CAPÍTULO LIII
Virgília é que já se não lembrava da meia dobra; toda ela estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento; — era o que dizia, e era verdade.
Há umas plantas que nascem e crescem depressa; outras são tardias e pecas. O nosso amor era daquelas; brotou com tal ímpeto e tanta seiva, que, dentro em pouco, era a mais vasta, folhuda e exuberante criatura dos bosques. Não lhes poderei dizer, ao certo, os dias que durou esse crescimento. Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula, — coitadinha, — trêmula de medo, porque era ao portão da chácara. Uniu-nos esse beijo único, — breve como a ocasião, ardente como o amor, prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, — uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio, — vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes, que uma hora pagava à farta e de sobra; mas outra hora vinha e engolia aquela, como tudo mais, para deixar à tona as agitações e o resto, e o resto do resto, que é o fastio e a saciedade: tal foi o livro daquele prólogo.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
No último período do texto, o ritmo que o narrador imprime ao relato de seus amores corresponde sobretudo ao que se encontra expresso em
a) |
a) “prólogo de uma vida de delícias”.
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b) |
b) “prazeres que rematavam em dor”.
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c) |
c) “hipocrisia paciente e sistemática”.
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d) |
d) “paixão sem freio”.
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e) |
e) “o livro daquele prólogo”.
|
No último período do texto, o defunto-autor expõe ao leitor todo o relacionamento vivido entre ele e Virgíla e, ao fazer isso, emprega um ritmo acelerado ao relato de seus amores. Essa característica da narrativa fica mais evidente quando se atenta para a sintaxe empregada: Brás Cubas utiliza-se de uma vasta enumeração de eventos sobre a paixão que vivera – o beijo que concretizou o amor e que dera início a uma “vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria [...] de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes”, que em alguns momentos apaziguava-se e em outros tornava-se mais intensa – em um único período textual. Assim, essa ampla quantidade de informações, empregadas de forma conjunta, sem interrupções evidentes, faz com que seja possível observar o ritmo acelerado que o narrador imprime ao relato.
a) Incorreta. A leitura do texto permite que o leitor identifique que “o prólogo de uma vida de delícias” refere-se ao primeiro beijo trocado entre Brás Cubas e Virgília. Em outras palavras, esse momento significaria o início efetivo da relação entre as personagens. Desse modo, o trecho sintetiza o conteúdo abordado no excerto, mas não evidencia o ritmo empregado pelo narrador.
b) Incorreta. O trecho “prazeres que rematavam em dor” faz referência ao momento da vida que Brás Cubas vivenciou com Virgília. Assim, a passagem procura evidenciar a forma minimalista e pessimista com a qual o defunto-autor analisava os acontecimentos de sua vida, visto que detalha, assim como as demais locuções adjetivas que a antecedem (“de delícias”, “de terrores” e “de remorsos”), o modo como a relação se sucedeu. Dessa forma, o trecho não expressa, sozinho, o ritmo empregado na narrativa, somente quando analisado em conjunto.
c) Incorreta. A alternativa traz uma passagem que faz referência a uma ideia divergente da natureza do ritmo utilizado pelo autor, pois fala sobre algo paciente e sistemático, portanto que se relacionae à tranquilidade e à organização, algo que não é possível enxergar no último período do texto.
d) Correta. A leitura do capítulo evidencia ao leitor a paixão entre Brás Cubas e Virgília. Assim, a fim de explicar essa relação, o autor opta por expor os acontecimentos desde o início do amor até o seu fim: ele desabrochara como uma planta, de forma rápida, e, com o tempo, se intensificara; logo após, ele fora concretizado por um beijo, que introduziu os amantes a uma nova vida: de amores, de terrores, de prazeres, de dor. Desse modo, tendo em vista o modo como os acontecimentos foram apresentados, o trecho “paixão sem limites”, além de fazer referência à relação entre as personagens e a forma como ela ocorreu, expressa o ritmo que narrador imprime ao relato.
e) Incorreta. O trecho “o livro daquele prólogo” traz, assim como em “A”, uma questão temática, já que faz referência ao que ocorreu após o beijo trocado entre as personagens, e não ao ritmo acelerado empregado pelo narrador no excerto.
