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Fuvest 2020 - 2ª fase - dia 1 - Português e Redação


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Redação

Texto 1:

Texto 2:

Somente numa sociedade onde exista um clima cultural, em que o impulso à curiosidade e o amor à descoberta sejam compreendidos e cultivados, pode a ciência florescer. Somente quando a ciência se torna profundamente enraizada como um elemento cultural da sociedade é que pode ser mantida e desenvolvida uma tecnologia progressista e inovadora, tornando-se, então, possível uma associação íntima e vital entre ciência e tecnologia. Essa associação é uma característica da nossa época e certamente essencial para a manutenção de uma civilização com os níveis presentes de população e qualidade de vida.

Oscar Sala, O papel da ciência na sociedade. 1974. Disponível em http://www.revistas.usp.br/revhistoria. Adaptado.

Texto 3:

 

Quanta do latim
Plural de quantum
Quando quase não há
Quantidade que se medir
Qualidade que se expressar
Fragmento infinitésimo
Quase que apenas mental
Quantum granulado no mel
Quantum ondulado no sal
Mel de urânio, sal de rádio
Qualquer coisa quase ideal
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Canto de louvor
De amor ao vento
Vento arte do ar
Balançando o corpo da flor
Levando o veleiro pro mar
Vento de calor
De pensamento em chamas
Inspiração
Arte de criar o saber
Arte, descoberta, invenção
Teoria em grego quer dizer
O ser em contemplação
Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento
E no mesmomomento desfaz
Esse vago Deus por trás do mundo
Por detrás do detrás
Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos
Gilberto Gil, Quanta. 1997.

 

Texto 4:

Nós criamos uma civilização global em que os elementos mais cruciais – o transporte, as comunicações e todas as outras indústrias, a agricultura, a medicina, a educação, o entretenimento, a proteção ao meio ambiente e até a importante instituição democrática do voto – dependem profundamente da ciência e da tecnologia. Também criamos uma ordem em que quase ninguém compreende a ciência e a tecnologia. É uma receita para o desastre. Podemos escapar ilesos por algum tempo, porém mais cedo ou mais tarde essa mistura inflamável de ignorância e poder vai explodir na nossa cara.

Carl Sagan, 1996.

Texto 5:

Algo muito estranho está acontecendo no mundo atual. Vivemos melhor que qualquer outra geração anterior. Pessoas são saudáveis graças às ciências da saúde. Moram em residências robustas, produto da engenharia. Usam eletricidade, domada pelo homem devido ao seu conhecimento de química e física. Paradoxalmente, essas mesmas pessoas ligam seus computadores, tablets e celulares para adquirir e disseminar informações que rejeitam a mesma ciência que é tão presente em suas vidas. Vivemos num mundo em que pessoas usam a ciência para negar a ciência.

Alicia Kowaltowski, Usando a ciência para negar a ciência. 2019. Disponível em https://www.nexojornal.com.br/. Adaptado.


Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: o papel da ciência no mundo contemporâneo.



Comentários

A prova de redação FUVEST 2020 solicitou que o candidato refletisse sobre “O papel da ciência no mundo contemporâneo”. Diferente dos anos anteriores, nos quais a frase-tema era constituída por uma pergunta, neste ano espera-se que o texto produzido esclareça argumentativamente quais são as atribuições e/ou funções da ciência para o mundo contemporâneo. A proposta traz como tema uma discussão que, embora siga a tendência filosófica e reflexiva dos anos anteriores, aproxima-se também de questões cotidianas e hodiernas.

O primeiro excerto é composto por uma tirinha de Luis Fernando Veríssimo, intitulada de “A história do mundo – XI”. Nela, é reproduzido um diálogo entre duas cobras, em que um dos personagens afirma ter se arrependido de ter inventado a roda. Repentinamente, uma bola passa por eles, em alta velocidade. É possível depreender que a motivação para esse sentimento parte do fato de que, uma vez descoberta, a roda – enquanto uma tecnologia para a época – possibilitou o desenvolvimentos de novos objetos, como a bola, que não pode mais ser controlada e roda desordenadamente barranco abaixo. A reflexão suscitada por Veríssimo pode ser estendida para outras tecnologias, como exemplo, na contribuição indireta de Albert Einstein para a criação da bomba atômica. Na década de 30, o físico desenvolveu o conceito de massa inercial, representada pela fórmula E=m·c2, uma das mais famosas da física. Tempos depois, a elaboração da bomba atômica só foi possível por meio da compreensão de que a massa e energia se relacionam através do postulado por Einstein. Esse exemplo ilustra como o desenvolvimento tecnológico pode, muitas vezes, sair do controle, uma vez que as descobertas do físico não tinham como objetivo central a criação de uma arma de guerra. Também é possível ponderar que as descobertas abrem novas possibilidades para o ser humano, sendo necessária a reflexão e a consideração dos limites da ética sobre o uso que fazemos de cada descoberta científica.

