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Fuvest 2021 - 2ª fase


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Redação

REDAÇÃO

Texto 1:

O neoliberalismo define certa norma de vida nas sociedades ocidentais, e, para além dela, em todas as sociedades que as seguem no caminho da "modernidade". Essa norma impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar em luta económica uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo do mercado, obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o indivíduo, que é instado a conceber a si mesmo e a comportar-se como uma empresa.

Pierre Dardot e Christian Lavai. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, 2016.

 

Texto 2:

As mais soberbas pontes e edifícios,

o que nas oficinas se elabora,

o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento,

os recursos da terra dominados,

e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestre

ou se prolonga até nos animais

e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,

dá volta ao mundo e torna a se engolfar

na estranha ordem geométrica de tudo,

(...)

Carlos Drummond de Andrade, "A máquina do mundo", de Claro Enigma, 1951.

 

Texto 3:

Aqui tudo parece que era ainda construção e já é ruína

Tudo é menino, menina no olho da rua

O asfalto, a ponte, o viaduto ganindo pra lua

Nada continua...

(...)

Alguma coisa está fora da ordem

Fora da nova ordem mundial

Caetano Veloso, Trecho da música Fora da Ordem, 1991.

 

Texto 4:

Quino, Mafalda. Assim vai o mundo!

 

Texto 5:

Os adultos ficam dizendo: "devemos dar esperança aos jovens". Mas eu não quero a sua esperança. Eu não quero que vocês estejam esperançosos. Eu quero que vocês estejam em pânico. Quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que vocês ajam. Quero que ajam como agiriam em uma crise. Quero que vocês ajam como se a casa estivesse pegando fogo, porque está.

Greta Thunberg, Trecho de discurso em Davos, 2019.

 

Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: O mundo contemporâneo está fora da ordem?

 

Instruções:

■ A dissertação deve ser redigida de acordo com a norma-padrão da língua portuguesa.

■ Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível e não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação.

■ Dê um titulo a sua redação.



Comentários

A prova de redação FUVEST 2021 traz uma pergunta ao candidato, qual seja: O mundo contemporâneo está fora de ordem? Neste ano, espera-se que o texto produzido esclareça ao leitor a concepção adotada acerca da baliza “ordem”. Definido pelo dicionário Michaelis como uma “organização sistemática de vários elementos, que segue princípios predeterminados”, é relevante que o candidato elucide que princípios predeterminados estão “fora de ordem”; desajustados. Assim, a partir do conceito de ordem, é possível responder à pergunta-tema, esclarecendo argumentativamente se o mundo contemporâneo se encontra adequado a certos princípios ou não. Cabe observar que se trata de um tema com possibilidades plurais de abordagem, uma vez que, embora os excertos trazidos apontem algumas noções de “desordem”, essa concepção não é restrita. Logo, é possível construir uma noção autoral de “ordem”.

O primeiro excerto é um trecho do livro "A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal”, escrito pelos filósofos franceses Pierre Dardot e Christian Laval. Nele, os autores refletem sobre certas “normas” definidas pelo neoliberalismo que, supostamente, seriam responsáveis por encaminhar as sociedades ocidentais à modernidade. Tal concepção defende que as pessoas vivam “num universo de competição generalizada”, uma vez que induz o indivíduo a entender-se e comportar-se como uma empresa. Para isso, a doutrina socioeconômica ordena as relações sociais segundo o modelo econômico, o que, em tese, justificaria profundas desigualdades como aceitáveis. Tendo por base as reflexões dos filósofos, o candidato, caso pertinente ao seu projeto de texto, pode apropriar-se dessas noções de “fora da ordem”, uma vez que, embora a opinião dos autores não seja explicitada no trecho, é possível depreender que uma “competição generalizada” e “comportar-se como uma empresa” são comportamentos que geram um mal-estar social. Em suma, de acordo com o supracitado, para ser considerado “moderno”, a sociedade precisa se submeter a dinâmicas maléficas para si própria.

