Logo UNICAMP

Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 2


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Globalização

Uma das principais características dos sistemas econômicos em operação há meio século no continente africano é sua exogenia. Eles não resultam nem de práticas nem de produção interna da economia. Mesmo assim, configuram-se como sistemas econômicos nos quais coexistem uma economia dita formal e uma economia popular fundada numa sociocultura. Esta última assegura a subsistência à maioria das populações africanas e contribui para o essencial do Produto Interno Bruto (54%) na África Subsaariana.

(Adaptado de Felwine Sarr, Afrotopia. São Paulo: n-1 edições, 2019, p. 63-64.)

Com base no texto e em seus conhecimentos, responda às questões.

a) O que é um sistema econômico exógeno? Diferencie Produto Interno Bruto (PIB) de Produto Nacional Bruto (PNB).

b) Explique a diferença entre economia formal e economia popular.



Resolução

a) Os sistemas econômicos apresentam variáveis que podem ser classificadas em dois grandes grupos: Exógenas e Endógenas. As variáveis exógenas são aquelas que apresentam determinação sobre a economia através de um controle de fora do modelo, em contraposição às variáveis endógenas, que são aquelas determinadas dentro do modelo econômico em análise. Ao analisar o caso de muitos países da África, pode-se afirmar que seus sistemas econômicos são exógenos, pois apresentam alta quantidade de determinações vindas de fora do sistema (influências e/ou determinações externas). Um dos motivos para essas determinações externas está diretamente relacionado ao processo de globalização, que conduz a intensa integração entre os países, desde a segunda metade do século XX, também com o aumento da presença de empresas transnacionais e grandes grupos empresariais que representam interesses econômicos de fora dos países africanos e que ali instalam suas plantas industriais ou exploram seus recursos naturais. 

O PIB (Produto interno bruto) é considerado o principal indicador macroeconômico, mostrando o crescimento da economia, sendo calculado com a soma em valores monetários de todos os bens e serviços finais produzidos em uma região (em geral países, mas também pode ser utilizado em Estados, e Cidades). Já o Produto Nacional Bruto (PNB) apresenta como principal diferença para o PIB os dados de Renda Líquida Enviada ao Exterior (RLEE) e Renda Líquida Recebida do Exterior (RLRE). Na prática a diferença entre esses dois dados mostram a movimentação de recursos de um país para os outros, sendo que países desenvolvidos possuem em geral PNB maior que o PIB (já que eles recebem muitos recursos de outros países através de suas corporações e industriais transnacionais que recebem remesses de lucro), já os países em desenvolvimento apresentam uma diferença enorme entre recursos enviados ao exterior (em geral muito superiores) e os recebidos (em geral menores), fazendo com que PNB seja menor que o PIB na maior parte dos casos. 

b) Os conceitos de economia popular e formal estão entrelaçados, são partes do mesmo processo de desenvolvimento de um país. A economia formal é considerada como o conjunto de atividades econômicas que estão dentro da formalidade, passam pelo devido processo legal, cumprindo as exigências fiscais dos Estados. Já a economia popular é aquela que ocorre sem controle ou fiscalização do Estado, sendo resultado de trabalhados que em geral não seguem regras trabalhistas e acabam sobrevivendo com a renda de trabalhos informais. Essa economia popular é baseada no cooperativismo, em ações sociais e associações entre pequenos grupos, que apresentou grande crescimento no final dos anos 90 na América, África e Ásia, onde muitos países apresentam ate hoje grande parte de sua população economicamente ativa com trabalhos informais classificados dentro da economia popular.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Regiões Metropolitanas e Regiões Integradas de Desenvolvimento Problemas sociais urbanos

O maior problema do Brasil não é a pobreza, mas a desigualdade e a injustiça a ela associada. Daí decorre a importância da segregação na análise do espaço urbano de nossas metrópoles, pois ela é a mais importante manifestação urbana da desigualdade que impera em nossa sociedade. Assim, nenhum aspecto do espaço urbano brasileiro poderá ser jamais explicado ou compreendido se não forem consideradas as especificidades da segregação social e econômica que caracteriza nossas metrópoles, cidades grandes e médias.

