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Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 2


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Mundo Grego

Milhões de mulheres vivem algumas frustações derivadas de mecanismos que as silenciam e que as afastam dos centros de poder. O mundo dos antigos gregos e romanos pode nos ajudar a compreender a construção desses mecanismos. Na fundação da tradição literária ocidental temos o primeiro exemplo registrado de um homem mandando uma mulher “calar a boca”. Refiro-me à Odisseia de Homero, escrita há quase 3 mil anos. Tendemos, hoje, a pensar na Odisseia apenas como a épica história de Ulisses e seu retorno para casa após a Guerra de Troia. Mas a Odisseia é também a história de Telêmaco, filho de Ulisses e Penélope. É a história do seu crescimento, e de como, ao longo do texto, ele amadurece, passando de menino a homem. Esse processo surge no primeiro livro do poema, quando Penélope desce de seus aposentos e vai ao grande saguão do palácio, onde um poeta se apresenta perante a multidão; ele canta as dificuldades encontradas pelos heróis gregos ao voltar para casa. A música não a agrada, e ela, diante de todos, pede-lhe que escolha outro tema, mais feliz. Nesse momento, intervém Telêmaco: “— Mãe, volte para seus aposentos e retome seu próprio trabalho, o tear e a roca. Discursos são coisas de homens, de todos os homens, e minhas, mais que de qualquer outro, pois meu é o poder nesta casa.” 

(Adaptado de Mary Beard, Mulheres e Poder. São Paulo: Planeta. 2018. Edição do Kindle: de Posição 51, 52, 63 e 64.)

Com base na leitura atenta do texto e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) Explique um papel social atribuído ao universo masculino e outro atribuído ao universo feminino na Antiguidade Clássica.

b) De acordo com o texto, por que a Odisseia pode ser revisitada para a compreensão do mundo contemporâneo?



Resolução

a) Sobre os papéis masculinos, era possível que o(a) candidato(a) abordasse:

  • Atividades Militares: Nas sociedades da Antiguidade Clássica, as atividades militares eram considerados incumbências masculinas, responsáveis pela defesa da Cidade e da sociedade em que viviam. Desta forma, os garotos recebiam uma educação e treinamento militar desde sua infância, devendo atender as obrigações militares ao longo de sua vida adulta.
  • Participação Política: Embora apresentassem diferentes estruturas políticas, as civilizações da Antiguidade Clássica convergiam ao incumbir aos homens o protagonismo político. Desta forma, tanto em Roma, como em Atenas ou Esparta, eram os homens os responsáveis pela discussão de assuntos de interesse coletivo, pela ocupação dos principais cargos públicos e pela tomada de decisões políticas.
  • Retórica e Filosofia: A educação formal era fundamentalmente um privilégio masculino na Antiguidade. Especialmente entre os grupos mais abastados, os jovens rapazes eram educados na retórica, nas letras, na filosofia e nas artes (como teatro e música, por exemplo). A ideia por trás dessa educação fundamentalmente masculina era valorizar a formação dos futuros cidadãos. Tal aspecto aparece no texto base do exercício, quando Telêmaco afirma que "discursos são coisas de homens, de todos os homens".

Sobre os papéis femininos, era possível que o(a) candidato(a) abordasse:

  • Criação dos filhos(as): A mulher era compreendida como a protagonista do espaço doméstico, sendo responsável pelos cuidados das crianças durante a primeira infância. Desde o parto, deveriam dedicar-se à segurança e à alimentação de seus descendentes.
  • Cuidados domésticos: Também eram considerados responsabilidades das mulheres os cuidados do lar e a organização do trabalho dos criados domésticos. Para além dos afazeres relacionados à residência, esperava-se da mulher a dedicação ao tear, à alimentação e aos cuidados da vida privada de seu marido, devendo total obediência e dedicação a sua autoridade.
  • Participação em Sepultamentos: Especialmente em Atenas, as mulheres desempenhavam um importante papel em funerais e em ocasiões religiosas. Em verdade, o sepultamento de familiares consistia numa das raras ocasiões em que a mulher era aceita no espaço público, devendo lavar e perfumar o corpo do falecido para seu devido velório. Em seguida, esperava-se que a mulher demonstrasse publicamente seus sentimentos e lamentasse a perda de seu ente querido.