CAPÍTULO LIII
. . . . . . .
Virgília é que já se não lembrava da meia dobra; toda ela estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento; — era o que dizia, e era verdade.
Há umas plantas que nascem e crescem depressa;
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outras são tardias e pecas. O nosso amor era daquelas; brotou com tal ímpeto e tanta seiva, que, dentro em pouco, era a mais vasta, folhuda e exuberante criatura dos bosques. Não lhes poderei dizer, ao certo, os dias que durou esse crescimento. Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-
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se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula, — coitadinha, — trêmula de medo, porque era ao portão da chácara. Uniu-nos esse beijo único, — breve como a ocasião, ardente como o amor, prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres
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que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, — uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio, — vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes, que uma hora pagava à farta e de sobra; mas outra hora vinha e engolia aquela, como tudo
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mais, para deixar à tona as agitações e o resto, e o resto do resto, que é o fastio e a saciedade: tal foi o livro daquele prólogo.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
Dentre os recursos expressivos empregados no texto, tem papel preponderante a
a) |
a) metonímia (uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, com base na relação de contiguidade existente entre ela e o referente). |
b) |
b) hipérbole (ênfase expressiva resultante do exagero da significação linguística). |
c) |
c) alegoria (sequência de metáforas logicamente ordenadas). |
d) |
d) sinestesia (associação de palavras ou expressões em que ocorre combinação de sensações diferentes numa só impressão). |
e) |
e) prosopopeia (atribuição de sentimentos humanos ou de palavras a seres inanimados ou a animais). |
Dentre os recursos expressivos apresentados pelas alternativas, o único presente no texto e que, por conta disso, assume maior relevância, é a alegoria, indicado na alternativa C. Isso fica evidente, por exemplo, logo no início do texto, quando o autor compara o amor com uma planta que nasce e cresce depressa. Assim, para explicar a relação que possuía com Virgília, Brás Cubas recorre ao uso da metáfora da planta, adotando uma sequência lógica para tal exposição: o amor brotou com vasta seiva, tornou-se uma “folhuda e exuberante” planta e, sem saber ao certo determinar o tempo de crescimento, “abotoou-se” com o beijo trocado pelos amantes. Adiante no texto, outra sequência metafórica é adotada pelo narrador em referência ao beijo que fora trocado: esse é apresentado como, por exemplo, tão breve quanto a ocasião e ardente do mesmo modo que o amor. Dessa forma, a recorrência de uma sequência lógica de metáforas, que caracterizam a alegoria, faz com que essa seja o recurso expressivo mais relevante do texto.
Se pudesse muda-se, gritaria bem alto que o roubavam. Aparentemente resignado, sentia um ódio imenso a qualquer coisa que era ao mesmo tempo a campina seca, o patrão, os soldados e os agentes da prefeitura. Tudo na verdade era contra ele. Estava acostumado, tinha a casca muito grossa, mas às vezes se arreliava. Não havia paciência que suportasse tanta coisa.
– Um dia um homem faz besteira e se desgraça.
Graciliano Ramos, Vidas secas.
