Logo UNICAMP

Unicamp 2022 - 2ª fase - dia 2


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Sociedade Medieval

A grande recusa do corpo não se dá apenas no campo da sexualidade. A luxúria passa a ser cada vez mais associada à gula. Por isso, as recomendações da Igreja passam a se dirigir tanto à carne quanto à boca. Os pecados da carne e os pecados da boca passam a caminhar de mãos dadas. Assim, a embriaguez é reprimida também como forma de controlar os “camponeses e os bárbaros", muito apreciadores de bebedeiras. A indigestão é igualmente associada ao pecado. A abstinência e o jejum dão o ritmo, portanto, do "homem medieval". Gordo oposto ao magro, Carnaval que se empanturra contra Quaresma que jejua. A tensão atravessa o corpo medieval.

(Adaptado de Jacques Le Goff e Nicolas Truong, Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 58 e 59.)

A partir da leitura do texto e de seus conhecimentos sobre Idade Média, responda às questões.

a) Cite e explique as tensões, que o texto menciona, relacionadas, no período medieval, ao corpo.

b) Cite e explique duas diferenças, entre a sociedade medieval e a sociedade contemporânea, no que diz respeito à percepção sobre o corpo ideal.



Resolução

a) No período medieval, a principal tensão relativa ao corpo reside na dicotomia entre corpo e alma, representativa, no limite, da oposição entre o mundo material e o mundo espiritual. Paradoxalmente, por um lado, na perspectiva religiosa, o corpo era abençoado e glorificado - quando se tratava do corpo de Cristo -, mas também desprezado, condenado e humilhado, já que estava fortemente associado à ideia de pecado. A partir da separação entre corpo e alma, considerava-se também que o corpo era a prisão ou mesmo o veneno daquela, sendo relegado ao campo da recusa, da negação e da repugnância. O controle do corpo exposto no texto reforça a ideia deste como um local de pecado e danação, enquanto a alma estava relacionada à pureza e era considerada superior. Assim, podemos afirmar que a alma exerceu uma função hierárquica superior ao corpo no período medieval e, segundo os autores, a ideologia anticorporal do cristianismo institucionalizado se esforçou para conter as práticas populares e gradativamente a Igreja passou a dominar o corpo. Os exemplos mencionados no texto - lúxuria, gula e embriaguez - são contidos pela Igreja através da instituição de jejuns, restrições, períodos de oração e reclusão, num movimento que evidencia as tensões que atravessam o corpo medieval. 

b) A sociedade medieval e a sociedade contemporânea apresentam profundas divergências no que diz respeito à percepção sobre o corpo ideal e às formas de atingi-lo. No contexto medieval, a relação e a interpretação do corpo era regulamentada e codificada pela Igreja Católica, sendo central a separação entre alma e corpo. A regulamentação imposta aos corpos não visava a obtenção de determinado resultado estético ou saudável, mas continha um propósito religioso, de modo que a preocupação com a alimentação e a renúncia de alimentos possuía um caráter de superação do material e alcance do espiritual. Esperava-se dos homens e mulheres medievais que evitassem o nu e os excessos alimentares, além do cuidado com as práticas corporais (principalmente com o sexo) e esportivas (que o corpo não fosse mostrado em público). Assim, podemos afirmar que o "corpo ideal" da perspectiva medieval era, na verdade, o corpo glorioso, ou seja, o corpo, imperfeito, que se submetia às regras da alma, tomada como perfeita, e pela dominação da alma o corpo se aperfeiçoaria. Já na sociedade contemporânea, impera o chamado culto ao corpo, segundo o qual o indivíduo passa a ser considerado responsável por sua aparência física a partir de várias formas de construções corporais presentes no mercado, tais como os exercícios físicos, dietas, tratamentos de beleza e cirurgias plásticas. Assim, incentiva-se a busca de um corpo que esteja em consonância com os padrões de beleza contemporâneos que associam beleza, juventude e saúde, valores considerados fundamentais na sociedade atual.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Haiti (Independência)

