conhecimento prévio a respeito da instituição contribuísse para uma resolução mais célere, ele não era imprescindível, dado que o repertório de atualidades vinculado às discussões sobre a conservação do meio ambiente é de conhecimento compartilhado. Além disso, a contextualização fornecida pelo Texto 2 e pela frase abaixo do anúncio também somariam para a interpretação devida do texto 1.

a) No anúncio, são apresentadas duas imagens acompanhadas de algumas palavras. Na primeira, vê-se, estendida ao horizonte, uma superfície de água, em cujo centro aparece a provável barbatana de um tubarão. Na parte inferior, escrita em branco, está o vocábulo “assustador”. Ao lado, é apresentada a segunda imagem pertencente ao anúncio. Nela, a mesma superfície de água está exposta, porém, sem a barbatana. Na parte inferior desta segunda imagem, por sua vez, é acrescentada a palavra “mais”, obtendo-se “mais assustador”. A divisão das duas imagens é marcada pelo símbolo da WWF e de seu slogan “Exploiting the ecosystem also threatens human lives. For a living planet” (em tradução livre: A exploração do ecossistema ameaça também vidas humanas. Por um planeta vivo). Desse modo, em função do contexto apresentado, pode-se compreender que a figura de um tubarão, na imagem 1, é geralmente encarada como assustadora, pois se trata da presença de um predador de muitos animais, neles inclusos seres humanos. Contudo, a ausência da barbatana, na segunda imagem, remete à extinção desses bichos, o que, para a anunciante, constituiria algo “mais assustador”, pois estaria vinculado à “exploração do ecossistema”, justificando o acréscimo do adjunto adverbial de intensidade "mais", ampliando o sentido de "assustador". Esse aniquilamento de um ser vivo associa-se diretamente ao que é apresentado na notícia, Texto 2, na qual é relatada a dificuldade de se encontrarem as penas de um determinado animal - o gavião real -, explicitando o desaparecimento de uma determinada espécie. Além disso, a conexão entre os dois textos fica ainda mais explícita, ao final, dada a menção ao sofrimento ou morte de animais para a produção de um instrumento musical.

b) No título do Texto 2, a expressão “por respeito à natureza” exerce a função de adjunto adverbial de causa, a qual está deslocada para o início da oração e justifica o que se apresenta na oração organizada pela forma verbal “levou”. Tal expressão contribui para apontar a razão pela qual José Tikuna tenha demorado 16 anos na criação de um cocar, pressupondo-se que a confecção de um artefato como este não deva alongar-se por tal período de tempo. Ademais, ao longo do texto, fica explícito o sentido de “respeito à natureza”, pois o artista não feriu ou matou os pássaros para consegui-las, mas esperou para obter as penas já caídas ou de animais já mortos.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Sinonímia

Fico imaginando se, em uma visita à casa de amigos, alguém me receber de cara fechada ou demorar para abrir a porta, sem demonstrar o mínimo de acolhimento. Talvez eu perca o tesão do encontro, deixando toda minha empolgação do lado de fora. Para mim, não é diferente do serviço em um restaurante. Por mais que a comida seja o ponto principal, já perdi literalmente a fome quando fui ignorado, presenciei erros e mais erros de anotações de pratos, causando estresse nos comensais e na cozinha, sem contar as atitudes desagradáveis da brigada, quando resolve dicutir no meio do salão. De outro lado, criei laços com restaurantes e bares por conta do atendimento impecável, dos quais os comes e bebes não são necessariamente maravilhosos. O fato de me sentir acolhida e bem atendida causa um grande peso naquilo que tanto se fala na gastronomia: a experiência.

Beatriz Marques. "A arte de servir". Revista Menu. Março/2019. Adaptado.

a) Explique o sentido do termo "literalmente" no trecho "Por mais que a comida seja meu ponto principal, já perdi literalmente a fome quando fui ignorada".

b) Reescreva o excerto "causando estresse nos comensais e na cozinha, sem contar as atitudes desagradáveis da brigada", substituindo os termos grifados por outros de sentido equivalente.