Tendo em vista as causas que a provocam, a revolta que vem à consciência de Fabiano, apresentada no texto como ainda contida e genérica, encontrará foco e uma expressão coletiva militante e organizada, em época posterior à publicação de Vidas secas, no movimento
a) |
a) carismático de Juazeiro do Norte, orientado pelo Padre Cícero Romão Batista. |
b) |
b) das Ligas Camponesas, sob a liderança de Francisco Julião. |
c) |
c) do Cangaço, quando chefiado por Virgulino Ferreira da Silva (Lampião). |
d) |
d) messiânico de Canudos, conduzido por Antônio Conselheiro. |
e) |
e) da Coluna Prestes, encabeçado por Luís Carlos Prestes. |
Vidas secas foi publicado em 1938. O enunciado solicita um movimento posterior à publicação em que fosse possível observar a revolta descrita por Graciliano Ramos, uma “expressão coletiva e militante”. Tal exigência excluía a alternativa A, pois a revolta de Juazeiro se deu em 1914, eliminava a alternativa C, pois Lampião chefiou o cangaço de 1922 a 1938. Invalidava também a alternativa D, pois o movimento de Conselheiro se encerrou em 1897 e a alternativa E, pois a coluna Prestes marchou entre 1925 e 1927. Desse modo, a única alternativa que se adequa cronologicamente à solicitação feita pelo enunciado é a alternativa B, que corretamente relaciona a revolta de Fabiano às Ligas Camponesas. As Ligas Camponesas foram movimentos de trabalhadores rurais surgidos no contexto anterior ao Golpe Militar de 1964, sendo a primeira delas criada em 1955 em Pernambuco. As Ligas Camponesas se expandiram por diversas regiões, mas foi no Nordeste, com a liderança de Francisco Julião que ganharam projeção nacional devido à sua intensa atuação em prol de anseios dos trabalhadores do campo.
O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição.
[...]
Mas o Comissário não ouviu o que o Comandante disse. Os lábios já mal se moviam.
A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os olhos o tronco para cima, a folhagem dele mistura-se à folhagem geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se destaca, se individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal o homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha verde predominante faz esbater progressivamente a claridade do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida.
[...]
Os olhos de Sem Medo ficaram abertos, contemplando o tronco já invisível do gigante que para sempre desaparecera no seu elemento verde.
Pepetela, Mayombe.
Considerando-se o excerto no contexto de Mayombe, os paralelos que nele são estabelecidos entre aspectos da natureza e da vida humana podem ser interpretados como uma
a) |
a) reflexão relacionada ao próprio Comandante Sem Medo e a seu dilema característico entre a valorização do indivíduo e o engajamento em um projeto eminentemente coletivo. |
b) |
b) caracterização flagrante da dificuldade de aceder ao plano do raciocínio abstrato, típica da atitude pragmática do militante revolucionário. |
c) |
c) figuração da harmonia que reina no mundo natural, em contraste com as dissensões que caracterizam as relações humanas, notadamente nas zonas urbanizadas. |
d) |
d) representação do juízo do Comissário a respeito da manifesta incapacidade que tem o Comandante Sem Medo de ultrapassar o dogmatismo doutrinário. |
e) |
crítica esclarecida à mentalidade animista - que tende a personificar os elementos da natureza - e ao tribalismo, ainda muito difundidos entre os guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). |
a) Correta. O enunciado exigia que o estabelecimento de uma relação de semelhança entre os “aspectos da natureza e da vida humana” em evidência no excerto. O olhar do candidato, então, deveria se direcionar à personagem Sem Medo e à descrição do cenário natural em torno de sua morte. Verifica-se, no fragmento em questão, a imponência da amoreira na floresta, cujo tronco se destaca, “se individualiza”, em relação ao conjunto de folhas, ao “sincretismo da massa” (de folhas). O tronco da árvore é a base que sustenta a folhagem, representativa de um coletivo que funde e confunde diferentes indivíduos (daí a ideia de “mancha verde”: uma série de tons da mesma cor que acaba se tornando uma única). Como pilar, referência desse coletivo, o tronco se impõe, “se afirma, debatendo-se. Tal é a vida”. Eis o paralelo entre a natureza e a vida: Sem Medo, da mesma forma que o tronco, se destaca enquanto o indivíduo capaz de dar suporte ao coletivo. Ainda que representativo dessa massa e engajado em suas causas, sobressai entre os demais de forma particular, na medida em que não se vê completamente refletido por aquilo que os revolucionários com quem luta entendem como marxismo. A descrição da natureza sintetiza o percurso de vida da personagem, o que valida a alternativa.