“Mas, enquanto isso, e os escravos? Eles ouviam falar da Revolução e conceberam-na à sua própria imagem. (...) Antes do final de 1789, houve levantes em Guadalupe e na Martinica. Já em outubro, em Forte Dauphin, um dos futuros centros da insurreição de São Domingos, os escravos estavam se agitando e realizando reuniões de massas nas florestas durante a noite. Na Província do Sul, observando a luta entre os seus senhores a favor e contra a Revolução, eles mostraram sinais de inquietação. (...) Pela dura experiência, aprenderam que esforços isolados estavam condenados ao fracasso, e nos primeiros meses de 1791, dentro e nos arredores de Le Cap, eles estavam se organizando para a Revolução. O vodu era o meio da conspiração. Apesar de todas as proibições, os escravos viajavam quilômetros para cantar, dançar, praticar os seus ritos e conversar; e então, desde a Revolução, escutar as novidades políticas e traçar os seus planos.”

(Adaptado de Cyrik Lionel Robert James, Os Jacobinos Negros. Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 87-91.)

Com base no excerto e em seus conhecimentos sobre as revoluções atlânticas de finais do século XVIII e início do XIX,

a) cite e analise dois elementos característicos dos modos de ação política da população escravizada do Haiti (São Domingos).

b) identifique e explique dois impactos da revolução haitiana no mundo Atlântico.



Resolução

a) Em primeiro lugar, pode-se mencionar como uma característica do modo de ação política da população escravizada no Haiti a organização coletiva de levantes, o que conferia maior força e oportunidade do que as ações individuais. Inclusive, a própria Independência Haitiana e a abolição da escravidão foram resultados diretos de uma longa luta armada ocorrida entre 1791 e 1804, configurando um episódio singular na história das emancipações na América pelo protagonismo dos ex-escravos. Outra característica da organização política de tais cativos era a formação de quilombos (marronage, na literatura francesa), comunidades de escravos fugidos e que buscavam meios de subsistência material em suas comunidades. Tais quilombos frequentemente entravam em conflito com as forças coloniais, e serviam de inspiração para novas fugas e lavantes por toda a região de São Domingos. Ademais, pode-se mencionar o importante uso dos espaços religiosos para a socialização e organização política, a exemplo das reuniões vodu mencionadas pelo texto base. Embora fossem proibidas e frequentemente perseguidas pelas autoridades coloniais, estes nunca obtiveram êxito em suprimir em definitivo tais eventos religiosos. Nesses espaços, os escravizados encontravam tanto um senso de comunidade compartilhada e um local de comunicação com seus pares, o que muitas vezes permitia ultrapassava os limites físicos de uma determinada fazenda e de seu plantel de cativos. Para além da religião vodu, mesmo o catolicismo também garantia certos espaços de sociabilidade e comunhão dos cativos, como a "missa dos negros", ocorrida em Le Cap costumeiramente após a missa tradicional dos colonos. Tais episódios de comunhão inclusive geravam fortes críticas dos colonos haitianos, que acusavam religiosos como os Jesuítas de favorecerem os cativos e de incentivarem sua autonomia. Por fim, pode-se mencionar o ataque direcionado às fazendas e plantações dos proprietários, o que representava uma ação política para atingir a lucratividade da empresa colonial francesa e de seus proprietários.

b) Um impacto da Revolução Haitiana foi o enorme temor quanto a novas revoluções de escravos em outras áreas da América Colonial, medo conhecido como haitianização. No Brasil, o temor da haitianização foi notavelmente difundido entre os proprietários de escravos, o que influenciou a aprovação de medidas legais como o Código Criminal de 1830 - que determinava a pena de morte por enforcamento aos escravos envolvidos em insurreição - e a lei de 10 de junho de 1835, que também reforçava as punições aos escravos no Brasil. Outro impacto da Revolução Haitiana no mundo atlântico ocorreu no campo econômico, tendo em vista que desestruturou uma das mais proeminentes colônias francesas. Desta forma, a desorganização da produção local de produtos como açúcar, tabaco e café abriu espaço para a ascensão de seus competidores, a exemplo do Nordeste brasileiro. É possível também mencionar o impacto da Revolução Haitiana na aceleração do encerramento do Tráfico Atlântico de Escravos, tendo em vista que seu sucesso intensificou o temor quanto aos escravos africanos na América Colonial. Inclusive, a própria aprovação das Lei Feijó (1831)  e Eusébio de Queirós (1850) teriam sido influenciadas pela Revolução Haitiana. Finalmente, pode-se reconhecer e analisar o impacto da Revolução na inspiração para a luta dos cativos em todo o continente americano, tendo em vista que a notícia do sucesso da Revolução foi rapidamente difundida e chegou aos ouvidos de escravzados em várias partes da América. No caso do Brasil, há casos de negros que circulavam ainda em 1805 com o retrato de Jean-Jacques Dessalines em medalhões pendurados em seu pescoço, o que desnuda a poderosa influência e simbolismo do evento ocorrido em São Domingos.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Brasil Império