O segundo excerto traz um trecho do texto “O papel da ciência na sociedade”, do físico nuclear Oscar Sala, em que o autor reflete sobre as condições necessárias para um desenvolvimento progressivo e inovador da tecnologia. Para alcançar tal patamar, Sala afirma que é preciso desenvolver uma sociedade em que culturalmente haja o impulso à curiosidade e o amor à descoberta. Em síntese, a ciência precisa ser enraizada como um elemento cultural da sociedade, pois só assim será possível uma forte associação entre ciência e tecnologia, o que é essencial “para a manutenção de uma civilização com os níveis presentes de população e qualidade de vida”. Tal análise aponta para a importância do estímulo à prática científica, posto que somente ela é capaz de garantir a perpetuação da espécie e a garantia da qualidade de vida. Por meio dessa reflexão, o candidato poderia trazer exemplos de situações – mobilizados de seu repertório sociocultural – em que o desenvolvimento da ciência foi desvalorizado.

A canção “Quanta”, de Gilberto Gil compõe o terceiro excerto. Nela, o compositor aponta para a intrínseca ligação entre o binômio ciência e arte. O texto inicia com a definição de seu título “Quanta do latim / plural de quantum / quando quase não há quantidade que se medir / qualidade que se expressar” e, em seguida, apresenta combinações entre termos geralmente relacionados a alimentos ("granulado", "mel") com termos da física e da química ("quantum", "urânio", "sal de rádio"). De maneira poética, Gil leva o leitor a compreender que não há medidas físicas concretas e palpáveis para certos aspectos do mundo. Após tal reflexão, somos apresentados para a importância – sem medida – da “arte para criar o saber”. Por meio dela, é possível haver descoberta e invenção. A canção também salienta o caráter mutável da ciência: “sei que a arte é irmã da ciência / ambas filhas de um Deus fugaz / que faz num momento / e no mesmo desfaz”. A partir desse trecho, o candidato poderia refletir acerca do pressuposto de que a ciência é também uma forma de arte, capaz de refletir as necessidades das sociedades em determinados tempos históricos, o que ressalta ainda mais sua importância para o mundo contemporâneo, pois os estudos anteriores podem auxiliar na construção de novos conhecimentos.

No quarto excerto, o texto do cientista norte-americano Carl Sagan defende que a ciência tem papel primordial no desenvolvimento contemporâneo das sociedades. Segundo o autor, elementos cruciais para a vida atual, como transporte, comunicação, medicina e educação, “dependem profundamente da ciência e da tecnologia”. Entretanto, poucos compreendem a ciência e a tecnologia, de modo que a sociedade está fadada a uma “mistura inflamável de ignorância e poder” que vai “explodir na nossa cara”. A partir disso, o candidato poderia apontar para os riscos de um grande desenvolvimento tecnológico, sem que a maioria da sociedade realmente compreenda o poder trazido pela ciência e tecnologia e a necessidade de uma reflexão mais ampla sobre o uso consciente e ético desse poder.

Por fim, o quinto excerto da coletânea é da pesquisadora Alicia Kowaltowski, denominado “Usando a ciência para negar a ciência”. Neste trecho, a autora manifesta estranheza com o recente contexto de disseminação científica. Isso pois, atualmente, vivemos em uma geração melhor do que qualquer outra, já que, graças aos avanços científicos, temos melhor saúde, acesso à eletricidade, entre outros. No entanto, embora a ciência tenha nos proporcionado maior bem-estar em relação às gerações anteriores, de maneira paradoxal, as mesmas pessoas privilegiadas por tal avanço ligam seus aparelhos digitais “para adquirir e disseminar informações que rejeitam a mesma ciência que é tão presente em suas vidas”. Kowaltowski encerra afirmando que “vivemos num mundo em que as pessoas usam a ciência para negar a ciência”. O candidato poderia relacionar essa evidência a atuais casos de desprezo à ciência, como a teoria de que o planeta Terra seria plano, e não esférico. Além disso, poderia ser citada a desconfiança à eficácia das vacinas, erroneamente associadas a doenças como o autismo, falácia já desmentida por meio de pesquisas. De maneira não exaustiva, é possível considerar diversas fake news, distribuídas majoritariamente em ambiente tecnológico, como uma negação à ciência. Frente a isso, o papel da ciência no mundo contemporâneo seria evitar um cenário de retrocesso social.

De forma geral, o candidato, seguindo o próprio comando da prova, deveria lançar mão das ideias contidas na coletânea e de informações externas, do seu repertório de mundo, de modo a articular todo esse conteúdo a um projeto de texto autoral, coeso e coerente.

Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

textos jornalísticos fotojornalismo

Quarenta e seis anos depois, a vietnamita que comoveu o mundo quer que sua foto contribua para a paz


Só vi esse registro muito tempo depois. Passei 14 meses no hospital, tratando as queimaduras. Quando voltei para casa, meu pai me mostrou a foto, recortada de um jornal vietnamita: “Aqui está sua foto, Kim”. Olhei a foto e, meu Deus, como fiquei envergonhada! Como eu estava feia! E pelada! Todos estavam vestidos, e eu, uma menina, estava sem roupa. Vi a agonia e dor em meu rosto. Fiquei com raiva. Por que ele tirou aquela foto de mim? Era melhor não ter tirado nenhuma! Eu era só uma criança, mas tinha de lidar com muita dor. Quanto mais famosa a imagem ficava, mais eu precisava encarar minha tragédia.