b) Incorreta. De fato, Sem Medo tem uma atitude bastante pragmática como líder dos revolucionários, o que se constata de sua intensa participação nos combates e, de forma complementar, de sua aversão às burocracias inerentes à luta. É equivocado, no entanto, defender uma suposta dificuldade da personagem de consentir ao plano do raciocínio abstrato, uma vez que, ao longo do enredo, o Comandante articula um sem número de diálogos em que evidencia suas próprias convicções e, consequentemente, abstrações em torno de relações humanas e ideais políticos e sociais. É também frágil interpretar os aspectos da natureza presentes no excerto como representativos dessa suposta dificuldade.
c) Incorreta. Não existe harmonia no plano natural descrito no fragmento de “Mayombe”, como se constata da seguinte passagem: “As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, debatendo-se”. As imagens criadas nesse trecho mostram, na realidade, uma dissonância entre o tronco, representativo do indivíduo, e a massa, desempenhada pela folhagem.
d) Incorreta. Ao contrário do que afirma essa alternativa, ao longo de toda a obra, Sem Medo ultrapassa o dogmatismo doutrinário. O Comandante entende que existe certa discordância entre o marxismo enquanto teoria e suas interpretações pelos guerrilheiros, o que o leva a crer inclusive que jamais fará parte da geração a colher os frutos da Revolução. Sem Medo enxerga seu papel como formador político dos angolanos e mostra-se capaz de aliar tal função à práxis, uma vez que se põe à frente nos combates.
e) Incorreta. Não existem indícios textuais que autorizem a referida “mentalidade animista”, uma vez que a natureza não é personificada no excerto, nem qualquer crítica ao tribalismo, porque não é o sentimento de diferença entre as tribos africanas que é posto em evidência no trecho.
O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição.
[...]
Mas o Comissário não ouviu o que o Comandante disse. Os lábios já mal se moviam.
A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os olhos o tronco para cima, a folhagem dele mistura-se à folhagem geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se destaca, se individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal o homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha verde predominante faz esbater progressivamente a claridade do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida.
[...]
Os olhos de Sem Medo ficaram abertos, contemplando o tronco já invisível do gigante que para sempre desaparecera no seu elemento verde.
Pepetela, Mayombe.
Consideradas no âmbito dos valores que são postos em jogo em Mayombe, as relações entre a árvore e a floresta, tal como concebidas e expressas no excerto, ensejam a valorização de uma conduta que corresponde à da personagem
a) |
a) João Romão, de O cortiço, observadas as relações que estabelece com a comunidade dos encortiçados. |
b) |
b) Jacinto, de A cidade e as serras, tendo em vista suas práticas de beneficência junto aos pobres de Paris. |
c) |
c) Fabiano, de Vidas secas, na medida em que ele se integrava na comunidade dos sertanejos, seus iguais e vizinhos. |
d) |
d) Pedro Bala, de Capitães da Areia, em especial ao completar sua trajetória de politização. |
e) |
Augusto Matraga, do conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, de Sagarana, na sua fase inicial, quando era o valentão do lugar. |
a) Incorreta. Entre os encortiçados, o personagem João Romão é explorador, o que invalida qualquer simetria com a relação árvore-floresta verificada no excerto.
b) Incorreta. Jacinto é uma personagem paternalista, portanto não atua como uma referência a ser seguida, figura esperada da relação estabelecida entre a árvore e a floresta no trecho da questão.
c) Incorreta. A figura de Fabiano é a de explorado, papel que não se verifica no fragmento de “Mayombe”.
d) Correta. O enunciado põe em evidência “as relações entre a árvore e a floresta”, mostrando-as como representativas de determinada conduta valorizada tanto em “Mayombe” quanto em “Capitães da Areia”. Essas relações nada mais são que uma síntese da liderança de um indivíduo à frente de um coletivo: assim como o tronco constitui-se a base das “manches verdes” que compõem a floresta, o líder é tido como a referência das massas. Assim, na primeira obra, verifica-se a atuação do personagem Sem Medo como o comandante dos guerrilheiros do Movimento Popular de Libertação de Angola. Na segunda, papel similar é desempenhado por Pedro Bala, que, a princípio, opera como líder do trapiche (mais por questão de sobrevivência que de consciência) e, posteriormente, como líder sindicalista (quando já adquire motivação e formação política), o que coroa sua trajetória de politização.
e) Incorreta. Em sua fase inicial, Augusto Matraga mostra-se opressor, imagem que inexiste na relação entre a árvore e a floresta construída no excerto.