Durante muito tempo – e ainda hoje – despejou-se um discurso moralizante sobre os índios. Considerando os Aimorés, não se trata apenas de uma tribo nem de um mesmo grupo etnolinguístico; trata-se, antes, de uma denominação genérica que podia ser aplicada a vários grupos, em geral Tapuias. Neste rol de Tapuias, incluíam-se os que viriam a ser chamados de Botocudos durante o século XIX e Krenak no século XX. Há uma carência de fontes escritas em relação a esses Aimorés. O nome foi a marca forte que os registros históricos deixaram sobre esses grupos indígenas. Essas nomeações não eram assumidas por eles, sendo uma identidade atribuída pelos adversários.

(Adaptado de Marco Morel, A Saga dos Botocudos. Guerra, imagens e resistência indígena. São Paulo: HUCITEC, 2018, p. 44-45.)]

De acordo com a leitura do texto e seus conhecimentos, responda às questões.

a) Identifique e explique a crítica feita pelo autor do texto ao processo de construção da identidade Aimoré.

b) Explique a construção das identidades atribuídas pelo romantismo brasileiro aos indígenas no século XIX.



Resolução

a) A crítica do autor decorre do fato de "Aimoré" não representar historicamente um grupo indígena ou etnolinguístico específico, mas sim uma denominação vaga e imprecisa atribuída a vários grupos diferentes pelos colonos portugueses. Diferentemente de certos grupos ameríndios que tiveram maior destaque nas descrições feitas pelos europeus, os Aimorés seriam caracterizados por uma documentação excessivamente vaga e bastante contraditória entre si, sendo frequentemente reduzidos a "feras", "violentos", "nômades" e "antropófagos" pelos poucos relatos. Desta forma, o autor destaca o cuidado na mobilização dessa identidade que, embora tenha se cristalizado no imaginário nacional ao longos dos séculos, e mesmo mobilizada pela literatura romântica nos anos de 1800, sua formação histórica teria sido através de uma documentação imprecisa e que dialogava com o imaginário europeu de um grupo indígena feroz, adequado aos princípios da "Guerra Justa" dos portugueses.

b) Após a Independência do Brasil (1822), a elite intelectual e política do Brasil se empenhou na construção de uma identidade nacional para o jovem país, fundamentada sobretudo na produção de uma história, uma geografia e de uma literatura que exaltasse os elementos específicos do Brasil. Nesse ímpeto, o Romantismo desempenhou papel crucial na construção de símbolos e do imaginário sobre as características brasileiras, escolhendo o índio como parte fundamental da cultura nacional. Para tal, os nativos tiveram uma representação e descrição idealizada, associados aos ideais de bravura, pureza, coragem e beleza, e vistos como protagonistas ao lado dos portugueses nos eventos responsáveis pela fundação do país. São exemplos de autores que contribuíram para a construção dessa imagem de "bons selvagens" aos indígenas Gonçalves Dias, autor de I-Juca Pirama, e José de Alencar, autor de O Guarani e Iracema. Tal esforço não ficava restrito à literatura, tendo em vista que o próprio IHGB também se destacava na reflexão sobre a contribuição indígena na formação nacional, e que as próprias elites políticas adotavam termos indígenas como parte simbólica de seu poder nos títulos de nobreza (como visconde de Camamu e visconde de Cairu, por exemplo). Por fim, é importante destacar que tal esforço e idealização dos indígenas na literatura era notoriamente divergente do tratamento dado pelo Estado brasileiro aos nativos, tendo em vista que continuavam excluídos de direitos básicos e que sofriam frequentementes incursões em suas terras por forças oficiais.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Escravidão no segundo reinado

Luís Gonzaga Pinto da Gama (1830-1882) foi um abolicionista, orador, jornalista e escritor brasileiro. Nascido de mãe negra e pai branco, foi, contudo, escravizado aos 10 anos de idade e permaneceu analfabeto até os 17 anos. Conquistou judicialmente sua liberdade e atuou na advocacia em prol dos escravizados. Entre seus poemas, lê-se:

Ciências e letras
Não são para ti
Pretinho da Costa
Não é gente aqui.