(Adaptado de Flávio Villaça, “São Paulo: segregação urbana e desigualdade”. Revista Estudos Avançados, V. 25, n. 71, São Paulo, jan./abr. 2011.)

Com base no texto e em seus conhecimentos,

a) explique o que é segregação urbana e como o transporte urbano nas grandes cidades pode ser segregador;

b) diferencie os conceitos de centro e periferia, no espaço urbano, tendo em vista a segregação.



Resolução

a) Segregação urbana é um tipo de segregação espacial que ocorre quando grupos sociais são excluídos ou limitados de participar de determinadas áreas urbanas e geralmente se desenvolve do centro para a periferia juntamente com o processo de formação das cidades, uma vez que as classes mais abastadas tendem a se instalar nas regiões centrais das cidades e em seu entorno, sendo estas as regiões geralmente mais bem equipadas com infraestrutura viária, saneamento básico, praças, sistemas de iluminação, opções culturais e áreas de lazer. O custo de vida nestas regiões é elevado, o que inviabiliza ou reduz o acesso das classes menos abastadas para fixar residência, criando o efeito da segregação. Na medida em que as cidades se expandem, a partir de seus centros principais, novos centros são criados (gentrificação), com a criação ou renovação do equipamento urbano, valorização do terreno e, consequentemente, exclusão das classes com maior vulnerabilidade, que se deslocam para as periferias, as quais muitas vezes são ocupadas de forma desordenada, com construções irregulares, possuindo baixa qualidade de infraestrutura viária, de saneamento básico e de opções de lazer.

Os meios de transporte em grandes cidades podem ser divididos entre individuais e coletivos, sendo que as classes de renda mais elevada se utilizam predominantemente dos meios de transportes individuais enquanto as classes de baixa renda, residentes nas periferias das cidades, fazem uso predominantemente de meios transportes coletivos. O tempo de deslocamento nos transportes individuais em países como o Brasil é menor do que nos transportes coletivos para cobrir as mesmas distâncias, além disso as longas distâncias entre as periferias e os centros das cidades dificultam o acesso às áreas centrais, favorecendo a segregação. Há ainda grandes obras viárias realizadas visando o transporte individual, privilegiando as classes de alta renda e acentuando a discrepância entre os tempos de deslocamento das diferentes classes sociais e precarizando a qualidade de vida dos moradores de áreas periféricas. É comum ainda a negligência do poder público em solucionar problemas de locomoção nas áreas periféricas e entre estas e os centros urbanos, causando superlotação dos transportes coletivos, diminuição da qualidade de vida e dificuldade de acesso a equipamentos urbanos comuns aos centros, como bibliotecas, parques, praças, centros de compras e outros.

b) Centro e Periferia são conceitos que ajudam a definir as partes das áreas urbanizadas e resultam das distinções dos equipamentos urbanos por suas funções e usos (moradia, comércio, transporte, lazer etc.). Nas áreas centrais, há uma concentração de usos e funções relacionados ao comércio e aos serviços e estas sofreram intensas transformações ao longo do século XX. O fenômeno da gentrificação - alteração das dinâmicas da composição local, pelo surgimento de novos pontos comerciais, novos edifícios e equipamentos urbanos - explica a ocorrência do processo de valorização de certas áreas, expandindo a população com renda mais elevada e promovendo a diminuição/expulsão de pessoas de menor renda que moravam na região, mas tiveram que se mudar devido à elevação dos preços. Com isso, as periferias cresceram ao redor dos grandes centros, em geral com bairros residenciais, apresentando enormes disparidades, principalmente em países em desenvolvimento, em que há maior concentração de ocupações irregulares, como as favelas. Na periferia há ainda o fenômeno do crescimento de núcleos urbanos de renda elevada através dos condomínios fechados, que impedem o acesso público e se segregam de forma opcional do restante da cidade.