Resolução

A questão solicitava a explicação de sentido de um termo no seu emprego no texto e a substituição de dois termos por sinônimos equivalentes. Cabe observar e destacar que, no item ‘a’, o termo ‘literalmente’ apresentava certa dificuldade por ter um deslize de sentido comum utilizado na linguagem cotidiana.

a) No contexto apresentado no texto - um restaurante -, a enunciadora indica que, embora a comida seja o seu “ponto principal”, ela já “literalmente” perdeu a fome. Desse modo, em razão de o contexto não permitir deslizamentos de sentido, o termo “literalmente” tem como significado “exatamente”, “de modo literal”, “denotativamente”. O mesmo contexto, porém, também permitiria a interpretação de “literalmente” na segunda acepção: “completamente”, “de forma inteiriça”, pois caberia no enunciado o sentido de ela ter perdido completamente a fome. Esse uso imprimiria à frase, além do sentido literal, a informação da intensidade dada pelo sentido de completude.

Cabe ainda apontar que o termo “literalmente” tem sido usado na linguagem cotidiana, num deslize de sentido, como advérbio de intensidade, equivalente a “muito”, “excessivamente” etc., o que poderia implicar confusão para aqueles não habituados ao seu sentido formal.

b) A reescrita do excerto, substituindo os termos “comensais” e “brigada”, por vocábulos equivalentes, no contexto, poderia ficar como segue:
“causando estresse nos convivas/clientes/presentes, sem contar as atitudes desagradáveis dos atendentes/dos funcionários/dos garçons”.

O termo comensais significa exatamente “aqueles que comem à mesa”, ou simplesmente “que comem”. Por sua vez, brigada é um termo proveniente do contexto militar e significa agrupamento de tropas. Evidentemente, no contexto, ele está usado de forma metafórica e precisa, pois, apresentar não sinônimos, mas termos adequados à situação apresentada.
 

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Ambiguidade e Polissemia Subordinação poesia e música

Ela desatinou

 

Ela desatinou

Viu chegar quarta-feira

Acabar brincadeira

Bandeiras se desmanchando

E ela inda está sambando

 

Ela desatinou

Viu morrer alegrias

Rasgar fantasias

Os dias sem sol raiando

E ela inda está sambando

 

Ela não vê que toda gente

Já está sofrendo normalmente

Toda a cidade anda esquecida

Da falsa vida da avenida onde

 

Ela desatinou

Viu chegar quarta-feira

Acabar brincadeira

Bandeiras se desmanchando

E ela inda está sambando

 

Ela desatinou

Viu morrer alegrias

Rasgar fantasias

Os dias sem sol raiando

E ela inda está sambando

Quem não inveja a infeliz

Feliz no seu mundo de cetim

Assim debochando

Da dor, do pecado

Do tempo perdido

Do jogo acabado

Chico Buargue de Hollanda, 1968.

a) Explique quais são os universos em oposição apresentados na letra da canção e exemplifique com dois versos.

b) Considerando a ambiguidade presente no verso "Os dias sem sol raiando", transforme a oração reduzida de gerúndio em duas possíveis orações desenvolvidas, contemplando os diferentes sentidos do verso.