Em 2015, a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, concedeu-lhe o título de advogado. Em 2018, seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais, depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves.

(Adaptado de Ligia Fonseca Ferreira, Luiz Gama autor, leitor, editor: revisitando as Primeiras Trovas Burlescas de 1859 e 1861. Estudos Avançados. 2019, v. 33, n. 96.)

A partir da leitura do texto e de suas reflexões,

a) liste e explique dois aspectos da relação entre origem social e formas de acesso ao mundo das ciências e letras no período em que Gama atuou;

b) cite e analise dois significados, no contexto do Brasil do século XXI, da concessão do título de advogado a Luiz Gama.



Resolução

a) A sociedade brasileira oitocentista era escravista e profundamente calcada nas relações de dominação pessoal (senhor-escravo), de modo que a distribuição de cargos públicos e de benefícios do Estado, por exemplo, dependia de favores pessoais prestados pelos detentores do poder. Assim, a origem social era determinante na configuração dos espaços sociais e era profunda a dificuldade enfrentada por negros, escravos ou libertos, no que se refere ao acesso ao mundo científico e literário, já que a integração dos afrodescendentes à elite cultural do Império era dificultada pelo racismo imperante no Brasil do século XIX. Nesse sentido, impunha-se a necessidade dos afrodescendentes de se valerem dos canais de poder e prestígio vigentes e se associarem entre si, como forma de superar as barreiras colocadas a eles. A inserção em redes de sociabilidade era fundamental para a facilitação dessa inclusão. Podemos citar como exemplo a maçonaria: dois importantes intelectuais negros, Luiz Gama e o escritor José Ferreira de Menezes, aderiram à Loja América, em São Paulo, fundada em 1868. Já em 1870 a instituição maçônica mantinha uma escola noturna que recebia libertos e alforriados. Assim, a emergência da intelectualidade negra se apoiou não só em conexões com as classes proprietárias mas também entre eles próprios, sendo muito comum a participação em diversas associações religiosas, políticas e literárias ao longo da vida, como forma de viabilizar a entrada e ocupação de determinados espaços intelectuais.
Vale destacar que a trajetória de Luiz Gama é sintomática da relação entre origem social e formas de acesso ao mundo das ciências e letras durante o Segundo Reinado (1840-1889). Em 1850, Luiz Gama tentou ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco e teve seu pedido negado. Embora não exista um registro oficial da motivação da recusa, o racismo estrutural e as origens humildes de Gama foram determinantes na decisão. Diante de tal impedimento, Gama assistiu inúmeras aulas como ouvinte, frequentou assiduamente a biblioteca e, por fim, passou a atuar como rábula, título que autorizava um indivíduo sem diploma a exercer o direito. 
b) Tanto a concessão do título de advogado a Luiz Gama em 2015, como a recente outorga do título a ele de Doutor Honoris Causa póstumo pela USP (novembro de 2021), são atos que possuem considerável valor simbólico de reparação e reconhecimento. Tais atos dialogam com um contexto de forte permanência de estruturas racistas no Brasil do século XXI, evidenciado por drásticas estatísticas: somente 29% de alunos de pós graduação eram pretos ou pardos segundo balanço do MEC em 2019, além de 71,7% dos jovens fora da escola serem negros, de acordo com a PNAD Educação de 2019. Assim, ações simbólicas como essas são fundamentais para evidenciar e problematizar a permanência de estruturas racistas em nossa sociedade. Outro significado fundamental desse ato é o de ressaltar o protagonismo negro no movimento abolicionista. Luiz Gama foi um dos primeiros jornalistas a defender o fim da escravidão sem utilizar pseudônimos, além de tornar-se o maior especialista nas chamadas "causas da liberdade" e conseguir a libertação de mais de 500 escravizados. Assim, trazer à luz a trajetória de Gama tem o importante significado de combater narrativas que omitem a atuação de personagens negros e escravizados nos variados processos históricos. Nos anos subsequentes à Abolição, a conquista da liberdade formal com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888 foi entendida como uma concessão da elite política da época, além de resultado da pressão estrangeira. No entanto, a historiografia recente se contrapõe a essa narrativa, destacando as trajetórias de homens negras e mulheres negras que participaram ativamente da abolição, a partir da articulação conjunta de estratégias e ações pela abolição. Nesse sentido, destacar a trajetória de Gama - assim como outros personagens que figuraram na luta abolicionista - é uma forma de reconhecer o protagonismo negro na luta contra a escravidão e recuperar o papel da população negra enquanto sujeitos da história.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Guerra Fria