b) Segundo o texto, a Odisseia pode ser revisitada para auxiliar na compreensão histórica da construção dos mecanismos de silenciamento das mulheres nos centros de poder, especialmente pelo fato de a sociedade contemporânea ainda apresentar uma defasagem na representação feminina nos espaços decisórios. Em outras palavras, por ser uma obra fundamental na tradição literária ocidental e por apresentar narrativas de relações públicas entre homens e mulheres  - incluindo um "primeiro exemplo registrado" do silenciamento de uma mulher -, tal documento fornece elementos valiosos para a reflexão histórica sobre os papeis masculinos e femininos nos espaços de poder, tema fundamental no debate político contemporâneo.

 

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Administração colonial Escravidão

Em estudo amplamente divulgado pela historiografia luso-brasileira, o historiador Charles Boxer afirmou: “entre as instituições que foram características do império marítimo português e que ajudaram a manter unidas as suas diferentes colônias, contavam-se o Senado da Câmara, as irmandades de caridade e as confrarias laicas”.

(Adaptado de Maria Fernanda Bicalho, “As Câmaras Municipais no Império Português: o Exemplo do Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 18, n. 36, p. 252, 1998.)

A partir da leitura do texto e dos seus conhecimentos,

a) cite e explique uma função de uma das instituições citadas no texto que contribuía para a manutenção da unidade de diferentes colônias do império marítimo português;

b) explique duas razões pelas quais a existência de quilombos no período colonial problematiza a noção de integridade do império português.



Resolução

a) As Câmaras Municipais (ou Senado da Câmara, título recebido por algumas) foram instâncias locais de poder fundamentais na administração colonial, sendo delegadas a elas inúmeras funções relativas ao funcionamento e à manutenção da colônia. Essas instituições foram criadas na América portuguesa a partir de 1532, sendo estabelecidas por decreto real ou a partir de petição dos moradores locais ao rei. As Câmaras funcionaram a partir da regulamentação portuguesa e eram formadas pelos "homens bons", sendo esses cargos preenchidos através de eleições, organizadas, em geral, a cada três anos. O funcionamento das Câmaras Municipais fazia parte de uma tentativa da Coroa de impor leis gerais sobre os costumes e padronizar o modelo de unidade administrativa, embora na prática tenham obtido um significativa autonomia local. As Câmaras administravam não só os impostos criados pela metrópole, mas também estabeleciam sua conta de taxas e arrecadações, sendo responsáveis pela organização e administração local. Dentre as diversas funções desempenhadas, os "homens bons" deveriam determinar impostos, fiscalizar, zelar pelas obras e pelos bens do lugar, vistoriar e determinar preços de produtos, dentre outras funções. Vale destacar que essa importante instância da administração colonial permaneceu mesmo após o processo de Independência, com algumas reformas feitas pela Constituição de 1824. 
As Irmandades de caridade ou Misericórdias, de acordo com o historiador citado na questão, Charles Boxer,  eram, juntamente com as Câmaras municipais, "pilares gêmeos da sociedade colonial portuguesa do Maranhão até Macau". Durante a modernidade, as chamadas Santas Casas de Misericórdia foram as principais instituições de auxílio à pobreza do Império português. Essas instituições foram criadas com base no modelo de Lisboa e pretendiam exercer a caridade a partir das 14 obras de misericórdia. Embora tivessem a pretensão de um ideal universalizante, na prática as Misericórdias eram muito diferentes entre si. Essas instituições repesentaram uma expansão do aparato assistencial português em diversos pontos do Império, estabelecendo uma institucionalização da forma de lidar com os mais pobres e sendo um dos resultados do processo de pauperização provocado pelas crises do século XIV.  Dentre as funções das Misericórias estavam: administração de serviços hospitaleres, recolhimento de órfãs, administração de boticas e cemitérios "públicos", auxílio na alimentação de presos pobres, visitação às cadeias, além de, eventualmente, distribuição de esmolas em datas específicas. 
Por fim, as confrarias laicas (também chamadas de irmandades) eram espaços de propagação da fé católica na América portuguesa, sendo organizadas para incentivar a devoção a um santo protetor e para fins beneficientes destinados aos seus irmãos. Tratavam-se de espaços de vivência religiosa e sociabilidade e  se disseminaram pelo território colonial. Para o seu funcionamento, as irmandades eram reguladas por um estatuto aprovado pelo Estado e pela Igreja, chamado de compromisso.  Esse modelo de organização foi inspirado nas já existentes na metrópole, no entanto, ainda assim as confrarias coloniais eram bastante originais, sobretudo aquelas organizadas e mantidas pela população negra, de origem africana. As chamadas irmandades dos "homens de cor" eram numerosas e forneciam uma reinterpretação do catolicismo, podendo ser considerada assim inclusive uma forma de resistência cultural. Essas irmandades eram, portanto, espaços nos quais os leigos divulgavam o catolicismo, sendo eles agentes também de cerimônias e atos de devoção. Além de uma atuação "religiosa", as irmandades também ofereciam e criavam um senso de comunidade para seus membros, já que ofertavam uma sensação de segurança e proteção, assegurando, por exemplo, um seputalmento digno e missa pelas almas de seus adeptos, assim como assistência material a seus familiares, sendo uma garantia de auxílio na doença, na invalidez e na morte. Vale destacar que, embora a maior força das irmandades esteja concentrada no Brasil colonial, sua existência perpassa o Império e atinge o período republicano. 