Kim Phuc Phan Thi, em depoimento a Ruan de Sousa Gabriel, 19/09/2018. Disponível em https://epoca.globo.com/.


a) Justifique o emprego das sentenças exclamativas, explicitando o motivo do espanto de Kim.
b) A partir da expressão “minha tragédia”, que encerra o depoimento, analise os dois níveis de apreensão do evento trágico, considerando o momento do primeiro contato de Kim com o registro fotográfico e o momento do testemunho.



Resolução

a) Kim Phuc Phan Thi protagonizou um dos momentos mais trágicos da guerra do Vietnã. Sua aldeia foi bombardeada pelos norte-americanos com uma substância incendiária conhecida como Napalm. A população do vilarejo, sobretudo crianças, fugia das chamas, quando a célebre fotografia que ilustra a questão foi tirada. Nela, ao centro, está a menina Kim, aos nove anos, nua, correndo em desespero. Assim, o relato da mulher Kim, décadas depois, é emocionado porque passa pela recordação do momento em que ela, após o retorno do hospital, viu a fatídica foto, que lhe foi mostrada pelo seu pai. Há nessa visão dois pontos de vista distintos que se encontram: o da pessoa que viveu a catástrofe e o do fotógrafo Huynh Cong Ut. Esse contraste causa espanto em Kim. Sua memória do acontecimento se choca com a perspectiva da fotografia uma vez que, ao ver-se retratada da maneira como foi, ela sente vergonha (“Olhei a foto e, meu Deus, como fiquei envergonhada! Como eu estava feia! E pelada!”) e revolta (“Fiquei com raiva. Por que ele tirou aquela foto de mim? Era melhor não ter tirado nenhuma!”). Esses sentimentos são expressos, no discurso direto transcrito pelo jornalista Ruan de Sousa Gabriel, com os pontos de exclamação e interrogação. Isto é, as sentenças exclamativas têm como finalidade expressar o descontentamento de Kim com sua imagem naquela fotografia, que entrou para a História.

b) A exasperação causada pela visão da foto leva Kim a empregar a expressão "minha tragédia". Essa expressão pode ser lida de maneiras diferentes. Ora, houve uma tragédia no confronto violento, no bombardeio de sua aldeia, nas queimaduras sofridas, no tempo de recuperação do trauma físico; mas também foi trágica a exposição de seu sofrimento ao mundo, da maneira como se deu na divulgação massiva de sua imagem. No primeiro sentido, portanto, pode-se compreender que o evento trágico está ligado ao plano coletivo, social (a tragédia seria de Kim, mas também partilhada por seus concidadãos). No segundo, parece evocar-se a ideia de que o evento trágico é pessoal (a vergonha sofrida por Kim naquele momento).

Pode-se organizar, assim, a percepção de Kim sobre sua fotografia cronologicamente: primeiro a vergonha e o desejo de que a imagem não tivesse sido feita (o momento do primeiro contato com a foto), posteriormente, a aceitação do registro e a vontade de aproveitá-lo para a promoção do bem comum, uma contribuição à paz, como ressalta o título (quando do testemunho ao jornalista).

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

textos científicos e de divulgação científica

A reinvenção da vírgula


        No começo de 1902, Machado de Assis ficou desesperado por causa de um erro de revisão no prefácio da segunda edição de suas Poesias completas. Dizem que chegou a se ajoelhar aos pés do Garnier implorando para que o editor tirasse o livro de circulação. O aristocrático e impoluto Machado, quem diria. Mas a gralha era mesmo feia. O tipógrafo trocou o E por A na palavra cegara, o revisor deixou passar, e vocês imaginam no que deu.
        No nosso caso, o erro não foi nada de mais, nem erro foi para falar a verdade, apenas um acréscimo besta de pontuação, talvez dispensável, ainda que de modo algum incorreto. Vai o revisor, fiel à ortodoxia da gramática normativa, e espeta duas vírgulas para isolar um adjunto adverbial deslocado, coisa de pouca monta, diria alguém, mas suficiente para o autor sair bradando aos quatro ventos que lhe roubaram o ritmo da sentença. Um editor experiente traria um cafezinho bem doce, a conter o ímpeto dramático do autor de primeira viagem, talvez caçoando, “deixa de onda”, a lembrá-lo – valha-me Deus! – que ele não é nenhum Bruxo do Cosme Velho*. E assim lhe cortando as asas antes do voo.

* Referente a Machado de Assis.


Disponível em https://jornal.usp.br/artigos/areinvencaodavirgula/. Adaptado.


a) Qual o sentido da palavra “espeta”, destacada no texto, e qual o efeito que ela produz?
b) Explique o significado, no texto, da expressão “cortando as asas antes do voo”.