Trinta anos atrás, um muro veio abaixo, marcando o início do que parecia ser uma nova era de abertura e internacionalismo. Em 1987, o presidente Ronald Reagan foi ao Portão de Brandemburgo, na Berlim dividida, e desafiou seu homólogo na União Soviética: “Sr. Gorbachev, derrube este muro!”. Dois anos depois, o muro caiu. Berlim, a Alemanha e, por fim, a Europa estavam unidos de novo. Nos últimos anos, o apelo “Derrube este muro!” tem perdido para a “mentalidade de fortaleza”. Pelo menos 65 países, mais de um terço dos Estados-nações do planeta, construíram barreiras ao longo de seus limites; metade das que foram erigidas desde a Segunda Guerra Mundial surgiram entre 2000 e agora.

(Adaptado de Tim Marshall, A era dos muros. Rio de Janeiro: Zahar, 2018, p. 4-6.)

A partir do texto e de seus conhecimentos, responda:

a) Cite e explique duas características de “Berlim dividida”.

b) Explique o sentido e as causas da “mentalidade de fortaleza” que, para o autor, tem imperado no mundo. Cite dois exemplos que ilustrem a “mentalidade de fortaleza”.



Resolução

a) O termo "Berlim Divida" se refere à condição da antiga capital Alemã durante a Guerra Fria, fracionada em duas áreas bastante distintas: Berlim Ocidental, parte da cidade alinhada aos Estados Unidos na Guerra Fria, e Berlim Oriental, porção vinculada ao bloco socialista soviético. Ambas as partes da cidade estavam encravadas em meio a Alemanha Oriental, fazendo de Berlim Ocidental uma verdadeira ilha dos princípios associados ao mundo ocidental num país socialista. Ademais, também é possível citar como característica o discrepante modelo econômico de cada área, sendo a parte ocidental vinculada ao modelo capitalista de livre mercado, recebendo amplos investimentos das potências capitalistas, enquanto Berlim Oriental se encontrava associada à economia planificada típica do socialismo real. Outro ponto apropriado para menção e análise seria a tendência migratória estabelecida dos habitantes da parte Oriental para a parte Ocidental da cidade, buscando usufruir da maior liberdade e de melhores condições de vida naquela região. Sobre tal fenômeno, vale lembrar que o próprio Muro de Berlim fora erigido como parte do esforço do governo da Alemanha Oriental em encerrar tal fluxo migratório. Destaca-se também o fato de Berlim Ocidental ser abastecida basicamente por meios aéreos por longos períodos, estratégia adotada ainda na segunda metade dos anos de 1940, após um bloqueio imposto pelo governo Oriental num esforço de falência econômica da porção ocidental.

b) O termo “mentalidade de fortaleza” se vincula à emergência de contextos geopolíticos da Nova Ordem Mundial – e, portanto, desde 1991 – que favorecem a disseminação de barreiras físicas entre as fronteiras territoriais de vários Estados-nação. As causas dessa realidade são notadamente atreladas a conflitos étnicos-culturais e a novas formas de nacionalismo que se impõem por meio de muros, cercas e grades frente ao movimento migratório de populações constituídas por refugiados de guerra e desastres, além daqueles que se deslocam para conseguir melhores oportunidades de emprego e renda em outros países.