b) Os quilombos eram comunidades formadas por escravos fugidos que procuravam viver por meio do trabalho livre e a partir de suas bases socioculturais. Em relação à noção de integridade do império português, podemos citar, para melhor compreensão, as instituições mencionadas no texto - Câmaras, Irmandades e Confrarias Laicas -  que reproduzem, ainda que com algumas especificidades, uma estrutura originalmente inspirada na metrópole, dependendo inclusive da autorização e da regulamentação daquela para o seu funcionamento. Os quilombos, ao se formarem como comunidades autônomas dentro da sociedade colonial, representaram uma experiência na qual forjaram espaços sociais próprios e originais, independentes da administração colonial. Diversos autores buscam enfatizar as características africanas da experiência de Palmares, um dos maiores e mais famosos quilombos do Brasil colonial. Na experiência palmarina, por exemplo, a cultura africana era reforçada constantemente e oferecia aos escravos um repertório para a resistência, chamado pelo autor Edison Carneiro de "contra-aculturativo". Segundo ele, a “reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos” nos quilombos constituía a base para a luta “contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial”. 
Nesse sentido, podemos afirmar que a existência dos quilombos problematiza a noção de integridade do império português, pois representa a criação de comunidades autônomas e alheias aos órgãos administativos, bem como indicam amplas possibilidades de compreensão do desenvolvimento da cultura africana fora da África. 

 

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República Velha

Até 1891, ano da promulgação da primeira Constituição republicana, todo o controle sobre a vida civil estava, na prática, a cargo da Igreja Católica. Essa instituição produzia e controlava os registros de nascimento, casamento e morte. No caso dos casamentos, por exemplo, embora houvesse duas legislações em vigor sobre o assunto, uma civil e outra eclesiástica, apenas esta última era considerada legítima. Tanto para protestantes quanto para judeus não havia, durante a vigência do Império, qualquer tipo de registro civil de nascimento ou casamento, dificultando a legislação sobre bens e heranças. Além disso, as uniões entre dois cônjuges não católicos simplesmente não tinham qualquer valor legal, nem para a igreja nem perante a legislação civil.