Resolução

a) O verbo “espetar”, nesse contexto, tem sentido de inserir, colocar, mas parece descrever uma atitude intrometida, à revelia do escritor. O revisor, segundo a narrativa, virgularia por fidelidade “à ortodoxia da gramática normativa”, independentemente da preocupação com o estilo do autor (“o ritmo da sentença”). Por isso, “espetar” ressalta que as vírgulas foram postas em lugar a que não pertenciam anteriormente.

b) Um autor que, hipoteticamente, ficasse enfurecido (“bradando aos quatro ventos”) com uma pequena intromissão do editor em seu texto (“coisa de pouca monta”), poderia, lê-se no excerto, ser recebido por um profissional experiente, com “um cafezinho bem doce”, isto é, ouvir do editor um pretenso discurso amigável, em resposta à agressividade da abordagem. Essa resposta aparentemente amena, porém cáustica, teria como finalidade rebater a soberba do escritor enfurecido pela modificação ínfima de seu texto, cortando-lhe as asas antes do voo. Assim, essa expressão deve ser lida como a intenção de o editor conter a empáfia do escritor iniciante e lembrá-lo de que ele não é Machado de Assis (O Bruxo do Cosme Velho), que, como se narrou no primeiro parágrafo, sofreu com as ingerências dos editores de sua época.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Estrutura Vocabular - Processos de formação de palavras Adjunto adverbial

        Tenho utilizado o conceito de precariado num sentido bastante preciso que se distingue, por exemplo, do significado dado por Guy Standing e Ruy Braga. Para mim, precariado é a camada média do proletariado urbano constituída por jovens adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social.
        Para Guy Standing, autor do livro The Precariat: The new dangerous class, o precariado é uma “nova classe social” (o título da edição espanhola do livro é explícito: Precariado: una nueva clase social). Ruy Braga o critica, com razão, salientando que o precariado não é exterior à relação salarial que caracteriza o modo de produção capitalista, isto é, o precariado pertence sim à classe social do proletariado, sendo tão somente o “proletariado precarizado”. (...) Por outro lado, embora Ruy Braga (no livro A política do precariado) esteja correto em sua crítica do precariado como classe social exterior à relação salarial, ele equivoca-se quando identifica o precariado meramente com o “proletariado precarizado”, perdendo, deste modo, a particularidade heurística do conceito capaz de dar visibilidade categorial às novas contradições do capitalismo global.

Giovanni Alves, O que é precariado?. Disponível em https://blogdaboitempo.com.br/. Adaptado.


a) Explique o processo de formação da palavra “precariado”, associandoo ao seu significado.
b) Qual a função sintática da expressão “com razão” e o seu sentido na construção do texto?



Resolução

a) O nome "precariado" é um neologismo, proveniente de "precário" por sufixação (precário > precariado). Essa formação parece ter sido fortemente influenciada pela sonoridade de "proletariado". O dicionário Houaiss registra para o sufixo -ado, na sua segunda entrada: "2. como suf. coletivo, como em aglomerado, assalariado, campesinado, camponesado, discipulado, eleitorado, empresariado, infantado, lumpemproletariado, operariado, palavreado, patronado, professorado, proletariado, proprietariado, secretariado, societariado, voluntariado". Giovanni Alves, discordando da terminologia empregada por outros autores com quem dialoga, cunha esse termo para referir-se à "camada média do proletariado urbano constituída por jovens adultos altamente escolarizados com inserção precária nas relações de trabalho e vida social". Isto é, o conceito se aplica aos sujeitos com alta formação acadêmica precariamente inseridos no mercado de trabalho e vida social.

b) A locução "com razão" desempenha, em termos da Nomenclatura Gramatical Brasileira, a função sintática de adjunto adverbial. Giovanni Alves, ao cotejar Ruy Braga e Guy Standing, concorda com a crítica que aquele faz deste. Para explicitar essa anuência, emprega-se "com razão" no sentido de que, segundo o autor, Ruy Braga acerta ao criticar Standing sobre as relações de trabalho examinadas.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

textos jornalísticos

        O vídeo “Por que mentiras óbvias geram ótima propaganda” destaca quatro aspectos principais da propaganda russa: 1) alto volume de conteúdo; 2) produção rápida, contínua e repetitiva; 3) sem comprometimento com a realidade; e 4) sem consistência entre o que se diz entre um discurso e outro. Essencialmente, isso é o firehosing (fluxo de uma mangueira de incêndio). O conceito foi concebido após cerca de seis anos de observação do governo de Vladimir Putin. No entanto, é impossível não notar as semelhanças com as táticas discursivas de políticos ocidentais.
        Para tentar inibir efeitos da tática, apenas rebater as mentiras disseminadas não é uma ação eficaz. Já mostrar outra narrativa, tal como contar como funciona a criação de mentiras dos propagandistas, sim, seria um método mais efetivo. De maneira simplificada, é o que o linguista norte-americano George Lakoff chama de verdade-sanduíche: primeiro exponha o que é verdade; depois aponte qual é a mentira e diga como ela é diferente do fato verdadeiro; depois repita a verdade e conte quais são as consequências dessa contradição. A ideia é tentar desmentir discursos falsos sem repeti-los.

Le Monde Diplomatique Brasil, “Firehosing: a estratégia de disseminação de mentiras usada como propaganda política”. Disponível em https://diplomatique.org.br/. Adaptado.


a) De que maneira o conceito de firehosing aproximase da imagem do fluxo de uma mangueira de incêndio?
b) Explique com suas palavras a metáfora “verdade-sanduíche” usada pelo linguista George Lakoff.