Resolução

A questão apresentava a letra da música “Ela desatinou” de Chico Buarque de Hollanda, composta, segundo informa a própria questão, em 1968.

a) Existem dois universos apresentados na letra. Um permeado pela fantasia, na qual se vivencia um mundo alegre e festivo, o qual é evocado pelos termos “brincadeira”, “sambando”, “alegrias”, “fantasias”, “sol raiando”, “feliz”, “mundo de cetim” e “jogo”, os quais remetem à presença do Carnaval, evento de festa e alegria, no qual os participantes se desprendem de obrigações e da realidade. Ele fica evidente pelo campo semântico suscitado pelos vocábulos anteriores e também pela marcação da quarta-feira como o momento que assinala o fim dessa festividade, numa referência à quarta-feira de Cinzas (data que marca o início do período da Quaresma e fim da festa do Carnaval). Podemos explicitar a presença desse universo no verso “E ela inda está sambando”, o qual marca a insistência da jovem em permanecer nesse âmbito lúdico, no desvario, o desatino evocado no título. Ele é anteposto à sua antítese - o outro universo - evocado pelos termos “desmanchando”, “morrer”, “rasgar”, “sofrendo”, “falsa vida da avenida”, “infeliz”, os quais marcam que as alegrias antes apresentadas foram terminadas e são apenas um “desatino”, a perda da razão da personagem retratada, uma fuga para um ludibriamento que não se constitui como real, como se pode explicitar nos versos “Da falsa vida da avenida onde” ou ainda “(toda gente) Já está sofrendo normalmente”. Por eles, pode-se notar a crítica do compositor ao comportamento alienado da personagem (e de “toda a cidade” que “anda esquecida”) em se deixar envolver pelas fantasias e não se atentar ao contexto vivido, da “falsa vida”, “da dor”, os quais podem remeter ao contexto político do ano de 1968, ano da promulgação do AI-5, que recrudesceu a ditadura militar no Brasil.

b) Considerando o contexto apresentado, há duas leituras ambíguas que devem ser observadas, a primeira relacionada ao sentido do termo ‘raiar’, o qual pode significar “nascer”, “surgir no horizonte” ou “irradiar”, “brilhar”, “reluzir”. A segunda situa-se na posição e vínculo da oração em si, a qual pode estar relacionada ao vocábulo “dia” ou a “sol”, classificando-se, em ambos os casos, como oração subordinada adjetiva restritiva reduzida de gerúndio. Desse modo, ela poderia ser desenvolvida da seguinte maneira: “Os dias que raiavam sem sol” e “Os dias sem sol que raiava”. Na primeira reconstrução, o sentido reside na ideia dos dias que nascem na tristeza, no universo da realidade, sem brilho e irradiação. São dias os quais, embora surjam, apresentam-se opacos e turvos em razão do contexto do entorno. Na segunda reconstrução, por sua vez, os dias apresentam um sol, contudo, trata-se de um sol que não raia, que é “da dor”, “do tempo perdido”, “do jogo acabado”, indicando a continuidade e a falta de esperança das pessoas que estão “sofrendo normalmente” nos dias que nascem, mas que estão embaciados num sol que não irradia.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

metáfora Interpretação de Textos

Existe o Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro e o Rio de Janeiro. O primeiro Rio é aquele que ainda anseia por lpanemas perdidas, de um tempo em que os amores eram recatados e silenciosos, o povo sorridente e polido, a água do mar cristalina e tépida e a música suave e gingada. O segundo Rio é a terra de ninguém, trombeteada nos noticiários de TV, em que cada esquina é um Vietnã ou Iraque e não há lugar seguro para correr. Uma cidade de favelas que cercam os redutos de cidadania, favelas dominadas por traficantes e demais bandidos que cada vez mais transbordam para o asfalto a sua violência. Mas há ainda um terceiro Rio de Janeiro. Aquele de quem anda de ônibus, compra nas bancas os jornais populares, zanza pelo camelódromo, permite-se um churrasquinho de gato com cerveja na esquina e sabe que existem muitos matizes entre o preto e o branco, a favela e o asfalto, a lei e o crime. Cidade de pessoas que, seja qual for a cor e a classe social, andam pra lá e pra cá com celulares, rádios minúsculos, CDs piratas ou não e DVDs idem. E uma cidade que pode ir do samba de roda ao techno music, da umbanda ao padre pop, do grito para a casa da vizinha à internet num microinstante. É o Rio de Janeiro que, musicalmente, não cabe mais no compasso da bossa nova – por mais que alguns tenham tentado aditivar eletronicamente o seu balanço – e nem no chamado samba de raiz, cultuado por setores jovens da classe média, mas definitivamente trocado pela grande massa pelo flexivel pagode romântico, que assume sem preconceitos as formas úteis de toda a música popular, seja ela o rock, o sertanejo, o pop negro americano.

