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Questão 6 Unicamp 2021 - 2ª fase - dia 2

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Questão 6

Pierre Bourdieu Estudos da Cultura

A mensagem não fala do objeto, o objeto fala da mensagem. A marca de um produto não marca o produto, marca o consumidor como membro do grupo de consumidores da marca. A desigualdade social se consagra e se recria, assim, pela via simbólica. A submissão do objeto ao signo é o elemento central do consumo, posto que os signos são manipulados e têm uma coerência lógica que é nunca satisfazer completamente a necessidade e deixar o desejo permanentemente aberto. Para as “massas” são as grandes séries, os desenhos estandardizados e anônimos, as formas desgastadas e não distintivas; para as “elites”, é a pequena série ou o “fora de série”, o distintivo, a novidade, o inalcançável, o exclusivo.

(Adaptado de Luís Enrique Alonso, “Introdução”, em Jean Baudrillard, La sociedad de consumo. Sus mitos, sus estructuras. Madrid: Siglo XXI, 2007, p. XLIII-XLIV.)

Com base no texto e em seus conhecimentos,

a) explique a diferença entre “valor de uso” e “valor simbólico” de um bem ou mercadoria;

b) descreva o mecanismo presente nos meios de comunicações que manipula os signos para torná-los objetos do desejo. Explique por que esse mecanismo de manipulação dos signos não é restrito a uma classe social.



Resolução

a) O valor de uso e o valor simbólico dos bens ou mercadorias são temas comumente abordados pela sociologia e pela antropologia, podendo passar, inclusive, por autores de áreas um pouco distantes entre si, como a economia, a psicologia e a psicanálise. De um canto ao outro, porém, as definições giram em torno das mesmas ideias, a saber: o valor de uso de um bem ou mercadoria se dá pela sua utilidade, pela sua serventia. É corpóreo e material. É físico. Assim, o bem de uso de uma cadeira seria, por exemplo, o repouso das pernas. É claro que essa utilidade ou serventia é circunscrita socialmente, no tempo e no espaço e, como tais, podem mudar de grupo para grupo, de um tempo histórico para outro tempo histórico. Mas, nesse último ponto, especificamente, valor de uso não se distingue de valor simbólico, já que o mesmo também se circunscreve socialmente. A diferença, então, é outra.

Marcel Mauss, sobrinho de Émile Durkheim e conhecido como um dos pais da antropologia, talvez tenha sido o primeiro grande autor a notar, em “Ensaio sobre a dádiva”, de 1925, que as relações econômicas – como as citadas no texto -, vão além da serventia de uma coisa: elas são constituídas, também, por um valor simbólico. O valor simbólico seria marcado pelos laços afetivos construídos, pelo agente social, com o bem ou a mercadoria, e podem se relacionar com o status, o poder, o domínio, a confiança e a memória. É psíquico e sentimental.

b) A propaganda, grande mecanismo presente nos meios de comunicações, é responsável pela manipulação dos signos, de modo a tratá-los como imprescindíveis para a nossa vida. Ela opera nos tornando desejosos de tais signos, ou seja, desejosos de valor simbólico – desejosos de status, de poder, de domínio, de confiança e de sentimento de pertencimento. Nos tornamos, então, consumidores de símbolos, não de necessidades. Nesse viés, consumimos o que nos traz alento psíquico e afetivo, pouco importando se, efetivamente, precisamos do que estamos a comprar. Compramos porque, em nós, “criou-se a necessidade”.

Isso sem falar, por exemplo, nas discussões sobre o gosto que, daí, se formam. Aquilo que consumimos passamos a defender como “bonito”, “belo”, “gostoso”, “distinto”, “exclusivo”, “fino”. Então, para além do desejo de fazer uso de um signo específico, a propaganda também se forma responsável por aquilo que gostamos ou não gostamos. De Pierre Bourdieu, em “Economia das trocas simbólicas”, à Zygmunt Bauman, em “Vida para o consumo”, passando por tantos outros autores e obras, a lógica é a mesma do conhecido livro de Jean Baudrillard: nos tornamos reféns da sociedade do consumo; nos tornamos mercadorias; nos tornamos reféns dos desejos que criam em nós.

Óbvio que a restrição desse mecanismo a uma única classe não exploraria toda a potencialidade econômica do mercado. Assim, a propaganda não se resume a essa ou aquela classe social – se estende a todas, lucra com todas Aliás, veja só, se vale da existência delas. Sim, a propaganda se vale da existência de classes sociais para criar desejos: o desejo de ascender e mudar de classe; o desejo de se mostrar pertencente a um grupo específico; o desejo de ser “diferente”; o desejo de desejar o desejo do outro, como diria Jacques Lacan.

Por isso o consumo – sobretudo do signo, da “marca” – é delimitador social. Por isso o gosto revela pertencimentos de classes. E por isso também, pela mesma lógica, consumo e gosto contribuem para a manutenção de distinções sociais, excluindo quem deles (do consumo e do gosto) não compartilham.