Resolução

a) Dos aspectos essenciais da propaganda russa, citados no início do excerto, são os dois primeiros itens que sustentam mais fortemente a analogia presente em "firehosing": 1) alto volume de conteúdo; 2) produção rápida, contínua e repetitiva. Assim como uma mangueira usada por bombeiros para apagar incêndios libera de forma ininterrupta grandes quantidades de água, a estratégia propagandista russa, empregada também em outros países, tem por objetivo produzir contínua e repetitivamente conteúdo sem qualquer lastro com a realidade.

b) Uma resposta efetiva à tática do "firehosing" seria, segundo o excerto, confeccionar outra narrativa, paralela à mentirosa, em vez de simplesmente desmenti-la. Essa é, para George Lakoff, a função da "verdade-sanduíche". Trata-se de uma estratégia que consiste em três etapas (camadas de um sanduíche):

I - exposição da verdade, o que poderia ser assemelhado, metaforicamente, à primeira fatia de pão;

II - confronto com a mentira, explicitando suas diferenças em relação à verdade, o que seria, na imagem metafórica, o recheio do sanduíche;

III - retomada da verdade e os desdobramentos dela em oposição à mentira. A retomada da verdade produz importante semelhança entre o item III e o item I, de modo que o item III, metaforicamente, seria a segunda fatia de pão.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

homonímia e paronímia textos híbridos

Examine a capa da revista Superinteressante, publicada em julho de 2019

a) Indique o duplo sentido presente na manchete de capa da revista, explicitando os elementos linguísticos utilizados.

b) Explique como a imagem e o texto se combinam na construção do sentido



Resolução

a) A manchete explora a homofonia entre "paranoia" e a sentença "para, noia". Segundo o dicionário Houaiss, "paranoia" é um "termo introduzido na psiquiatria para designar os problemas psíquicos que tomam a forma de um delírio sistematizado; complexo de perseguição [A paranoia engloba sobretudo as formas crônicas de delírios de relação, ciúmes e perseguição e a chamada esquizofrenia paranoide]". No senso comum, esse substantivo designa a excessiva preocupação [infundada] com situações e questões da vida cotidiana. Há um interessante jogo de palavras na decomposição da palavra “paranoia” em duas outras: “para” e “noia”. A primeira é o verbo “parar” conjugado no modo imperativo na segunda pessoa do singular; a segunda, uma redução popular, informal, de “paranoia”, é usada para nomear o indivíduo que tem mania de perseguição, preocupações desnecessárias etc. Há assim, um deslizamento de sentido, como se o texto exortasse a pessoa exageradamente preocupada (“noia”) a cessar com seu comportamento obsessivo (“para”).

b) A imagem ilustra a capa da revista com uma personagem feminina que se senta sobre uma poltrona, numa postura pouco reativa, braços cerrados. Sua cabeça foi desenhada como um rabisco, um emaranhado, denotando a confusão mental, a falta de tranquilidade dos pensamentos. Essa figura representaria a pessoa que sofre de "ansiedade", "depressão" e "outros transtornos mentais" para quem se destinaria a edição da revista que, de acordo com o texto da capa, irá apresentar as "armas da psicologia e da psiquiatria" para a luta contra diversos transtornos da mente.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

textos jornalísticos

        Adaptados a esse idioma que se transforma conforme a plataforma, os memes e textões dominaram a rotina desta década como modos de a gente rir, repercutir notícias, dividir descontentamentos, colocar o dedo em feridas, relatar injustiças e até se informar. Entraram logo no vocabulário para além da internet: "virar meme", "dar textão". Suas características também interferiram no jeito de compreender o mundo e expressar o que acontece à nossa volta. Viktor Chagas, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), os vê como manifestações culturais de grande relevância para entender o período e, também, como "extravasadores de afetos”. [...]
        Por mais que o textão seja "ão", assim como o meme ele é uma expressão sintética típica de hoje, explica Viktor Chagas. Mesmo o textão mais longo na verdade é um textinho: faz parte da lógica do espaço em que circula.

TAB UOL,“Vim pelo meme e era textão”. Disponível em https://tab.uol.com.br/. Adaptado.

a) Retire do texto dois argumentos que justifiquem a caracterização de “memes e textões” como “extravasadores de afetos”.
b) Em que sentido pode se afirmar que não há uma contradição no trecho “Mesmo o textão mais longo na verdade é um textinho”?



Resolução

a) Segundo o excerto, “memes e textões” são "extravasores de afetos” pois, por meio deles, as pessoas riem, dividem descontentamentos, colocam o dedo nas feridas e relatam injustiças. As quatro ações selecionadas indicam a manifestação de sentimentos, enquanto os outros dois (se informar e repercurtir notícias) devem ser excluídos, uma vez que não se relacionam à afetividade.

b) Os “textões” propagam-se majoritariamente nas redes sociais, ambientes em que as informações circulam de maneira acelerada. Nesse contexto, os textões são considerados extensos apenas nas plataformas em que são produzidos, uma vez que, em outro suporte, a transcrição do mesmo corresponderia a um texto curto, com cerca de uma ou duas páginas. Assim, o mesmo texto pode ser considerado curto ou longo dependendo do ambiente em que é reproduzido.

