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Questão 3 Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 2

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Questão 3

República Velha

Até 1891, ano da promulgação da primeira Constituição republicana, todo o controle sobre a vida civil estava, na prática, a cargo da Igreja Católica. Essa instituição produzia e controlava os registros de nascimento, casamento e morte. No caso dos casamentos, por exemplo, embora houvesse duas legislações em vigor sobre o assunto, uma civil e outra eclesiástica, apenas esta última era considerada legítima. Tanto para protestantes quanto para judeus não havia, durante a vigência do Império, qualquer tipo de registro civil de nascimento ou casamento, dificultando a legislação sobre bens e heranças. Além disso, as uniões entre dois cônjuges não católicos simplesmente não tinham qualquer valor legal, nem para a igreja nem perante a legislação civil.

(Adaptado de Keila Grinberg, Código civil e cidadania. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 39-41.)

Com base no excerto e em seus conhecimentos, responda às questões abaixo.

a) Qual é a definição histórica de Código Civil e qual sua função nas relações entre Igreja e Estado no Brasil Império?

b) Explique dois aspectos da noção de cidadania apresentada no Código Civil de 1891.



Resolução Sugerimos anulação

a) O Código Civil é um conjunto de normas que determinam aspectos sobre o direito privado dos cidadãos, abordando aspectos como cidadania, propriedade, família, contratos, relações interpessoais, entre outros. Durante o Brasil Império, a relação entre a Igreja e o Estado eram muito próximas, de forma que todo o controle da vida civil estava, na prática, a cargo da Igreja Católica: controle dos registros de nascimento, de casamento e de morte. O Estado brasileiro delegava à Igreja católica a possibilidade de organização de todas as etapas da vida dos habitantes do país, além de determinar a legalidade ou ilegalidade de um ato civil, de modo que no limite tinha também o poder de decidir sobre o destino de propriedades e bens. Como os únicos documentos de registro eram produzidos pela instituição (assentos de batismo, que serviam como certidões de nascimento), a Igreja acabava detendo o poder também de decidir o status jurídico de uma pessoa. 

Na história do Brasil, a compilação e a publicação de um Código Civil em 1916 buscava solucionar a confusão jurídica existente no direito privado brasileiro, que até então estava vinculado à atuação da Igreja Católica e mesmo às insituições oriundas das Ordenações Filipinas e do direito Romano. Portanto, a publicação de um Código em 1916 buscava tanto reafirmar o caráter laico da nova República Brasileira no âmbito jurídico privado, rompendo com a interferência da Igreja em assuntos jurídicos privados, como também tinha o intuito de organizar e atualizar a legislação existente sobre o tema no país.

b) Sobre a noção de cidadania presente no Código Civil aprovado durante a chamada "República Velha" (datado de 1916, e não 1891), há a garantia do gozo dos direitos civis (mas não políticos) tanto a nacionais como a estrangeiros, equiparando ambos os grupos em meio a um contexto de intensa imigração para o Brasil. Por outro lado, há uma série de restrições no reconhecimento da cidadania plena para outras parcelas da população, como indígenas, mulheres e os portadores de necessidades especiais, por exemplo. Enquanto que os considerados "loucos" e os surdo-mudos graves eram definidos como "absolutamente incapazes" de exercerem pessoalmente os atos da vida civil, no caso de indígenas e de mulheres casadas, estes eram classificados como "relativamente incapazes". Segundo a lógica do Código de 1916, os indígenas estavam sob tutela legal, sendo incorporados plenamente à cidadania brasileira conforme se "adaptassem" à "civilização do país", explicitando o caráter assimilacionista da política indigenista do período. Sobre as mulheres casadas, estas estavam sob a tutela e a autoridade de seu marido, sendo que necessitavam de sua autorização para atuar profissionalmente, aceitar herança ou ajuizar ações judiciais, por exemplo. Também era limitada às mulheres a participação política e a administração dos bens da família, esta última prevista apenas em situações bastante excepcionais de impedimento do marido.

Por sua vez, caso a questão se refira especificamente à Constituição de 1891 e não ao Código Civil, neste texto, a noção de cidadania adota aspectos liberais, sendo garantida aos brasileiros de nascença e aos estrangeiros naturalizados. Por outro lado, há a previsão de suspensação ou mesmo perda de direitos individuais aos cidadãos brasileiros em caso de "incapacidade física ou moral", por condenação criminal ou por aceite de emprego para governos estrangeiros. Por fim, a Constituição também garantia uma série de princípios e direitos individuais a seus cidadãos, como a liberdade, propriedade, segurança individual, a liberdade religiosa e o livre exercício de qualquer profissão considerada moral, por exemplo. Contudo, conforme explicitado no parágrafo acima, tais direitos foram limitados para certos grupos em legislações posteriores, como no caso de mulheres, indígenas e os portadores de necessidades especiais.

Nota: Propomos a anulação dessa questão pois há em sua formulação um erro conceitual relativo ao Código Civil do Brasil. O primeiro Código Civil do Brasil é datado de 1916, diferentemente do que afirma o item B, ao mencionar o Código Civil de 1891. De acordo com a autora Keila Grinberg, na obra Código e Civil e cidadania (da qual foi retirada o texto base da questão), "O que muitos não sabem é que essa demora faz parte da própria história da elaboração do Código Civil brasileiro. O atual, que entrou em vigor em janeiro de 1916, também corria o perigo, para políticos, juristas e advogado daquea época, de nascer desatualizado. O projeto do código elaborado por Clóvis Beviláqua levou 16 anos sendo discutido no Congresso. O processo completo levou 61 anos se contados desde o primeiro contato do governo imperial para sistematização da legislação civil vigente, ou 94, levando em consideração a promessa feita em 1823, logo após a independência, de a Elaboração desse código ser uma prioridade do novo país." (p. 7-8). Ainda nesse sentido, o site oficial da Câmara dos Deputados do Brasil afirma "A vontade de um código civil próprio, no entanto, não foi suficiente para concretizar aquele anelo, tanto que apenas em 1916 conseguimos promulgar nosso primeiro Código Civil." Vale ainda destacar que no ano de 1891 foi promulgada a primeira Constituição republicana do Brasil, podendo induzir o candidato ao erro na resolução da questão. Desse modo, a inexistência de um Código Civil de 1891, conforme solicitado no enunciado do item B, inviabiliza a resolução da questão.