(Adaptado de Keila Grinberg, Código civil e cidadania. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 39-41.)

Com base no excerto e em seus conhecimentos, responda às questões abaixo.

a) Qual é a definição histórica de Código Civil e qual sua função nas relações entre Igreja e Estado no Brasil Império?

b) Explique dois aspectos da noção de cidadania apresentada no Código Civil de 1891.



Resolução Sugerimos anulação

a) O Código Civil é um conjunto de normas que determinam aspectos sobre o direito privado dos cidadãos, abordando aspectos como cidadania, propriedade, família, contratos, relações interpessoais, entre outros. Durante o Brasil Império, a relação entre a Igreja e o Estado eram muito próximas, de forma que todo o controle da vida civil estava, na prática, a cargo da Igreja Católica: controle dos registros de nascimento, de casamento e de morte. O Estado brasileiro delegava à Igreja católica a possibilidade de organização de todas as etapas da vida dos habitantes do país, além de determinar a legalidade ou ilegalidade de um ato civil, de modo que no limite tinha também o poder de decidir sobre o destino de propriedades e bens. Como os únicos documentos de registro eram produzidos pela instituição (assentos de batismo, que serviam como certidões de nascimento), a Igreja acabava detendo o poder também de decidir o status jurídico de uma pessoa. 

Na história do Brasil, a compilação e a publicação de um Código Civil em 1916 buscava solucionar a confusão jurídica existente no direito privado brasileiro, que até então estava vinculado à atuação da Igreja Católica e mesmo às insituições oriundas das Ordenações Filipinas e do direito Romano. Portanto, a publicação de um Código em 1916 buscava tanto reafirmar o caráter laico da nova República Brasileira no âmbito jurídico privado, rompendo com a interferência da Igreja em assuntos jurídicos privados, como também tinha o intuito de organizar e atualizar a legislação existente sobre o tema no país.

b) Sobre a noção de cidadania presente no Código Civil aprovado durante a chamada "República Velha" (datado de 1916, e não 1891), há a garantia do gozo dos direitos civis (mas não políticos) tanto a nacionais como a estrangeiros, equiparando ambos os grupos em meio a um contexto de intensa imigração para o Brasil. Por outro lado, há uma série de restrições no reconhecimento da cidadania plena para outras parcelas da população, como indígenas, mulheres e os portadores de necessidades especiais, por exemplo. Enquanto que os considerados "loucos" e os surdo-mudos graves eram definidos como "absolutamente incapazes" de exercerem pessoalmente os atos da vida civil, no caso de indígenas e de mulheres casadas, estes eram classificados como "relativamente incapazes". Segundo a lógica do Código de 1916, os indígenas estavam sob tutela legal, sendo incorporados plenamente à cidadania brasileira conforme se "adaptassem" à "civilização do país", explicitando o caráter assimilacionista da política indigenista do período. Sobre as mulheres casadas, estas estavam sob a tutela e a autoridade de seu marido, sendo que necessitavam de sua autorização para atuar profissionalmente, aceitar herança ou ajuizar ações judiciais, por exemplo. Também era limitada às mulheres a participação política e a administração dos bens da família, esta última prevista apenas em situações bastante excepcionais de impedimento do marido.

Por sua vez, caso a questão se refira especificamente à Constituição de 1891 e não ao Código Civil, neste texto, a noção de cidadania adota aspectos liberais, sendo garantida aos brasileiros de nascença e aos estrangeiros naturalizados. Por outro lado, há a previsão de suspensação ou mesmo perda de direitos individuais aos cidadãos brasileiros em caso de "incapacidade física ou moral", por condenação criminal ou por aceite de emprego para governos estrangeiros. Por fim, a Constituição também garantia uma série de princípios e direitos individuais a seus cidadãos, como a liberdade, propriedade, segurança individual, a liberdade religiosa e o livre exercício de qualquer profissão considerada moral, por exemplo. Contudo, conforme explicitado no parágrafo acima, tais direitos foram limitados para certos grupos em legislações posteriores, como no caso de mulheres, indígenas e os portadores de necessidades especiais.