 

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Desmatamento Domínios Morfoclimáticos Degradação e conservação do solo

Dados da Nasa (EUA) e do Sistema Copernicus (União Europeia) revelam que os incêndios de 2020 em Nova Gales do Sul (Austrália), no Ártico Siberiano, na costa oeste dos Estados Unidos e no Pantanal brasileiro foram os maiores dos últimos tempos.

(Adaptado de “Incêndios florestais pelo mundo são os ‘maiores em escala e em emissões de CO2’ em 18 anos”. BBC News Brasil 2020. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-54202546. Acessado em 20/10/2020.)

Em todas essas áreas, à medida que o fogo avança sobre as formas de relevo, ocorrem três processos fundamentais que controlam a transferência de calor: a condução, a radiação e a convecção. A ilustração abaixo mostra dois cenários da propagação de incêndios na paisagem.

(Adaptado de E. A. Keller; R. H. Blodgett, Riesgos naturales: procesos de la Tierra como riesgos, desastres y catástrofes. Madrid: Pearson Prentice Hall, 2007, p. 320.)

A partir do exposto e de seus conhecimentos sobre incêndios em áreas naturais, responda às questões.

a) Qual dos dois cenários é o mais condizente com as queimadas ocorridas no Pantanal mato-grossense em 2020? Aponte uma característica climática que favoreceu a propagação do fogo.

b) Indique dois efeitos negativos da ocorrência de incêndios de grandes proporções em 2020 que tenham sido similares nas diferentes áreas indicadas no texto.



Resolução

a) A questão apresenta duas dinâmicas de incêndios de grandes proporções em matas ou vegetações de tipos variados. As primeiras coisas que temos que considerar são os elementos da base física para a ocorrência e amplitude de um incêndio. Devemos observar fatores como a base combustível (madeira, folhagem, matéria orgânica), ou a presença de gases alimentadores de chamas, oxigênio por exemplo. A forma topográfica que irá influenciar no comportamento dos ventos também é um fator a ser considerado. Todos eles são fatores fundamentais para entender o comportamento e amplitude das queimadas/incêndios. A questão nos demonstra exatamente a preocupação acerca destes fatores quando propõe duas áreas diferenciadas em tais fatores básicos. Quando observamos a figura A, notamos uma região plana (relevo similar ao do Pantanal) que, por ter este relevo, tem a possibilidade de maior retenção e acúmulo de matéria orgânica em decomposição acima do solo, a serapilheira. Esse material poderia, junto com as raízes das vegetações, servir com combustível base para expansão das queimadas, sem a presença de chamas, já que sob a superfície da matéria orgânica, ou ainda internamente ao solo, existe menos oxigênio. Porém, mesmo assim as queimadas podem se expandir nesta forma de calor/radiação. Tal incêndio interno é conhecido como ‘fogo de solo/subsolo’ e, analisando as imagens, vemos que, em geral, tal incêndio teria maior dificuldade de se estabelecer em regiões mais íngremes (como na figura B do enunciado), pois nesses locais os sedimentos, bem como a matéria orgânica, seriam carregados para áreas mais baixas, não havendo matéria orgânica suficiente para permitir o alastramento interno das chamas. É por isso que a imagem diferencia a radiação interna e convecção de calor sob o solo.

Uma das principais dificuldades de combater os incêndios do Pantanal em 2020, esteve exatamente no fato de que as chamas internas, por vezes emergia, em focos de incêndios externos, mas que por serem expansíveis internamente, não eram facilmente localizados e combatidos. Isso aproxima o que ocorreu no Pantanal com a imagem A.