Silvio Essinger. Batidão. Uma história do Funk. Rio de Janeiro: Record, 2005. Adaptado.

a) Aponte a figura de linguagem utilizada para descrever o "segundo Rio" e explique como o seu uso contribui para a caracterização em curso no texto.

b) Com base no texto, explique em que consiste o "terceiro Rio de Janeiro".



Resolução

No texto da questão, apresenta-se a existência de três Rios de Janeiro, os quais são descritos para o leitor, enfatizando-se o terceiro tipo.

a) A figura de linguagem predominante na construção do segundo Rio de Janeiro é a metáfora, pois o autor utiliza-se de uma sequência de atribuições figurativas diretas que constroem uma imagem a respeito da cidade, a saber, de que é “terra de ninguém”, de “que cada esquina é um Vietnã ou Iraque”. O uso dessa figura contribui para a caracterização da cidade conforme difundido em noticiários nacionais, nos quais se enfatiza o caráter violento ali presente. Nesse sentido, afirmar que se trata de “uma terra de ninguém” contribui para retratar um lugar incivilizado e sem leis, nos quais impera a desordem. Por sua vez, a aproximação das imagens do Vietnã e do Iraque, remete a contextos de guerra - no conhecimento popular -, nos quais se observa a ausência plena de segurança, o desamparo e a vulnerabilidade. Na sequência textual, a metaforização dessas imagens cria um contraste em relação ao primeiro Rio de Janeiro - mais romanesco e boêmio - e o terceiro - mais realístico e tangível.

b) O terceiro Rio de Janeiro, segundo o texto, corresponde à cidade mais real, múltipla, cotidiana e experienciada pelos moradores em sua maior parte. Trata-se de um Rio de Janeiro vivenciado pelos que utilizam o transporte público, frequentam os lugares comuns como o “camelódromo”, consomem as comidas mais simples como “um churrasquinho de gato com cerveja”, ou seja, os moradores da cidade que não pertencem à elite ou fazem parte do grupo de turistas. Além disso, pode-se dizer que é uma cidade que contempla a diversidade cultural, pois pode ir “do samba de roda ao techno music”, da “umbanda ao padre pop”. Por fim, é a cidade que se encontra entre os dois outros Rios de Janeiro: o segundo, dos noticiários, e o primeiro, histórico e apresentado para o turismo.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

charges e tirinhas linguagem verbal e não verbal

Disponivel em https://deposito-de-tirinhas.tumblr.com/post/46675766891/por-iaerte

a) Como as formas verbais "gostaria" e "acho" contribuem para a construção de sentido dos quadros 1 e 2?

b) Considerando o contexto da tirinha, como o enunciador se vê no último quadro?



Resolução

a) A forma “gostaria” (futuro do pretérito), no primeiro quadrinho, aponta para um desejo da personagem, uma vontade que não necessariamente se verifica na realidade. Essa imagem retrata uma mulher com curvas, lida como bela e feminina. No segundo quadrinho, a forma “acho” marca uma incerteza, uma suposição, e a imagem retrata uma pessoa desarrumada, que não segue os padrões sociais de beleza, ou mesmo do que se espera de um corpo feminino. Tendo em mente as significações trazidas por ambas as formas verbais e ainda a relação entre o texto e as imagens de cada quadrinho, é possível afirmar que “gostaria” e “acho” contribuem para a construção de sentidos dos quadrinhos 1 e 2, respectivamente, na medida em que explicitam as aspirações e suposições da personagem, que serão ainda contrastadas com outras duas sensações, expressas nos quadrinhos 3 e 4.

b) O último quadrinho faz uma referência ao “Poeminho do contra”, do poeta modernista Mário Quintana, reproduzido a seguir:

Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão...