Nota: Propomos a anulação dessa questão pois há em sua formulação um erro conceitual relativo ao Código Civil do Brasil. O primeiro Código Civil do Brasil é datado de 1916, diferentemente do que afirma o item B, ao mencionar o Código Civil de 1891. De acordo com a autora Keila Grinberg, na obra Código e Civil e cidadania (da qual foi retirada o texto base da questão), "O que muitos não sabem é que essa demora faz parte da própria história da elaboração do Código Civil brasileiro. O atual, que entrou em vigor em janeiro de 1916, também corria o perigo, para políticos, juristas e advogado daquea época, de nascer desatualizado. O projeto do código elaborado por Clóvis Beviláqua levou 16 anos sendo discutido no Congresso. O processo completo levou 61 anos se contados desde o primeiro contato do governo imperial para sistematização da legislação civil vigente, ou 94, levando em consideração a promessa feita em 1823, logo após a independência, de a Elaboração desse código ser uma prioridade do novo país." (p. 7-8). Ainda nesse sentido, o site oficial da Câmara dos Deputados do Brasil afirma "A vontade de um código civil próprio, no entanto, não foi suficiente para concretizar aquele anelo, tanto que apenas em 1916 conseguimos promulgar nosso primeiro Código Civil." Vale ainda destacar que no ano de 1891 foi promulgada a primeira Constituição republicana do Brasil, podendo induzir o candidato ao erro na resolução da questão. Desse modo, a inexistência de um Código Civil de 1891, conforme solicitado no enunciado do item B, inviabiliza a resolução da questão. 

 

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Brasil República

Entre os anos de 1930 e 1960, a prática social do baile se impôs como um dos entretenimentos mais cultuados pelos paulistanos, juntamente com o cinema. No momento em que São Paulo assume as feições de uma grande metrópole, os bailes passaram a demarcar o calendário das festas na cidade: aniversário dos clubes, coroamento de concursos de miss, bailes de debutantes, réveillon, etc. Quanto ao ritmo, a presença marcante do jazz se fazia notar nesse clima de alvorecer do cosmopolitismo paulista. Ao ser conquistada pela moda da dança, São Paulo foi engolfada por uma onda que se acentuou no pós-guerra nas grandes cidades dos Estados Unidos e da Europa.

(Adaptado de Francisco Rocha, “Na trilha das grandes orquestras. O ABC da cidade moderna. Aviões, Baile e Cinema”, em José Geraldo Vince de Moraes e Elias Thomé Saliba (orgs.), História e Música no Brasil. São Paulo: Alameda, 2010, p. 382-383.)

A partir do enunciado e de seus conhecimentos responda às questões abaixo.

a) Explique as funções dos bailes, entre os anos de 1930 e 1960, na formação de um ideário de São Paulo como uma cidade cosmopolita.

b) Caracterize o mundo do trabalho nas cidades brasileiras no contexto do pós-guerra.



Resolução

a) Conforme o texto sugere, os bailes eram vistos como uma inovadora forma de entretenimento aos paulistas entre os anos de 1930 e 1960, período de rápido crescimento da metrópole paulista. Assim, conjuntamente com a expansão do cinema, os bailes eram considerados modernas manifestações da indústria de lazer em São Paulo, sinal de um novo estilo de vida urbano e contemporâneo. Ademais, tais eventos eram marcados pela forte influência cultural estrangeira, seja na presença do jazz (estilo musical de origem norte-americana) como pela própria indumentária utilizada pelos participantes, em sintonia com a moda vigente na Europa e na América do Norte. Por se tornarem símbolos da modernidade e da proximidade cultural com outros centros urbanos globais, tais bailes se tornaram marcas importantes de um ideário cosmopolita paulista para o período.