Outro ponto de análise é a observação da dinâmica externa das chamas, vemos que na figura A ocorre um processo convectivo para baixo e para cima da vegetação, dando velocidade à expansão das chamas sobre novos espaços. Tal convecção para frente e para baixo resulta de baixas pressões atmosféricas localizadas, geradas pelo calor trazido pela radiação externa das chamas. Isto atrai os ventos que impulsionam as chamas a se alastrarem à frente. Tal característica de expansão é hoje classificada como “Incêndio de nova ou sexta geração”, e consiste nas convecções para o alto e para frente, gerando a expansão veloz das áreas incendiadas, fator que esteve presente nos incêndios pantaneiros. A imagem B mostra a formação de convecção para o alto e não para frente, o que permite um alastramento mais lento das chamas sobre a vegetação. É importante ainda ressaltar que os incêndios, em geral, se alastram muito em períodos de seca ou estiagem prolongada, que no caso do Pantanal ocorrem entre os meses de outono e inverno.

b) Muitos incêndios se espalharam por diferentes territórios do Mundo, como os citados no enunciado, incêndio nos EUA, Austrália ou Sibéria. Em todos os casos temos consequências sérias nas áreas queimadas e em seus arredores, que se tornam ainda mais dramáticas quando os incêndios são antrópicos. Tais incêndios, em áreas povoadas, levam ao deslocamento forçado das populações e fechamento de infraestruturas de transportes, como aeroportos, estradas, ferrovias e outros; por vezes levando ao isolamento das áreas afetadas. Em termos ambientais temos como grave consequência dos incêndios, a perda de biodiversidade vegetal e animal, a alteração do microclima local, a ampliação da chuva ácida, a perda de fertilidade do solo e outros problemas ambientais.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Uso da água e impactos ambientais Hidrografia

Os rios são fundamentais para a extração de recursos hídricos, tanto em climas áridos quanto em úmidos. Além de serem fonte de um insumo importante para as atividades econômicas, os rios, independentemente do tipo climático, influenciam a modelagem da superfície do nosso planeta. A ilustração abaixo mostra uma das funções dos rios na paisagem.

(Fonte: J. F. Peterson; D. Sack; R. E. Glaber, Fundamentos de Geografia Física. São Paulo: Cengage Learning, 2014, p. 341.)

A partir do exposto e de seus conhecimentos sobre o comportamento dos rios na paisagem, responda às questões.

a) Considerando a figura acima, que representa o curso de um rio, diferencie transporte de materiais por tração de transporte por suspensão.

b) Indique dois tipos de uso de recursos hídricos em que é necessário retirar a água dos rios. Que atividade econômica no Brasil é responsável pelo maior volume de captação de água?



Resolução

a) O transporte de sedimentos realizado por um curso hídrico, em geral, é apresentado como um processo uniforme e pouco complexo. Porém, quando observamos de forma mais aprofundada, notamos que existem 3 tipos básicos de transporte de sedimentos, que variam a partir da interação existente entre a força do fluxo hídrico e o tamanho e peso do sedimento transportado. O primeiro tipo de transporte de sedimentos é o transporte por suspensão, que carrega sedimentos leves e os formados pelos menores grãos sedimentares transportados pelo curso hídrico: os grãos argilosos de fração de milímetro. O segundo tipo de transporte é o de saltação, que consiste no carregamento de grãos de tamanho intermediário, até aproximadamente 4 mm de espessura, que dependendo da força da corredeira, por momentos é carregado pelo fluxo hídrico de forma suspensa, mas por ser medianamente pesado por vezes toca o fundo do curso hídrico, até que seja posteriormente suspenso de novo. O terceiro tipo de transporte é o arrasto ou tração, que consiste no transporte de seixos ou pedregulhos, rochas de mais de meio centímetro (em geral arredondadas pelo arrasto no fundo dos rios) que, por serem pesados, são constantemente arrastados ou rolados no leito dos cursos hídricos, nunca suspensos.