Eu passarinho!

No contexto da tirinha, portanto, é possível verificar que a personagem se vê, em alguns momentos, como um passarinho, ou seja, como um ser livre que não se deixa abalar (ou “atravancar”, nas palavras de Quintana) pelas visões ou opiniões alheias. Nesse sentido, ela estaria desvencilhada de todas aquelas inseguranças que, em outros momentos, limitam-na.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

textos jornalísticos

A crise atual no mundo – no Oriente Médio, em Israel e na Palestina – não diz respeito aos valores do Islã. Não diz respeito, de jeito algum, à mentalidade dos árabes, como querem alguns racitas. Diz respeito à luta antiga entre fanatismo e pragmatismo. Entre fanatismo e pluralismo. Entre fanatismo e tolerância. O 11 de setembro não tem a ver nem mesmo com a questão de se a América é boa ou má, se o capitalismo é ameaçador ou transparente, se a globalização deveria cessar ou não. Diz respeito, isto sim, à reivindicação típica dos fanáticos: se julgo algo mau, elimino-o, junto com seus vizinhos. (...) Minha própria infância em Jerusalém tornou-me um especialista em fanatismo comparado. Jerusalém da minha infância, lá pelos idos dos anos 1940, era cheia de profetas espontâneos, Redentores e Messias. Mesmo atualmente, cada um dos jerosolimitanos tem sua fórmula pessoal de salvação instantânea. Todos dizem que vieram a Jerusalém – e aqui cito uma frase famosa de uma velha canção – para construí-la e para serem construidos por ela. De fato, alguns deles e algumas delas, judeus, cristãos e muçulmanos, realmente vieram a Jerusalém não tanto para construí-la, para serem construídos por ela, mas antes para serem crucificados, ou para crucificar outros, ou ambas as coisas. Há um transtorno mental reconhecido, uma doença mental designada "sindrome de Jerusalém": as pessoas vão pra Jerusalém, inalam o maravilhoso ar transparente da montanha e, em seguida, repentinamente, inflamam-se e põem fogo numa mesquita, numa igreja ou sinagoga. Ou, de outra forma, tiram as roupas, sobem numa pedra e começam a profetizar. Ninguém escuta, jamais.

Amós Oz. Contra o fanatismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

a) Como a "síndrome de Jerusalém" pode ser relacionada à "reivindicação tipica dos fanáticos"?

b) As duas ocorrências da palavra "transparente" apresentam o mesmo sentido no texto? Justifique.



Resolução

a) De acordo com o texto de apoio, a “reivindicação típica dos fanáticos” se revela a partir de uma intolerância premente: “se julgo algo mau, elimino-o, junto com seus vizinhos”. Essa visão, ainda segundo o autor, é a responsável por instaurar o preconceito que se tem em relação aos árabes mundo afora, uma vez que todo árabe é potencialmente visto como um fanático. Em relação à “síndrome de Jerusalém”, o autor explica que parece haver uma predisposição das pessoas que vão a Jerusalém para se sacrificarem ou sacrificarem os outros. Nesse sentido, a “síndrome” seria caracterizada pela ação de pessoas que, ainda que imbuídas das melhores intenções, passariam por uma transformação que as tornariam fanáticas, ou seja, ao pisar em Jerusalém com a intenção de construí-la e de se construírem a partir dela, seriam tomadas pela vontade de pôr fogo numa mesquita, igreja ou sinagoga, por exemplo. A associação entre essa ação e o fanatismo, então, fica clara: a síndrome descreve pessoas que, ao visitarem Jerusalém, deixam-se tomar pelo fanatismo, intolerante e intransigente.

b) A palavra “transparente” apresenta significados diferentes em suas duas ocorrências no texto. Na primeira delas, em “se o capitalismo é ameaçador ou transparente”, nota-se que o termo foi usado em seu sentido figurado, significando “claro, justo, com regras bem definidas”. Já na segunda ocorrência, "inalam o maravilhoso ar transparente da montanha"o termo foi empregado de maneira mais próxima ao seu sentido literal, significando “puro, sem poluição”.