b) Apesar da euforia da sociedade brasileira pela vitória na Segunda Guerra Mundial e pelo processo de redemocratização em curso no país, a vida dos trabalhadores brasileiros encontrava uma série de desafios, tanto no campo como na cidade. Acometidos pelos esforços de Guerra, pela crescente inflação e pela desestruturação da economia mundial, os trabalhadores brasileiros conviviam com uma redução geral de seu poder de compra e de sua qualidade de vida no pós-guerra. Como reflexo dessa situação, os anos de 1946 e 1947 foram marcados pela eclosão de uma série de greves operárias no país, sobretudo nos principais centros urbanos do Sudeste.

Concomitante aos movimentos grevistas, os sindicatos almejavam assegurar sua autonomia prevista na Constituição de 1946 - autonomia esta prevista de forma ambígua, já que a Carta assegurava ao mesmo tempo a liberdade sindical e mecanismos de controle estatal de tais associações. No entanto, tais esforços associativos e grevistas tiveram curta duração dentro do governo Dutra, já que,especialmente após a proibição do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e opção pelo alinhamento automático com os EUA na Guerra Fria, a intervenção estatal nos sindicatos e a perseguição de elementos considerados "subversivos" se tornaram práticas comuns, respaldadas pelo forte discurso anticomunista. No entanto, ainda que sofrendo eventuais intervenções estatais e perseguições políticas, o movimento sindical brasileiro manteve-se ativo nos anos subsequentes do período democrático, como na ocorrência da Greve dos 300 mil em 1953 e a Greve dos 400 mil, em 1957. Aqui, importantes ganhos aos trabalhadores foram conquistados através de sua mobilização, como o aumento do salário mínimo em 100% decretado pelo então ministro João Goulart, ou as recuperações salariais obtidas através das inúmeras negociações e greves.

Politicamente, após a proibição do PCB, os trabalhadores eram principalmente representados pelo PTB, partido criado por Getúlio Vargas. A associação entre o operariado urbano, sindicalistas e os dirigentes do PTB atravessou a década de 1950 e persistiu até o início dos anos de 1960, durante o Governo de João Goulart. Nesse contexto, há uma nova crescente de mobilização do operariado urbano em torno das chamadas “Reformas de Base” e da ampliação de seus direitos sociais. Contudo, com o golpe militar de 1964, novamente os sindicatos experimentaram um aumento das intervenções e da repressão política, agora durante os anos da chamada Ditadura Militar.

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Chile no Século XX

Desde outubro de 2019, temos visto a maior mobilização social das últimas décadas no Chile. Nesta série de protestos, chamados de estallido social (estouro social), emergiu, de forma recorrente, uma apelação a processos históricos que não deveria nos surpreender. Afinal, o que é uma crise que conduz a um novo pacto social, via Assembleia Constituinte, se não um acerto de contas com a História? As referências à transição para a democracia e à Ditadura de Pinochet (1973-1990) são obrigatórias. No caso desta última, a referência é por haver imposto à força um modelo do qual a maioria dos chilenos quer se livrar. A Constituição de 1980 tem ocupado um lugar central no debate, para lembrar que no Chile não há uma Constituição verdadeiramente democrática.

(Adaptado e traduzido de Mauricio Folch (org.), Chile Despertó: lecturas desde la Historia del estallido social de octubre. Santiago: Universidad de Chile, 2019. p. 9.)

A partir do enunciado e de seus conhecimentos,

a) explique por que os protestos são um acerto de contas com a história recente e por que a manutenção de uma Constituição herdada da ditadura pinochetista impede que exista um estado verdadeiramente democrático no Chile;

b) indique uma prática usual de repressão da ditadura militar chilena e comente por que esta prática viola os direitos humanos.