O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida. Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição.
[...]
Mas o Comissário não ouviu o que o Comandante disse. Os lábios já mal se moviam.
A amoreira gigante à sua frente. O tronco destaca-se do sincretismo da mata, mas se eu percorrer com os olhos o tronco para cima, a folhagem dele mistura-se à folhagem geral e é de novo o sincretismo. Só o tronco se destaca, se individualiza. Tal é o Mayombe, os gigantes só o são em parte, ao nível do tronco, o resto confunde-se na massa. Tal o homem. As impressões visuais são menos nítidas e a mancha verde predominante faz esbater progressivamente a claridade do tronco da amoreira gigante. As manchas verdes são cada vez mais sobrepostas, mas, num sobressalto, o tronco da amoreira ainda se afirma, debatendo-se. Tal é a vida.
[...]
Os olhos de Sem Medo ficaram abertos, contemplando o tronco já invisível do gigante que para sempre desaparecera no seu elemento verde.
Pepetela, Mayombe.
Mayombe refere-se a uma região montanhosa em Angola, dominada por floresta pluvial densa, rica em árvores de grande porte, e localizada em área de baixa latitude (4o40’S).
Levando em conta essas características geográficas e vegetacionais, é correto afirmar que
a) |
esse tipo de vegetação predomina na maior parte do continente africano, circundando áreas de savana e deserto.
|
b) |
se trata da única floresta pluvial sobre áreas montanhosas, pois esse tipo de floresta não ocorre em outras áreas do mundo.
|
c) |
a vegetação da região é semelhante à da floresta encontrada, no Brasil, na mesma faixa latitudinal.
|
d) |
nessa mesma faixa latitudinal, no Brasil, há regiões áridas, de altas altitudes, em que predominam ervas rasteiras.
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e) |
tais florestas pluviais só ocorrem no hemisfério sul, devido ao regime de chuvas e às altas temperaturas nesse hemisfério, onde ocupam todo tipo de relevo.
|
A Floresta do Congo é a segunda maior floresta tropical/Equatorial do mundo, depois da Amazônia na América do Sul. Ela está contida em uma grande porção da África Central que inclui o centro-norte da República Democrática do Congo (Congo-Kinshasa), a República do Congo (Congo-Brazzaville), o Gabão, a Guiné Equatorial (região de Rio Muni), o sudeste dos Camarões e parte da região sul da República Centro-Africana, além do Norte de Angola. A Floresta domina uma parcela do centro do continente Africano e possui ecossistemas correlatos tanto na América (Amazônia) quanto na Ásia (Indonésia), como observado no mapa abaixo:
Fonte: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geografia/floresta-tropical.htm
O próprio enunciado da questão revela que Mayombe refere-se a uma floresta pluvial densa e transfronteiriça, uma vez que ela engloba a parte sul-ocidental da floresta tropical/Equatorial da Bacia do Congo e é partilhada entre a República de Angola, a República Democrática do Congo, a República do Congo e a República do Gabão, e forma hoje uma área de proteção ambiental a Mayombe TPA (Área de Conservação Transfronteiriça de Mayombe).
a) Incorreta. Como podemos perceber na exposição acima, a Floresta de Mayombe não ocupa a maior parte do continente africano, como afirma a alternativa, tampouco circunda áreas de savana e deserto no continente africano.