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Alguma Poesia

Sweet Home

 

Quebra-luz, aconchego.

Teu braço morno me envolvendo.

A fumaça de meu cachimbo subindo.

 

Como estou bem nesta poltrona de humorista inglês.

 

O jornal conta histórias, mentiras...

 

Ora afinal a vida é um bruto romance

e nós vivemos folhetins sem o saber.

 

Mas surge o imenso chá com torradas,

chá de minha burguesia contente.

Ó gozo de minha poltrona!

Ó doçura de folhetim!

Ó bocejo de felicidade!

Carlos Drummond de Andrade. Alguma Poesia.

a) Por que a expressão em inglês sweet home suscita, no título do poema, um teor de ironia?

b) Na circunstância do poema, os termos "bruto romance" e "folhetins", como formas literárias, representam diferentes visões de mundo, estabelecendo entre si um contraste simbólico. Comente.



Resolução

a) O título "Sweet Home" relaciona-se à expressão "lar, doce lar", denotando um ambiente de segurança e conforto. Ao longo do poema, o eu lírico insere-se num contexto burguês, protegido e distanciado dos problemas, sentado em uma poltrona, fumando e tomando chá. Assim, ironicamente, permanece em um estado de anestesia e alienação em relação aos conflitos, levado pelas mentiras contadas pelos jornais e negando o "bruto romance" que é a vida. Soma-se a isso a escolha por uma expressão inglesa e a auto referência como um "humorista inglês": a ironia reside, então, em utilizar referências estrangeiras que não seriam adequadas para a realidade problemática do Brasil.

b) O "bruto romance", enquanto forma literária, remete a uma literatura mais densa, filosófica, existencial, voltada a questões mais realistas. Já o "folhetim" é uma literatura marcada por idealizações, numa visão mais superficial e artificial da vida. Ao afirmar que "a vida é um bruto romance / e nós vivemos num folhetim sem o saber", o poema estabelece um contraste simbólico de uma vida dividida entre as questões dramáticas do "bruto romance" e a banalidade do "folhetim".

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Angústia

O que me espanta não é a traição que dá na vista, não é a tolice que brilha em público: é a decência que se mantém, é a dignidade que se preserva, é a honradez que se resguarda, é o sacrificio obscuro e cotidiano que se continua. Eu lhe digo, porque tenho vivido em muitos cantos do Brasil e mexido com muita gente – eu posso Ihe dizer que, entre milhares de homens tão diferentes de caráter e mesmo de ideias, sempre se tem conservado, através de todas as tribulações e contingências, um patrimônio comum. E você, Graciliano Ramos, faz parte deste nosso patrimônio.

O que senti vontade de lhe dizer hoje, e fica dito agora, é o seguinte: que tanto quanto eu, há milhares de pessoas no Brasil que não estão presentes ao banquete mas que desejam que você fique sabendo que estão ao seu lado. Conte conosco não apenas na hora de beber e de comer, como também na hora de ter ódio de Julião Tavares, de lutar contra Julião Tavares – e de matar Julião Tavares

Rubem Braga  "Discurso de um ausente", mensagem do cronista a seu amigo Graciliano Ramos por ocasião do jantarem homenagem aos cinquen ta anos do autor de Angústia.

a) Como os valores éticos descritos por Rubem Braga constituema resistência (e logo a tensão) que forma o ponto de vista em Angústia?

b) Caracterize o perfil de Julião Tavares, de modo a explicar por que o cronista o considera um inimigo do "patrimônio comum".



