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Questão 2 Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 2

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Questão 2

Administração colonial Escravidão

Em estudo amplamente divulgado pela historiografia luso-brasileira, o historiador Charles Boxer afirmou: “entre as instituições que foram características do império marítimo português e que ajudaram a manter unidas as suas diferentes colônias, contavam-se o Senado da Câmara, as irmandades de caridade e as confrarias laicas”.

(Adaptado de Maria Fernanda Bicalho, “As Câmaras Municipais no Império Português: o Exemplo do Rio de Janeiro”. Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 18, n. 36, p. 252, 1998.)

A partir da leitura do texto e dos seus conhecimentos,

a) cite e explique uma função de uma das instituições citadas no texto que contribuía para a manutenção da unidade de diferentes colônias do império marítimo português;

b) explique duas razões pelas quais a existência de quilombos no período colonial problematiza a noção de integridade do império português.



Resolução

a) As Câmaras Municipais (ou Senado da Câmara, título recebido por algumas) foram instâncias locais de poder fundamentais na administração colonial, sendo delegadas a elas inúmeras funções relativas ao funcionamento e à manutenção da colônia. Essas instituições foram criadas na América portuguesa a partir de 1532, sendo estabelecidas por decreto real ou a partir de petição dos moradores locais ao rei. As Câmaras funcionaram a partir da regulamentação portuguesa e eram formadas pelos "homens bons", sendo esses cargos preenchidos através de eleições, organizadas, em geral, a cada três anos. O funcionamento das Câmaras Municipais fazia parte de uma tentativa da Coroa de impor leis gerais sobre os costumes e padronizar o modelo de unidade administrativa, embora na prática tenham obtido um significativa autonomia local. As Câmaras administravam não só os impostos criados pela metrópole, mas também estabeleciam sua conta de taxas e arrecadações, sendo responsáveis pela organização e administração local. Dentre as diversas funções desempenhadas, os "homens bons" deveriam determinar impostos, fiscalizar, zelar pelas obras e pelos bens do lugar, vistoriar e determinar preços de produtos, dentre outras funções. Vale destacar que essa importante instância da administração colonial permaneceu mesmo após o processo de Independência, com algumas reformas feitas pela Constituição de 1824. 
As Irmandades de caridade ou Misericórdias, de acordo com o historiador citado na questão, Charles Boxer,  eram, juntamente com as Câmaras municipais, "pilares gêmeos da sociedade colonial portuguesa do Maranhão até Macau". Durante a modernidade, as chamadas Santas Casas de Misericórdia foram as principais instituições de auxílio à pobreza do Império português. Essas instituições foram criadas com base no modelo de Lisboa e pretendiam exercer a caridade a partir das 14 obras de misericórdia. Embora tivessem a pretensão de um ideal universalizante, na prática as Misericórdias eram muito diferentes entre si. Essas instituições repesentaram uma expansão do aparato assistencial português em diversos pontos do Império, estabelecendo uma institucionalização da forma de lidar com os mais pobres e sendo um dos resultados do processo de pauperização provocado pelas crises do século XIV.  Dentre as funções das Misericórias estavam: administração de serviços hospitaleres, recolhimento de órfãs, administração de boticas e cemitérios "públicos", auxílio na alimentação de presos pobres, visitação às cadeias, além de, eventualmente, distribuição de esmolas em datas específicas. 
Por fim, as confrarias laicas (também chamadas de irmandades) eram espaços de propagação da fé católica na América portuguesa, sendo organizadas para incentivar a devoção a um santo protetor e para fins beneficientes destinados aos seus irmãos. Tratavam-se de espaços de vivência religiosa e sociabilidade e  se disseminaram pelo território colonial. Para o seu funcionamento, as irmandades eram reguladas por um estatuto aprovado pelo Estado e pela Igreja, chamado de compromisso.  Esse modelo de organização foi inspirado nas já existentes na metrópole, no entanto, ainda assim as confrarias coloniais eram bastante originais, sobretudo aquelas organizadas e mantidas pela população negra, de origem africana. As chamadas irmandades dos "homens de cor" eram numerosas e forneciam uma reinterpretação do catolicismo, podendo ser considerada assim inclusive uma forma de resistência cultural. Essas irmandades eram, portanto, espaços nos quais os leigos divulgavam o catolicismo, sendo eles agentes também de cerimônias e atos de devoção. Além de uma atuação "religiosa", as irmandades também ofereciam e criavam um senso de comunidade para seus membros, já que ofertavam uma sensação de segurança e proteção, assegurando, por exemplo, um seputalmento digno e missa pelas almas de seus adeptos, assim como assistência material a seus familiares, sendo uma garantia de auxílio na doença, na invalidez e na morte. Vale destacar que, embora a maior força das irmandades esteja concentrada no Brasil colonial, sua existência perpassa o Império e atinge o período republicano. 

b) Os quilombos eram comunidades formadas por escravos fugidos que procuravam viver por meio do trabalho livre e a partir de suas bases socioculturais. Em relação à noção de integridade do império português, podemos citar, para melhor compreensão, as instituições mencionadas no texto - Câmaras, Irmandades e Confrarias Laicas -  que reproduzem, ainda que com algumas especificidades, uma estrutura originalmente inspirada na metrópole, dependendo inclusive da autorização e da regulamentação daquela para o seu funcionamento. Os quilombos, ao se formarem como comunidades autônomas dentro da sociedade colonial, representaram uma experiência na qual forjaram espaços sociais próprios e originais, independentes da administração colonial. Diversos autores buscam enfatizar as características africanas da experiência de Palmares, um dos maiores e mais famosos quilombos do Brasil colonial. Na experiência palmarina, por exemplo, a cultura africana era reforçada constantemente e oferecia aos escravos um repertório para a resistência, chamado pelo autor Edison Carneiro de "contra-aculturativo". Segundo ele, a “reafirmação da cultura e do estilo de vida africanos” nos quilombos constituía a base para a luta “contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial”. 
Nesse sentido, podemos afirmar que a existência dos quilombos problematiza a noção de integridade do império português, pois representa a criação de comunidades autônomas e alheias aos órgãos administativos, bem como indicam amplas possibilidades de compreensão do desenvolvimento da cultura africana fora da África.