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Questão 1 Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 2

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Questão 1

Mundo Grego

Milhões de mulheres vivem algumas frustações derivadas de mecanismos que as silenciam e que as afastam dos centros de poder. O mundo dos antigos gregos e romanos pode nos ajudar a compreender a construção desses mecanismos. Na fundação da tradição literária ocidental temos o primeiro exemplo registrado de um homem mandando uma mulher “calar a boca”. Refiro-me à Odisseia de Homero, escrita há quase 3 mil anos. Tendemos, hoje, a pensar na Odisseia apenas como a épica história de Ulisses e seu retorno para casa após a Guerra de Troia. Mas a Odisseia é também a história de Telêmaco, filho de Ulisses e Penélope. É a história do seu crescimento, e de como, ao longo do texto, ele amadurece, passando de menino a homem. Esse processo surge no primeiro livro do poema, quando Penélope desce de seus aposentos e vai ao grande saguão do palácio, onde um poeta se apresenta perante a multidão; ele canta as dificuldades encontradas pelos heróis gregos ao voltar para casa. A música não a agrada, e ela, diante de todos, pede-lhe que escolha outro tema, mais feliz. Nesse momento, intervém Telêmaco: “— Mãe, volte para seus aposentos e retome seu próprio trabalho, o tear e a roca. Discursos são coisas de homens, de todos os homens, e minhas, mais que de qualquer outro, pois meu é o poder nesta casa.” 

(Adaptado de Mary Beard, Mulheres e Poder. São Paulo: Planeta. 2018. Edição do Kindle: de Posição 51, 52, 63 e 64.)

Com base na leitura atenta do texto e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) Explique um papel social atribuído ao universo masculino e outro atribuído ao universo feminino na Antiguidade Clássica.

b) De acordo com o texto, por que a Odisseia pode ser revisitada para a compreensão do mundo contemporâneo?



Resolução

a) Sobre os papéis masculinos, era possível que o(a) candidato(a) abordasse:

  • Atividades Militares: Nas sociedades da Antiguidade Clássica, as atividades militares eram considerados incumbências masculinas, responsáveis pela defesa da Cidade e da sociedade em que viviam. Desta forma, os garotos recebiam uma educação e treinamento militar desde sua infância, devendo atender as obrigações militares ao longo de sua vida adulta.
  • Participação Política: Embora apresentassem diferentes estruturas políticas, as civilizações da Antiguidade Clássica convergiam ao incumbir aos homens o protagonismo político. Desta forma, tanto em Roma, como em Atenas ou Esparta, eram os homens os responsáveis pela discussão de assuntos de interesse coletivo, pela ocupação dos principais cargos públicos e pela tomada de decisões políticas.
  • Retórica e Filosofia: A educação formal era fundamentalmente um privilégio masculino na Antiguidade. Especialmente entre os grupos mais abastados, os jovens rapazes eram educados na retórica, nas letras, na filosofia e nas artes (como teatro e música, por exemplo). A ideia por trás dessa educação fundamentalmente masculina era valorizar a formação dos futuros cidadãos. Tal aspecto aparece no texto base do exercício, quando Telêmaco afirma que "discursos são coisas de homens, de todos os homens".

Sobre os papéis femininos, era possível que o(a) candidato(a) abordasse:

  • Criação dos filhos(as): A mulher era compreendida como a protagonista do espaço doméstico, sendo responsável pelos cuidados das crianças durante a primeira infância. Desde o parto, deveriam dedicar-se à segurança e à alimentação de seus descendentes.
  • Cuidados domésticos: Também eram considerados responsabilidades das mulheres os cuidados do lar e a organização do trabalho dos criados domésticos. Para além dos afazeres relacionados à residência, esperava-se da mulher a dedicação ao tear, à alimentação e aos cuidados da vida privada de seu marido, devendo total obediência e dedicação a sua autoridade.
  • Participação em Sepultamentos: Especialmente em Atenas, as mulheres desempenhavam um importante papel em funerais e em ocasiões religiosas. Em verdade, o sepultamento de familiares consistia numa das raras ocasiões em que a mulher era aceita no espaço público, devendo lavar e perfumar o corpo do falecido para seu devido velório. Em seguida, esperava-se que a mulher demonstrasse publicamente seus sentimentos e lamentasse a perda de seu ente querido.

b) Segundo o texto, a Odisseia pode ser revisitada para auxiliar na compreensão histórica da construção dos mecanismos de silenciamento das mulheres nos centros de poder, especialmente pelo fato de a sociedade contemporânea ainda apresentar uma defasagem na representação feminina nos espaços decisórios. Em outras palavras, por ser uma obra fundamental na tradição literária ocidental e por apresentar narrativas de relações públicas entre homens e mulheres  - incluindo um "primeiro exemplo registrado" do silenciamento de uma mulher -, tal documento fornece elementos valiosos para a reflexão histórica sobre os papeis masculinos e femininos nos espaços de poder, tema fundamental no debate político contemporâneo.