Resolução

a) A decência, a dignidade, a honradez e o sacrifício são os valores éticos descritos por Rubem Braga; em "Angústia", tais valores são subvertidos por Julião Tavares, que seduz Marina, noiva de seu "amigo" Luís da Silva, e, após engravidá-la, abandona a jovem. No entanto, Julião não é punido por seu comportamento antiético, o que gera uma tensão no romance. O ato de resistência será tomado por Luís da Silva, que, mesmo tendo sido excluído (assim como, segundo Rubem Braga, "milhares de pessoas no Brasil não estão presentes ao banquete"), busca a justiça ao assassinar Julião. Na perspectiva de Rubem Braga, a morte de Julião levaria à recuperação dos valores éticos descritos no excerto.

b) Julião Tavares pertence a uma família de novos burgueses comerciantes com poder do capital. Trata-se de um sujeito descrito como arrogante e inescrupuloso, capaz de ignorar os valores éticos para satisfazer seus desejos. Segundo Rubem Braga, esses valores constituem um "patrimônio comum" que deve ser preservado. Assim, as atitudes de Julião Tavares fazem da personagem um inimigo desse patrimônio, uma vez que abandona a decência, a dignidade e a honradez, destruindo a vida de Marina e reforçando a decadência de Luís da Silva.

 

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Campo Geral

Quem ficava mais vezes de castigo era ele, Miguilim; mas quem apanhava mais era a Chica. A Chica tinha malgênio – todos diziam. Ela aprontava birra, encapelava no chão, capeteava; mordia as pessoas, não tinha respeito nem do pai. Mas o pai não devia de dizer que um dia punha ele Miguilim de castigo pior, amarrado em árvore, na beirada do mato. Fizessem isso, ele morria da estrangulação do medo? Do mato de cima do morro, vinha onça. Como o pai podia imaginar judiação, querer amarrar um menino no escuro do mato? Só o pai de Joãozinho mais Maria, na estória, o pai e a mãe levaram eles dois, para desnortear no meio da mata, em distantes, porque não tinham de-comer para dar a eles. Miguilim sofria tanta pena, por Joãozinho mais Maria, que voltava a vontade de chorar.

João Guimarães Rosa. Campo Geral.

A estória não quer ser história. A estória, em rigor, deve ser contra a História. A estória, às vezes, quer-se um pouco parecida à anedota. A anedota, pela etimologia e para a finalidade, requer fechado ineditismo. Uma anedota é como um fósforo: riscado, deflagrada, foi-se a serventia. Mas sirva talvez ainda a outro emprego a já usada, qual mão de indução ou por exemplo instrumento de análise, nos tratos da poesia e da transcendência. Nem será sem razão que a palavra "graça" guarde os sentidos de gracejo, de dom sobrenatural e de atrativo.

João Guimarães Rosa. "Aletria e hermenêutica", Tutaméia.

a) Por que Miguilim, ao recordar as personagens do conto de fadas, se comove tanto e tem vontade de chorar?

b) Considerando as ideias do autor em torno das palavras história, História e anedota, pode-se dizer que Campo Geral é uma estória? Desenvolva a sua resposta com base na leitura da obra.



Resolução

a) Ao recordar-se da narrativa de João e Maria, Miguilim identifica-se com a situação de desamparo carcterizada pelo conto de fadas. Assim como os irmãos da "estória", Miguilim também é uma criança pobre, cuja família passa por necessidades (o pai reclama das condições de trabalho) e também tem um sentimento de incompreensão frente ao mundo adulto. Assim, o menino fica comovido e tem vontade de chorar ao perceber a semelhança entre sua vida e a de João e Maria: as crianças do conto foram abandonadas na floresta pelos pais, e ele sofria a ameaça de ser amarrado a uma árvore pelo próprio pai. 