Resolução

a) A Constituição chilena foi aprovada em 1980, durante o governo de Augusto Pinochet, que permaneceu no poder entre 1973 e 1990. Sua elaboração remete, portanto, ao contexto marcado por forte autoritarismo, perseguições políticas e supressão de direitos sociais.  O texto constitucional traz fortes heranças do regime militar e é bastante criticado também por atribuir ao Estado um papel diminuto na garantia de serviços básicos. Esse aspecto pode ser observado no fato de diversos setores chilenos serem privatizados, tais como a educação, saúde, previdência, saúde e mesmo serviços básicos como o acesso à água, já que o Estado se limita apenas ao monitoramento ou supervisão de como particulares oferecem esses serviços. 

Embora o texto constitucional tenha passado por algumas alterações, sua substituição por outro foi a principal reivindicação dos setores sociais, que questionam duramente sua legitimidade, já que o mesmo foi elaborado em um contexto autoritário. Nesse sentido, o modelo de sociedade concebido na ditadura perpetuou-se quase que integralmente na democracia, numa transição democrática que foi pactuada a partir de acordos políticos. O próprio ditador Augusto Pinochet recebeu o cargo de senador vitalício e muitos parlamentares do período ditatorial continuaram atuando no período democrático chileno.

As mobilizações de 2019 representam a continuidade da luta de diversos setores que reivindicam a elaboração de uma nova constituição para o país, tendo como base um processo democrático. Nesse sentido, podemos afirmar que os protestos são um acerto de contas com a história recente do país pois buscam uma ruptura definitiva com as bases construídas por Pinochet durante a ditadura e abrem caminho para a construção de um estado verdadeiramente democrático no Chile. 

b) A Ditadura chilena liderada pelo general Augusto Pinochet foi um dos períodos mais cruéis da história do país, com milhares de vítimas, entre mortos, torturados e exilados. Esse período foi caracterizado pela adoção de uma política de terror de Estado, sendo torturas e fuzilamentos em julgamentos sumários algumas de suas práticas recorrentes. Um dos episódios mais emblemáticos e conhecidos desse período ocorreu no Estadio Nacional, quando estudantes, trabalhadores, intelectuais, membros da Unidade Popular e artistas foram confinados, torturados e fuzilados. Dentre eles, estava o cantor e compositor Victor Jara (1932-1973), que cantava nos comícios da Unidade Popular em apoio à eleição de Salvador Allende (presidente chileno morto no golpe de 11 de setembro de 1973). Jara teve as mãos quebradas, sofreu queimaduras e depois foi metralhado. As práticas da ditadura chilena são violações de direitos humanos pois contrariam enfaticamente os direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (UDHR), segundo a qual, direitos básicos devem assegurar a dignidade inerente aos seres humanos, sendo esses os fundamentos da liberdade, da justiça e da paz no mundo. 

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Estudos da Cultura

A humanidade vai sendo descolada desse organismo que é a terra. Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia, ou na América Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes. Formam uma camada de gente que fica agarrada na terra. A ideia de nós, os humanos, nos descolarmos da terra, vivendo uma abstração civilizatória, é absurda. Ela suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos. 

(Adaptado de Ailton Krenak, Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019, p. 21-22.)

O texto acima foi escrito pelo intelectual indígena Ailton Krenak. A partir da leitura do excerto e de seus conhecimentos, responda às questões.

a) Identifique uma condição econômica e outra sociocultural do tempo presente no Brasil que causaram impacto no pensamento de Krenak.

b) De acordo com o autor, de que modo a pluralidade das formas de vidas é importante para a proposição de um novo paradigma para a humanidade?