 

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Mayombe

— Que farás se eu continuar a andar? — perguntou o Comissário.
— Das duas, uma: ou te prendo ou te acompanho. Estou indeciso. A primeira repugna-me, nem é justa. A segunda hipótese agrada-me muito mais, mas não avisei na Base nem trouxe o sacador.
(...)
— Nunca me prenderias!
— Achas que não?
O Comissário deitou o cigarro fora.
— Que vais fazer a Dolisie, João?
Pela primeira vez, Sem Medo chamara-o pelo nome.

Pepetela, Mayombe.

a) Identifique o evento diretamente relacionado à mudança de tratamento entre Comissário e Sem Medo.
b) “Sem Medo” não é um apelido aleatório. Justifique a afirmação com base em elementos do desfecho do romance.



Resolução

a) O diálogo entre Sem Medo e Comissário ocorre num momento de muita tensão a ponto de fazer com que o Comandante dirija-se a seu subordinado chamando-o pelo nome e não pelo pseudônimo de “Comissário” como fazia usualmente. A razão dessa mudança consiste no fato de o Comissário João pretender sair da base na floresta, sem a autorização de Sem Medo, e dirigir-se sozinho a Dolisie para resolver o problema com sua noiva Ondina. O evento que provocou essa tensão foi o fato de Ondina ter traído seu noivo com o comandante André: ambos foram flagrados “no capim”, numa situação comprometedora. Além das implicações de ordem pessoal para o Comissário e Ondina, esse fato gerou problemas de ordem política dentro do MPLA, uma vez que, sendo João quimbundo e André kikongo, a traição de Ondina irá acirrar os conflitos tribais que ameaçam a coesão do movimento.

b) O apelido de Sem Medo alude à sua coragem, demonstrada no desfecho do romance, no combate entre os soldados portugueses e os guerrilheiros do MPLA. Num dos instantes mais dramáticos da batalha, o Comissário enfrentava sozinho o fogo inimigo, estando acuado atrás de uma árvore. Ao presenciar essa cena, Sem Medo intui que o fim do Comissário seria certo, uma vez que sua posição era extremamente vulnerável. Então, num gesto de bravura e heroísmo, Sem Medo sai de seu esconderijo e lança uma granada contra os adversários para confundi-los e furar o seu bloqueio para, assim, salvar a vida do Comissário e permitir o avanço dos guerrilheiros. Entretanto, ainda que tenha conseguido realizar seu intento, Sem Medo foi atingido por uma rajada de metralhadora, morrendo no local do confronto. O personagem foi considerado um herói pois deu sua vida para salvar um companheiro e possibilitar a vitória do grupo.

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O cortiço Quincas Borba

Texto 1
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse omais simples, visavam um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, do que no entanto gostava imenso; vendia-os todos e contentava-se com os restos da comida dos trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular, de reduzir tudo a moeda. E seu tipo baixote, socado, de cabelos à escovinha, a barba sempre por fazer, ia e vinha da pedreira para a venda, da venda às hortas e ao capinzal, sempre em mangas de camisa, de tamancos, sem meias, olhando para todos os lados, com o seu eterno ar de cobiça, apoderando-se, com os olhos, de tudo aquilo de que ele não podia apoderar-se logo com as unhas.

Aluísio Azevedo, O Cortiço.

Texto 2
(...) Rubião é sócio do marido de Sofia, em uma casa de importação, à Rua da Alfândega, sob a firma Palha & Cia. Era o negócio que este ia propor-lhe, naquela noite, em que achou o Dr. Camacho na casa de Botafogo. Apesar de fácil, Rubião recuou algum tempo. Pediam-lhe uns bons pares de contos de réis, não entendia de comércio, não lhe tinha inclinação. Demais, os gastos particulares eram já grandes; o capital precisava do regime do bom juro e alguma poupança, a ver se recobrava as cores e as carnes primitivas. O regime que lhe indicavam não era claro; Rubião não podia compreender os algarismos do Palha, cálculos de lucros, tabelas de preço, direitos da alfândega, nada; mas, a linguagem falada supria a escrita. Palha dizia coisas extraordinárias, aconselhava o amigo que aproveitasse a ocasião para pôr o dinheiro a caminho, multiplicá-lo.

Machado de Assis, Quincas Borba.

a) Como o contraste entre os trechos “já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular” e “não entendia de comércio, não lhe tinha inclinação”, respectivamente sobre as personagens João Romão e Rubião, reflete distintas linhas estéticas na prosa brasileira do fim do século XIX?
b) A partir das diferentes esferas sociais e práticas econômicas referidas nos fragmentos, trace um breve paralelo entre as trajetórias dos protagonistas nos dois romances.



Resolução

a) Para responder esse item, é importante que o candidato faça uma leitura atenta do enunciado, que salienta o contraste entre os excertos apresentados. Além disso, a pergunta centra-se no aspecto estético dos referidos trechos, considerando que cada um representa uma das diferentes linhas literárias que caracterizam a prosa brasileira do final do século XIX. Isto posto, é fundamental que o candidato mobilize seus conhecimentos a respeito das características do Realismo e do Naturalismo e os associe aos textos, demonstrando em que eles se diferenciam do ponto de vista estético.