b) Incorreta. A região não engloba a única floresta pluvial sobre áreas montanhosas, pois a Indonésia é um país insular, montanhoso e detentor de uma floresta similar á citada no enunciado.
c) Correta. De fato a Floresta de Mayombe, bem como todo o restante da floresta do Congo, formam um ecossistema de Florestas Latifoliadas Equatoriais/Tropicais similar à Amazônia Brasileira e à Floresta da Indonésia e Malásia, todas em latitudes próximas ao Equador.
d) Incorreta. Nessa mesma faixa latitudinal, no Brasil, há sim regiões semiáridas (Sertão Nordestino), porém não há elevadas altitudes e tampouco nelas predominam ervas rasteiras, o que temos nesta latitude em termos de Bioma é a Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica.
e) Incorreta. O mapa apresentado acima nos mostra que tais florestas pluviais ocorrem no centro Intertropical, próximo à latitude equatorial, porém em ambos hemisférios. É verdade que dependem de regimes de chuvas intensas e de altas temperaturas, porém essa informação não valida a alternativa.
II / São Francisco de Assis*
Senhor, não mereço isto.
Não creio em vós para vos amar.
Trouxestes-me a São Francisco
e me fazeis vosso escravo.
Não entrarei, senhor, no templo,
seu frontispício me basta.
Vossas flores e querubins
são matéria de muito amar.
Dai-me, senhor, a só beleza
destes ornatos. E não a alma.
Pressente-se dor de homem,
paralela à das cinco chagas.
Mas entro e, senhor, me perco
na rósea nave triunfal.
Por que tanto baixar o céu?
por que esta nova cilada?
Senhor, os púlpitos mudos
entretanto me sorriem.
Mais que vossa igreja, esta
sabe a voz de me embalar.
Perdão, senhor, por não amar-vos.
Carlos Drummond de Andrade
*O texto faz parte do conjunto de poemas “Estampas de Vila Rica”, que integra a edição crítica de Claro enigma. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
Analise as seguintes afirmações relativas à arquitetura das igrejas sob a estética do Barroco:
Unem-se, no edifício, diferentes artes, para assaltar de uma vez os sentidos, de modo que o público não possa escapar.
O arquiteto procurava surpreender o observador, suscitando nele uma reação forte de maravilhamento.
A arquitetura e a ornamentação dos templos deviam encenar, entre outras coisas, a preeminência da Igreja.
A experiência que se expressa no poema de Drummond registra, em boa medida, as reações do eu lírico ao que se encontra registrado em
a) |
I, apenas.
|
b) |
II, apenas.
|
c) |
II e III, apenas.
|
d) |
I e III, apenas.
|
e) |
I, II e III.
|
A análise de cada uma das asserções esclarece a alternativa correta.
I. Correta. O eu lírico mostra-se incapaz de escapar das sensações suscitadas pela experiência de adentrar na igreja nas seguintes passagens: “Mas entro e, senhor, me perco / na rósea nave triunfal.” e “Mais que vossa igreja, esta / sabe a voz de me embalar”.
II. Correta. A reação de maravilhamento do eu poemático fica evidente em: “Mas entro e, senhor, me perco / na rósea nave triunfal. / Por que baixar tanto o céu?”. Os itens em destaque no trecho anteriormente selecionado mostram que o eu lírico enxerga-se como reduzido em relação à grandiosidade da construção, cujo espaço interno reproduz o céu.
III. Correta. A preeminência da Igreja de fato é exposta por sua ornamentação, a qual figura nas seguintes escolhas lexicais: “vossas flores e querubins” e “Dai-me, senhor, a só beleza / destes ornatos”.
II / São Francisco de Assis*
Senhor, não mereço isto.
Não creio em vós para vos amar.
Trouxestes-me a São Francisco
e me fazeis vosso escravo.
Não entrarei, senhor, no templo,
seu frontispício me basta.
Vossas flores e querubins
são matéria de muito amar.
Dai-me, senhor, a só beleza
destes ornatos. E não a alma.
Pressente-se dor de homem,
paralela à das cinco chagas.