Exemplos dessas “fortalezas” são:

  • os muros da Cisjordânia, que segregam palestinos e judeus no Oriente Médio devido a rivalidades e confrontos historicamente travados em seus territórios;
  • o muro de Ceuta, que divide os territórios de Espanha e Marrocos e se apresenta como barreira à migração de várias populações africanas em direção ao sul da Europa;
  • os muros, cercas e grades das fronteiras terrestres de Estados Unidos e México, barreiras físicas que dificultam a passagem de migrantes latinos em busca de melhores condições de vida na América Anglo-Saxônica;

É válido ainda citar as novas barreiras legislativas que emergem por meio de exigências cada vez mais rígidas de determinados Estados frente a pedidos de asilo ou refúgio por parte de migrantes; e também manifestações xenofóbicas de grupos nacionalistas de países desenvolvidos contra árabes, etnias africanas e latinos que impedem o acolhimento e inclusão desses povos nos territórios para os quais se destinam.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Cidadania (Sociologia) Cidadania e vida pública Conceito de Direitos Humanos Ditadura Militar

“E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina

111 presos indefesos

Mas presos são quase todos pretos

Ou quase pretos

Ou quase brancos quase pretos de tão pobres

E pobres são como podres

E todos sabem como se tratam os pretos”

(Em: Caetano Veloso e Gilberto Gil. “Haiti”. Tropicália 2, 1993).

A música denuncia o massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, na cidade de São Paulo. A partir da letra e dos seus conhecimentos,

a) explique por que, historicamente, a chacina do Carandiru é um crime contra os direitos humanos, identificando o perfil das vítimas.

b) cite e explique duas mudanças políticas, entre as décadas de 1960 e 1990, em relação aos direitos humanos no Brasil.



Resolução

a) As vítimas da chacina do Carandiru, no que se refere aos perfis socioeconômicos, eram pobres e de baixa escolaridade, na sua maioria negras. Esse perfil se estende ao perfil de toda a população carcerária brasileira, quando da época da chacina e ainda hoje, já que nosso modelo prisional é um exemplo histórico do racismo estrutural presente na sociedade brasileira. Assim sendo, a chacina do Carandiru é um crime contra os direitos humanos porque materializa a discriminação do Estado e de seus aparatos, em especial do aparato armado (a polícia), frente aos mais vulneráveis, negando-lhes, sobretudo, o direito à vida, mas também privando-os de outros direitos fundamentais que, pelo menos desde meados do século XX, têm se configurado como base universal dos chamados “direitos humanos”, tão logo a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 1948. 

Nota: Vale reproduzir aqui um trecho do Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum.".

b) Dentre as mudanças políticas, entre as décadas de 1960 e 1990, em relação aos direitos humanos no Brasil, podemos mencionar as constantes violações desse direitos e o surgimento de uma legislação que contemple tais elementos. A partir do golpe militar em 1964, com destaque para o AI- 5 (1968), o Brasil vivia com fortes restrições e censuras às críticas direcionadas aos governos militares, com perseguição e agressão, por exemplos, de jornalistas – atitudes promovidas e encorajadas pelo aparelho legal de Estado. A prática da tortura nas dependências dos órgãos repressores também era comum, resultando em situações icônicas como a divulgação da imagem do suposto suicídio do jornalista Herzog, morto em uma sessão de tortura, em outubro de 1975 nas dependências do DOI-Codi. Nesse sentido, podemos afirmar que durante a década de 1960, os direitos humanos eram sistematicamente desrespeitados, inclusive pelo Estado que se valia do aparato da Ditadura Militar. Já na década de 1990 a situação é outra, por conta do fim da ditadura militar, em 1985, e a promulgação da Constituição Federal de 1988, apelidada de Constituição Cidadã. Aliás, tal apelido não é por acaso: essa nova Carta Magna a promove uma série de direitos considerados fundamentais para a dignidade humana, estabelece livre atividade de imprensa, estabelece a tortura e o racismo como crimes inafiançáveis, etc. Como tais atitudes são fundamentais para a garantia das liberdades coletivas e individuais, o Brasil acaba dando um grande passo rumo à garantia de direitos humanos. Vale destacar, ainda, que a Constituição de 1988 contempla um extenso catálogo de direitos fundamentais que foram cruciais para assegurar o processo de redemocratização e reconhecer os direitos de populações historicamente marginalizadas tais como: indígenas, quilombolas, mulheres, negros, idosos e crianças. Assim, contar com uma Constituição que assegura os direitos humanos é um avanço jurídico fundamental, considerando que o país possui uma história marcada por severos desrespeitos a esses, especialente no período da Ditadura Militar (1964-1985).