Assim, é possível associar o trecho  de O Cortiço “já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular” à corrente naturalista, uma vez que a descrição de João Romão vai além da caracterização moral, afirmando que sua ganância era algo que ultrapassava a ambição, chegando a ser uma espécie de patologia. As escolhas lexicais do narrador  - “moléstia nervosa”, loucura” e “desespero” - contribuem para a se ressaltar esse aspecto doentio do caráter do personagem. Além disso, esse vocabulário evidencia a filiação da obra ao Naturalismo, uma vez que essa estética analisava os personagens a partir de uma perspectiva biológica, em que os traços de caráter eram associados a doenças e patologias.

O excerto do romance Quincas Borba – “não entendia de comércio, não lhe tinha inclinação” – evidencia a filiação da obra ao Realismo, pois esse traço da personalidade de Rubião é apresentado de modo mais sóbrio e objetivo, qualidade literária prezada pelos autores realistas. Além disso, ao contrário do excerto anterior o narrador não associa essa característica a algum tipo de patologia, o que distancia a obra do Naturalismo.

b) O excertos dos romances apresentados evidenciam características fundamentais de seus protagonistas, João Romão, o predador e Rubião, a presa, e apontam para a trajetória que cada um deverá percorrer nas respectivas narrativas: enquanto o primeiro vem para o Rio de Janeiro para vencer, o segundo chega à cidade grande para ser vencido.

João Romão é um imigrante português extremamente avarento, que vivia para acumular, cuja fortuna foi obtida a partir de meios escusos e desonestos. Além de roubar os fregueses nos pesos e medidas de sua venda e explorar os moradores do cortiço que lhe pagavam o aluguel, ele furtava o material com o qual construía as casas. Entretanto, a figura da escrava Bertoleza foi fundamental para que ele conseguisse acumular capital, pois ele a enganou com uma carta de alforria falsa, apropriando-se de todas as suas economias e, ainda, ao tornar-se seu amante, passou a explorar seu trabalho de modo que a condição de escrava da personagem não mudou. Já em posse de uma grande fortuna, Romão ambiciona ser admitido na alta sociedade através de um casamento de conveniência com a filha do rico comerciante Miranda, seu conterrâneo. Neste ponto, Bertoleza havia se transformado num estorvo e ele a denuncia à polícia e a entrega a seus antigos donos. Percebendo que fora enganada, Bertoleza se suicida. Por fim, João Romão alcança seus objetivos e ascende socialmente, saindo de um estado de exploração selvagem e brutal para uma condição especulativa mais disciplinada, de acordo com as exigências do capitalismo que se implantava no Brasil no final do século XIX.

Rubião, por sua vez, chega ao Rio de janeiro em condições bem diferentes das de João Romão. Herdeiro da fortuna de seu amigo Quincas Borba, o personagem pretende estabelecer-se na corte e levar uma vida de conforto no novo meio social que o dinheiro permitia-lhe frequentar. No entanto, seu caráter ingênuo e simplório não lhe permite perceber o jogo de interesses que move aquela sociedade e ele acaba se tornando uma presa fácil nas mãos do casal Palha: seduzido pela bela e misteriosa Sofia, ele se deixa enredar pela lábia de seu marido Cristiano, financiando seus negócios e emprestando seu dinheiro em complexas transações comerciais as quais ele não entendia muito bem. Confiando na amizade de Palha e no amor de Sofia, ele se deixa enredar e acaba espoliado de seus bens a ponto de chegar à loucura e, por fim, à morte.

Em suma, João Romão, movido pela ambição doentia, consegue vencer o meio empregando sua sagacidade e esperteza para explorar aqueles de quem se aproxima, Rubião, ao contrário, tolo e inocente, deixa-se enganar por tipos que, embora aparentem serem mais civilizados que Romão, são movidos pela mesma ganância e mesquinhez que os fazem usar do outro em benefício próprio.

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Angústia

Observe as seguintes capas que o artista Santa Rosa desenhou para o livro Angústia, de Graciliano Ramos:

Capa da 2ª edição, 1941

Capa da 3ª edição, 1947

a) Comente o episódio figurado na capa de 1941, analisando a posição de Luís da Silva na cena.
b) Comente o episódio figurado na capa de 1947, analisando a posição de Luís da Silva na cena. 



Resolução

a) A capa da edição de 1941 reproduz o episódio em que Luís da Silva tenta seduzir sua vizinha Marina, a quem ele encontrava frequentemente no quintal de sua casa, separado apenas por uma cerca do quintal da casa vizinha. A natureza dos sentimentos do narrador não é romântica, mas sexual: embora considerasse Marina fútil e superficial, ele era tomado pelo desejo de possui-la; a moça, porém, querendo preservar sua reputação, impunha limites à aproximação de Luís. Tais limites são representados pela cerca que separa o casal, símbolo do controle e da contenção que ela impunha à paixão do narrador. Ainda de acordo com o relato, Marina só suspenderia essa barreira após o matrimônio, o que faz com que Luís, movido mais pela vontade de realizar seus desejos que pelo sentimento amoroso, a peça em casamento.

b) A edição de 1947 traz uma capa que representa um dos momentos mais dramáticos do romance, o assassinato de Julião Tavares por Luís da Silva. Esse evento pode ser explicado a partir de diferentes razões: Julião havia roubado a noiva de Luís, seduzindo-a com passeios e presentes caros e, em seguida, a abandonara; além disso, esse personagem, filho de um rico comerciante, ocupava uma posição de poder, status e reconhecimento social, o que contrastava com a posição subalterna do narrador, um pobre literato e reles funcionário de repartição. Nesse sentido, Julião representa, para Luís da Silva, os aspectos sociais mais repugnantes, ligados à presunção, ao mandonismo e à exploração e matá-lo significaria para o narrador a libertação das forças que sempre o oprimiram.