Resolução

a) As dinâmicas sociais e políticas, de nosso tempo, atreladas à lógica econômica mundial, globalizada, não nos permite, mais, olharmos para nós mesmos como seres pertencentes desse organismo chamado “terra”. Por isso mesmo, via de regra, nosso olhar para a natureza é calculista, indiferente, afastado, mercantilizado. Qualquer um dos adjetivos, em pauta, nos revela a consequência de um processo que, a rigor, começa no Mundo Moderno: a racionalidade técnica a serviço da dominação, com ares de soberba e sob a justificativa do progresso e da civilização.

Civilização que, como o texto menciona, é abstrata e, como tal, absurda. Abstrata pois, nos moldes que se dá, se descola da realidade empírica e se torna conceito vazio, como se fosse independentemente de qualquer elemento natural ou fenômeno da natureza. Absurdo, logicamente, pelo mesmo motivo: por esconder o fato de que, sem lastro real, sem proximidade com o mundo, nenhuma ideia de civilização se sustenta.

Disso, bem coloca o autor: poucos se deram conta. Destaque para aqueles que, “meio esquecidos pela borda do planeta”, conseguem se enxergar, ainda, como pertencentes à terra. Falamos daqueles que não se perderam no devaneio do progresso ou da civilização, dos que tem contato direto, contínuo e, pelo menos por enquanto, ininterrupto com a natureza.

Uma condição econômica que causou impacto no pensamento do intelectual indígena Ailton Krenak, de modo a fazê-lo ter interpretações como a descrita acima, é o avanço da agroexportação no Brasil, nos tempos de hoje. Historicamente, essa lógica de negóciofoi fundamental na economia brasileira, desde os tempos de Império, pelo menos. Atualmente, porém, os órgãos de fiscalização têm alertado: o desmatamento, em prol do agronegócio (através de incêndios clandestinos, por exemplo) cresce exponencialmente. Nas áreas desmatadas, os latifundiários, entre outras coisas, plantam grãos para abastecer o mundo, em uma lógica econômica de divisão do trabalho global que faz do Brasil  “celeiro do mundo”.

O outro lamentável aspecto desse processo pode ser observado, fatalmente, nos aspectos socioculturais dos povos ribeirinhos, indígenas, quilombolas e caiçaras: todos vão perdendo suas terras para o avanço do agronegócio. Os governos fazem pouco caso da situação e se negam, por exemplo, a cumprir os deveres constitucionais da demarcação de terra indígena ou de fiscalização de áreas de proteção ambiental. O triste resultado se nota rapidamente: as populações já mencionadas vão, forçadamente, se dissipando e perdendo, de modo abrupto, suas culturas. Línguas, danças, ritos, vestuários, alimentação, crenças: tudo se dilui, se esvai, se perde. O processo de aculturação mata o povo brasileiro, aos poucos.

b) A pluralidade das formas de vida é importante para a proposição de um novo paradigma para a humanidade, de acordo com o autor, porque propicia um olhar mais completo para a natureza e a terra, já que, negando a lógica econômica global, e seus impactos socioculturais, apresenta outra perspectiva, frente ao avanço da tecnologia e a construção de uma ideia vazia e absurda de civilização: podemos ser e estar, no planeta, como seres pertencentes a esse.

Dito de outro modo: as populações ribeirinhas, caiçaras, indígenas e quilombolas mostram que é possível vivermos em contato com a natureza como se dela fizéssemos parte, respeitando-a como a nós mesmos, em uma relação de interdependência, não de domínio. Além da integridade do meio ambiente, assim, também poderíamos preservar as tradições locais, sem a necessidade de diluirmos nossas práticas culturais nas dinâmicas padronizadas do mercado global.

Contra o abuso dos recursos naturais, então, e contra o processo de aculturação, o intelectual indígena Ailton Krenak defende o respeito para com o planeta e seus limites, além da diversidade cultural construída a partir da alteridade. Quanto mais destruímos o meio ambiente e, fatalmente, nossas culturas e tradições, mais ingressamos na lógica moderna do domínio da natureza, de sua destruição, e mais padronizamos nossas vidas, sob a égide absurda do progresso e da civilização.