Mas entro e, senhor, me perco
na rósea nave triunfal.
Por que tanto baixar o céu?
por que esta nova cilada?
Senhor, os púlpitos mudos
entretanto me sorriem.
Mais que vossa igreja, esta
sabe a voz de me embalar.
Perdão, senhor, por não amar-vos.
Carlos Drummond de Andrade
*O texto faz parte do conjunto de poemas “Estampas de Vila Rica”, que integra a edição crítica de Claro enigma. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
Um aspecto do poema em que se manifesta a persistência de um valor afirmado também no Modernismo da década de 1920 é o
a) |
a) destaque dado às características regionais. |
b) |
b) uso da variante oral-popular da linguagem. |
c) |
c) elogio do sincretismo religioso. |
d) |
d) interesse pelo passado da arte no Brasil. |
e) |
e) delineamento do poema em feitio de oração. |
a) Incorreta. De fato, o modernismo da década de 20 tematizava aspectos regionais da cultura e paisagens brasileiras, entretanto, a temática do poema é centrada no registro das impressões do eu lírico a respeito da igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Supostas características regionais da cidade ou de Minas Gerais não são tematizadas.
b) Incorreta. Um dos princípios da 1ª fase do modernismo era o aproveitamento estético da variedade linguística regional-popular, todavia, o poema “São Francisco” configura-se como uma oração solene, em que o poeta emprega o registro culto para dirigir-se a Deus.
c) Incorreta. O sincretismo religioso não é tematizado no poema.
d) Correta. Um dos grandes interesses dos modernistas da década de 1920 foi justamente a cidade de Ouro Preto e sua arte barroca. Dois anos após a Semana de Arte Moderna, artistas como Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Mário de Andrade visitaram a cidade na famosa “viagem de redescoberta do Brasil”. O próprio movimento Pau-Brasil foi inspirado pelas manifestações artísticas tradicionais até então desconhecidas por muitos artistas modernistas. Dessa forma, as propostas desse movimento de renovação das artes brasileiras passam pelo resgate, valorização e ressignificação da estética do passado.
e) Incorreta. O poema é concebido como uma oração em que eu lírico reporta-se a Deus, entretanto, esse formato de composição poética não foi característico da produção modernista da primeira fase.
Plants not only remember when you touch them, but they can also make risky decisions that are as sophisticated as those made by humans, all without brains or complex nervous systems.
Researchers showed that when faced with the choice between a pot containing constant levels of nutrients or one with unpredictable levels, a plant will pick the mystery pot when conditions are sufficiently poor.
In a set of experiments, Dr. Shemesh, from Tel-Hai College in Israel, and Alex Kacelnik, from Oxford University, grew pea plants and split their roots between two pots. Both pots had the same amount of nutrients on average, but in one, the levels were constant; in the other, they varied over time. Then the researchers switched the conditions so that the average nutrients in both pots would be equally high or low, and asked: Which pot would a plant prefer?
When nutrient levels were low, the plants laid more roots in the unpredictable pot. But when nutrients were abundant, they chose the one that always had the same amount.
The New York Times, June 30, 2016. Adaptado.
Segundo uma das conclusões dos experimentos relatados no texto, as plantas de ervilha demonstraram
a) |
sensibilidade aos gestos humanos agressivos.
|
b) |
ter sistemas nervosos complexos.
|
c) |
graus distintos de tolerância à umidade do solo.
|
d) |
capacidade de escolhas adaptativas conforme o meio.
|
e) |
comportamento previsível no processo de florescimento.
|
a) Incorreta. A única menção ao toque humano é feita no início do primeiro parágrafo, onde se afirma que as plantas não apenas se lembram quando as tocamos, mas também podem tomar decisões arriscadas que são tão sofisticadas quanto aquelas tomadas pelos humanos, tudo isso sem cérebros ou sistemas nervosos complexos. Mas nada é mencionado sobre gestos humanos agressivos.