b) Guimarães Rosa utiliza o termo "estória" para designar uma literatura de ficção, sem um comprometimento com a verossimilhança, ao contrário de "história", que seria um relato pautado na realidade. O conceito de "estória", ao ser relacionado à anedota e distanciado da "História", serve para classificar a novela "Campo Geral", uma vez que se trata de uma narrativa subjetiva, em que prevalece o ponto de vista da criança, indo contra a ideia de objetividade da "história". Além disso, há em "Campo Geral" o ineditismo atribuído às anedotas, ou seja, o final surpreendente em que Miguilim descobre seu problema de visão ao usar os óculos do "doutor da cidade". Com essa nova visão, completa-se o percurso de amadurecimento do personagem que, então, sai do Mutum rumo à cidade. Nesse caminho, a "estória" de Miguilim dialoga com o mundo maravilho e o universo simbólico. Assim, "Campo Geral" é uma narrativa arquetípica, modelar, sobre a criança que vai descobrir o mundo e confrontar-se com questões existenciais em um processo de transformação, descobrimento e conhecimento. 

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Terra Sonâmbula

Muitos povos indigenas brasileiros costumavam matar os gêmeos antes do contato com os brancos, que combateram a prática. "Quando chegamos lá (ao Parque Indigena do Xingu), ainda matavam. Fizemos uma campanha, mas, apesar do tolerância, os indios ainda recebem com muita reserva os gêmeos. O repúdio ao duo é muito forte", disse à Folha o sertanista Orlando Villas Boas. "Muitos povos indigenas têm uma atitude contrária aos gêmeos porque seriam sinal de transgressão. Eles são vistos como perigosos e, segundo os indios, poderiam trazer males e doenças", afirma a antropóloga Betty Mindlin, autora de "Terra Grávida", antologia de mitos indigenas.

"Indios brasileiros matavam gêmeos". Redação. Folha de São Paulo, 30/01/2000.

a) Qual personagem de Terra sonâmbula é estigmatizada pelo mesmo motivo apresentado na matéria? Justifique a sua resposta.

b) No romance de Mia Couto, como a personagem Romão Pinto representa uma crítica ao dito "homem civilizado"?



Resolução

a) A personagem de "Terra Sonâmbula" estigmatizada por ter uma irmã gêmea é Farida, jovem encontrada por Kindzu em um navio de suprimentos encalhado. De acordo com a crença de seu povo, o nascimento de gêmeos era sinal de desgraça. Para atenuar a maldição, uma das crianças deveria morrer, o que supostamente havia acontecido com a irmã de Farida, Carolinda. Em seguida, Farida e sua mãe foram expulsas da aldeia. Além disso, a mãe foi culpabilizada pela estiagem na região, e a garota presenciou sua morte em um ritual para atrair chuvas. Órfã, Farida cresceu solitária, abandonada por seu povo, até que foi recrutada para os rituais de chuva. Cansada dessa situação, a jovem resolveu partir e foi acolhida por um casal de portugueses, Virgínia e Romão Pinto.

b) O português Romão Pinto e sua esposa Virgínia acolheram Farida em sua casa quando a jovem fugiu de sua aldeia. No entanto, embora tivesse uma relação afetuosa com a mãe adotiva, era assediada por Romão. Num dado momento, Virgínia resolve levar a garota para morar em uma Missão, onde Farida permanece até decidir voltar a sua aldeia. Durante o percurso, a jovem vai até a casa dos portugueses para rever a mãe adotiva, mas encontra apenas Romão, que a convence a passar a noite e aproveita-se da situação para violentá-la. Com o estupro, Farida engravida, sendo novamente amaldiçoada por gerar uma criança mestiça (Gaspar/Muidinga). Além da conduta violenta em relação à figura feminina, que representa uma crítica ao dito "homem civilizado", Romão tem uma visão preconceituosa acerca dos africanos; metaforicamente, o abuso sofrido pela moçambicana por um português alude à colonização de Moçambique por Portugal, numa crítica ao imperialismo europeu sobre os povos da África.