b) O uso humano dos recursos hídricos apresenta muitas dimensões. Inicialmente, consideramos o uso para sobrevivência humana, por meio de seu consumo direto. Outros usos e atividades demandam a retirada e utilização de água dos mananciais. A água é base produtiva fundamental para produção de alimentos no espaço agrário. Aliás é na produção agrícola que este recurso é mais empregado e, portanto, fundamental. A irrigação e o processo produtivo agropecuário como um todo, consomem cerca de 69% de toda água empregada pelos seres humanos. No Brasil a agricultura é responsável por utilizar 60% de toda água retirada de nossos mananciais e destinada para algum uso humano. Por ser um recurso multifacetado, também serve de insumo base para produção industrial.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Industrialização

(Fonte: Organização Internacional de Fabricantes de Veículos Automotores.)

Em duas décadas, a produção mundial anual de carros de passeio passou de um total de 39.463.000 unidades para 67.149.196, um crescimento de 70%. O gráfico mostra estabilidade de produção em determinados países. Em outros, há mudanças significativas, a maior delas na China: em 1999 era o 14º maior produtor mundial, em 2019 passou a produzir 156% a mais que o segundo colocado, o Japão.

a) Apresente um motivo socioeconômico para a queda da produção nos EUA e um motivo socioeconômico para a expansão da produção chinesa e indiana.

b) Apesar da existência de produções nacionais, a indústria automobilística é bastante transnacionalizada e dominada por grandes empresas montadoras. Explique o que são “empresas transnacionais” e por que as empresas transnacionais automobilísticas são chamadas de “montadoras”.



Resolução

a) A queda da produção de carros de passeio nos EUA, nas últimas duas décadas, está ligada principalmente ao custo mais elevado da mão de obra e ao aumento do custo geral de produção, por isso as montadoras de veículos se transferiram para países emergentes, com destaque para a China e Índia, onde a mão de obra extremamente numerosa é também muito barata, atraindo as empresas de veículos. Este processo levou à decadência da megalópole Chipitts (Chicago a Pittsburgh incluindo Detroit-sede mundial da GM e da Ford) no nordeste dos EUA, região que passou a ser conhecida como “Rust Belt” (Cinturão da Ferrugem) e que levou o ex-presidente Trump a inaugurar uma guerra comercial com a China.

b) Empresas transnacionais são empresas com sede (matriz) geralmente em países ricos e filiais espalhadas pelo mundo. Esta expansão se acelerou após a II Guerra Mundial, principalmente a partir da década de 70, com a consolidação da Terceira Revolução Industrial e consequente desenvolvimento dos meios de transporte e comunicação, processo que facilitou a expansão destas empresas. O setor é dominado por grandes conglomerados empresariais como a Toyota e a Volkswagen. As empresas transnacionais automobilísticas são chamadas de montadoras, porque realmente montam os carros em suas linhas de produção, com peças de várias empresas terceirizadas, que fornecem diferentes partes do carro. A ideia principal é a efetivação de uma verdadeira e complexa cadeia de suprimentos, entre as transnacionais e os fornecedores de peças para o enfrentamento da intensa competitividade no setor.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pierre Bourdieu Estudos da Cultura

A mensagem não fala do objeto, o objeto fala da mensagem. A marca de um produto não marca o produto, marca o consumidor como membro do grupo de consumidores da marca. A desigualdade social se consagra e se recria, assim, pela via simbólica. A submissão do objeto ao signo é o elemento central do consumo, posto que os signos são manipulados e têm uma coerência lógica que é nunca satisfazer completamente a necessidade e deixar o desejo permanentemente aberto. Para as “massas” são as grandes séries, os desenhos estandardizados e anônimos, as formas desgastadas e não distintivas; para as “elites”, é a pequena série ou o “fora de série”, o distintivo, a novidade, o inalcançável, o exclusivo.

(Adaptado de Luís Enrique Alonso, “Introdução”, em Jean Baudrillard, La sociedad de consumo. Sus mitos, sus estructuras. Madrid: Siglo XXI, 2007, p. XLIII-XLIV.)