b) Incorreta. Como podemos ver no final do primeiro parágrafo, as plantas podem tomar decisões arriscadas que são tão sofisticadas quanto aquelas tomadas pelos humanos, tudo isso sem (without) cérebros ou sistemas nervosos complexos.
c) Incorreta. No segundo parágrafo os pesquisadores mostraram que quando enfrentaram (faced) a escolha entre um vaso (pot) contendo constantes níveis de nutrientes ou um com níveis imprevisíveis (unpredictable), uma planta irá escolher o vaso misterioso quando as condições são suficientemente precárias (poor). O texto não fala de graus distintos de tolerância à umidade do solo.
d) Correta. Podemos confirmar que as plantas possuem capacidade de escolhas adaptativas conforme o meio no trecho que explica que, em uma série de experimentos, Dr. Shemesh, da Faculdade Tel-Hai em Israel, e Alex Kacelnik, da Universidade de Oxford, cultivaram (grew) ervilhas (pea plants) e dividiram (split) as raízes (roots) entre os dois vasos. Os dois vasos continham a mesma quantidade de nutrientes em média (on average), mas, em um deles, os níveis eram constantes, em outro, eles variavam com o tempo. Então os pesquisadores trocaram (switched) as condições de modo que (so that) a média de nutrientes nos dois (both) vasos seria igualmente alto ou baixo, e perguntaram: qual vaso a planta preferiria? Quando os níveis de nutrientes estavam baixos, as plantas colocaram (laid) mais raízes no vaso imprevisível. Mas quando os nutrientes eram abundantes, eles escolheram aquele que sempre tinha a mesma quantidade.
e) Incorreta. Podemos ver pelo texto que o comportamento das plantas não é previsível. (unpredictable).
Plants not only remember when you touch them, but they can also make risky decisions that are as sophisticated as those made by humans, all without brains or complex nervous systems.
Researchers showed that when faced with the choice between a pot containing constant levels of nutrients or one with unpredictable levels, a plant will pick the mystery pot when conditions are sufficiently poor.
In a set of experiments, Dr. Shemesh, from TelHai College in Israel, and Alex Kacelnik, from Oxford University, grew pea plants and split their roots between two pots. Both pots had the same amount of nutrients on average, but in one, the levels were constant; in the other, they varied over time. Then the researchers switched the conditions so that the average nutrients in both pots would be equally high or low, and asked: Which pot would a plant prefer?
When nutrient levels were low, the plants laid more roots in the unpredictable pot. But when nutrients were abundant, they chose the one that always had the same amount.
The New York Times, June 30, 2016. Adaptado.
Conforme o texto, um dos elementos da metodologia empregada nos experimentos foi
a) |
o número de mudas plantadas.
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b) |
a técnica de divisão de raízes.
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c) |
a localização dos vasos na estufa.
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d) |
a escolha da variedade de ervilha.
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e) |
o espaçamento das sementes nos vasos.
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a) Incorreta. O número de mudas plantadas não foi um dos elementos empregados na metodologia, mas sim a divisão das raízes e a variação nos níveis dos nutrientes.
b) Correta. No segundo parágrafo podemos ver que um dos elementos da metodologia empregada nos experimentos foi a divisão das raízes. (In a set of experiments, Dr. Shemesh, from Tel-Hai College in Israel, and Alex Kacelnik, from Oxford University, grew pea plants and split their roots between two pots.)
c) Incorreta. A localização dos vasos na estufa não foi um fator de avaliação neste experimento. Nada é dito sobre pot location (a localização do vaso) na greenhouse (estufa) no texto
d) Incorreta. O texto explica que, em uma série de experimentos, Dr. Shemesh, da Faculdade Tel-Hai em Israel, e Alex Kacelnik, da Universidade de Oxford, cultivaram (grew) ervilhas (pea plants) e dividiram (split) as raízes (roots) entre os dois vasos. O texto não menciona variedade de ervilhas.
e) Incorreta. Nada é mencionado sobre o espaçamento (spacing) das sementes (seeds).