Cabe ressaltar, contudo, algumas diferenças entre a ilustração e a narrativa: no livro, Luís da Silva estrangula o rival com uma corda e não com seu braço e toda a cena é descrita a partir da sua perspectiva, não sendo apresentado o ponto de vista de Julião.

Pode-se supor que a ilustração dessa capa pretenda captar a atenção do leitor e despertar o interesse para a leitura da obra, anunciando um crime, sem, contudo, revelar quem é seu autor: a imagem retrata apenas o braço do assassino, como se pretendesse despertar a curiosidade daquele que a observa e instigá-lo a ser o livro para descobrir as circunstâncias e o autor do crime.

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

A Relíquia

Considere os seguintes trechos:
(I) Era um pedreiro de Naim (...). O açoite dos intendentes rasgara-lhe a carne; depois a doença levara-lhe a força, como a geada seca a macieira. E agora, sem trabalho, com os filhos de sua filha a alimentar, procurava pedras raras nos montes – e gravava nelas nomes santos, sítios santos, para as vender no Templo aos fiéis. Em véspera de Páscoa, porém, viera um Rabi de Galileia cheio de cólera que lhe arrancara o seu pão!...
(II) (...) E nós tivemos de fugir, apupados¹ pelos mercadores ricos, que, bem encruzados nos seus tapetes de Babilônia, e com o seu lajedo bem pago, batiam palmas ao Rabi... Ah! Contra esses o Rabi nada podia dizer, eram ricos, tinham pago! (...) Mas eu fui expulso pelo Rabi, somente porque sou pobre!
(III) (...) Bati no peito, desesperado. E a minha angústia toda era por Jesus ignorar esta desgraça, que, na violência do seu espiritualismo, suas mãos misericordiosas tinham involuntariamente criado, como a chuva benéfica por vezes, fazendo nascer a sementeira, quebra e mata uma flor isolada.

1. Vaiados.

Eça de Queirós, A relíquia.

“Se quiséssemos recolher tudo o que já foi encontrado [da cruz de Cristo], daria para lotar um navio. O Evangelho conta que a cruz podia ser levada por um homem. Encher a Terra com tamanha quantidade de fragmentos de madeira que nem 300 homens aguentariam levar é uma desfaçatez”, já afirmava o teólogo francês Jean Calvino, profundamente cristão, em seu Tratado das Relíquias, publicado em1543. A observação de Calvino continua viva cinco séculos depois. Os pedaços da chamada Vera Cruz, a cruz
em que Jesus de Nazaré foi executado segundo a tradição cristã, são considerados relíquias de primeira categoria pela Igreja Católica, mas aparentemente são tão numerosos que dão a impressão de que Cristo foi umgigante crucificado em dois troncos de sequoias.

Manuel Ansede, “Fragmentos da cruz de Cristo dariam para ´lotar um navio inteiro”. In: El país, Caderno “Ciência”. Março de 2016. Adaptado.

a) Identifique as personagens que atuam como narradoras em cada um dos excertos de Eça de Queirós.
b) É possível afirmar que o romance A Relíquia endossa a perspectiva adotada por Manuel Ansede a respeito de elementos pertinentes à tradição cristã? Justifique.



Resolução

a) As personagens que atuam como narradoras dos excertos são:

I- Teodorico Raposo.

II- Pedreiro de Naim.

III- Teodorico Raposo.

b) Em seu artigo, Manuel Ansede afirma o quanto o culto às relíquias sagradas, em especial aos fragmentos da cruz de Jesus, pode estar fundamentado num engano. Essa observação baseia-se em uma evidência lógica: são tantos os fragmentos que teriam sido extraídos da cruz original, que é possível supor que ela era gigantesca, de modo que um homem não conseguiria carregá-la sozinho.

O romance A relíquia endossa a perspectiva apresentada pelo autor, uma vez que explicita o funcionamento do comércio de objetos falsificados vendidos como relíquias sagradas. Ao ser deserdado por Titi, Raposão encontra no comércio das relíquias um meio de sobrevivência e, como ele havia chegado há pouco tempo da Terra Santa, sua fama se espalhou rapidamente entre os devotos de Lisboa. Assim, ele transformou objetos comuns em peças de valor sagrado que estariam ligados à história de Jesus e à vida dos santos e conseguiu, durante um certo tempo, enganar a clientela com suas supostas relíquias. Entretanto, com o tempo, os devotos foram percebendo que tais objetos santificados eram falsos, visto que ele havia posto em circulação uma quantidade inverossímil de relíquias tais como pedaços da “verdadeira” cruz de Cristo ou ainda as ferraduras do burro que transportou a Sagrada Família. Dessa forma, a falsificação desses artigos é descoberta e Raposão não consegue mais viver da venda das relíquias que fabricava.