Com base no texto e em seus conhecimentos,

a) explique a diferença entre “valor de uso” e “valor simbólico” de um bem ou mercadoria;

b) descreva o mecanismo presente nos meios de comunicações que manipula os signos para torná-los objetos do desejo. Explique por que esse mecanismo de manipulação dos signos não é restrito a uma classe social.



Resolução

a) O valor de uso e o valor simbólico dos bens ou mercadorias são temas comumente abordados pela sociologia e pela antropologia, podendo passar, inclusive, por autores de áreas um pouco distantes entre si, como a economia, a psicologia e a psicanálise. De um canto ao outro, porém, as definições giram em torno das mesmas ideias, a saber: o valor de uso de um bem ou mercadoria se dá pela sua utilidade, pela sua serventia. É corpóreo e material. É físico. Assim, o bem de uso de uma cadeira seria, por exemplo, o repouso das pernas. É claro que essa utilidade ou serventia é circunscrita socialmente, no tempo e no espaço e, como tais, podem mudar de grupo para grupo, de um tempo histórico para outro tempo histórico. Mas, nesse último ponto, especificamente, valor de uso não se distingue de valor simbólico, já que o mesmo também se circunscreve socialmente. A diferença, então, é outra.

Marcel Mauss, sobrinho de Émile Durkheim e conhecido como um dos pais da antropologia, talvez tenha sido o primeiro grande autor a notar, em “Ensaio sobre a dádiva”, de 1925, que as relações econômicas – como as citadas no texto -, vão além da serventia de uma coisa: elas são constituídas, também, por um valor simbólico. O valor simbólico seria marcado pelos laços afetivos construídos, pelo agente social, com o bem ou a mercadoria, e podem se relacionar com o status, o poder, o domínio, a confiança e a memória. É psíquico e sentimental.

b) A propaganda, grande mecanismo presente nos meios de comunicações, é responsável pela manipulação dos signos, de modo a tratá-los como imprescindíveis para a nossa vida. Ela opera nos tornando desejosos de tais signos, ou seja, desejosos de valor simbólico – desejosos de status, de poder, de domínio, de confiança e de sentimento de pertencimento. Nos tornamos, então, consumidores de símbolos, não de necessidades. Nesse viés, consumimos o que nos traz alento psíquico e afetivo, pouco importando se, efetivamente, precisamos do que estamos a comprar. Compramos porque, em nós, “criou-se a necessidade”.

Isso sem falar, por exemplo, nas discussões sobre o gosto que, daí, se formam. Aquilo que consumimos passamos a defender como “bonito”, “belo”, “gostoso”, “distinto”, “exclusivo”, “fino”. Então, para além do desejo de fazer uso de um signo específico, a propaganda também se forma responsável por aquilo que gostamos ou não gostamos. De Pierre Bourdieu, em “Economia das trocas simbólicas”, à Zygmunt Bauman, em “Vida para o consumo”, passando por tantos outros autores e obras, a lógica é a mesma do conhecido livro de Jean Baudrillard: nos tornamos reféns da sociedade do consumo; nos tornamos mercadorias; nos tornamos reféns dos desejos que criam em nós.

Óbvio que a restrição desse mecanismo a uma única classe não exploraria toda a potencialidade econômica do mercado. Assim, a propaganda não se resume a essa ou aquela classe social – se estende a todas, lucra com todas Aliás, veja só, se vale da existência delas. Sim, a propaganda se vale da existência de classes sociais para criar desejos: o desejo de ascender e mudar de classe; o desejo de se mostrar pertencente a um grupo específico; o desejo de ser “diferente”; o desejo de desejar o desejo do outro, como diria Jacques Lacan.

Por isso o consumo – sobretudo do signo, da “marca” – é delimitador social. Por isso o gosto revela pertencimentos de classes. E por isso também, pela mesma lógica, consumo e gosto contribuem para a manutenção de distinções sociais, excluindo quem deles (do consumo e do gosto) não compartilham.