O segundo excerto traz fragmento do poema “A máquina do mundo”, de Carlos Drummond Andrade. No poema, o eu lírico rejeita a concepção de que o mundo é uma máquina, metáfora comumente relacionada ao processo de modernização das cidades. O trecho traz a visão do homem moderno para a máquina que, ao contrário de benefícios, gera perdas à sociedade. A dominação dos “recursos da terra” atinge também “as paixões e os impulsos e os tormentos”, demonstrando que um suposto desenvolvimento social vem seguido da privação de valores humanos. O eu lírico demonstra-se cético diante da representação da realidade contaminada por valores que não dialogam com os seus, o que demonstra sua inadequação. Em vista disso, é possível supor que o sujeito lírico se sente alheio à ordem contemporânea, sentimento que se relaciona ao tema proposto.

O terceiro excerto, assim como o anterior, suscita reflexões por meio de um texto poético. O trecho da canção “Fora de ordem”, de Caetano Veloso, tem relação íntima com a discussão proposta pela FUVEST. Os versos apontam para um sujeito atônito frente às rápidas mudanças sociais ao seu redor: “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”. Ao longo dos versos, somos contagiados pela sensação de não pertencimento do eu lírico, que afirma categoricamente que “Alguma coisa está fora da ordem / Fora da nova ordem mundial”. A canção, ao relacionar-se diretamente com a frase-temática da proposta, abre importantes reflexões ao candidato: de qual ordem se está tratando? Afinal, qual a “nova ordem mundial”?

O quarto excerto é composto por um cartum de Mafalda, personagem produzida pelo cartunista argentino Quino conhecida como uma menina revolucionária e contestadora. No cartum “Assim vai o mundo!”, a garota, bastante decepcionada, observa um globo terrestre repleto de ataduras, geralmente usadas para o tratamento de feridas. A partir de uma linguagem não verbal, podemos depreender que Mafalda está desapontada com a situação do mundo, que se encontra ferido e precisando de cuidados (ilustrados pelas ataduras e por um medicamento). A imagem do globo – representado como metonímia para a sociedade – aponta para uma desordem mundial, o que precisa ser remediado.

Por fim, o quinto e último excerto apresenta ao candidato o trecho de um discurso de Greta Thunberg, uma jovem ativista ambiental sueca. Nele, Greta desconstrói o senso comum de que “é preciso dar esperança aos jovens”, o que, em teoria, promoveria um mundo melhor. Segundo ela, a esperança gera um sentimento de conformismo nas pessoas (jovens ou não). No entanto, frente ao atual mundo, é preciso estar em pânico e sentir medo, pois, apenas assim, as pessoas irão agir. Categoricamente, a garota propõe: “Quero que ajam como agiriam em uma crise. Quero que vocês ajam como se a casa estivesse pegando fogo, porque está”. Por extensão, frente a um mundo “fora de ordem” – apresentado em diversos contextos nos últimos quatro textos – é preciso agir, de modo a impedir que a desordem seja naturalizada e a passividade impere. Mesmo que não seja possível identificar a que “desordem” Greta se refere, é função do candidato preencher de significado as inúmeras possibilidades de abordagem.

De forma geral, como proposto pelo próprio comando de prova, o candidato deveria responder à pergunta proposta, contextualizando a discussão na contemporaneidade. Para isso, é possível lançar mão das ideias suscitadas na coletânea e de informações externas, do seu repertório de mundo, de modo a articular todo esse conteúdo a um projeto de texto autoral, coeso e coerente.

Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

intertexto charges e tirinhas

Considere o texto e a tirinha para responder à questão.

BRINCANDO DE ESCONDE-ESCONDE

Costuma-se dizer que quem atenta às letras miúdas de uma bula de remédio provavelmente decide não tomar a medicação. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a propagandas de automóveis: quem se ativer aos detalhes de um anúncio de carro tem grandes chances de perder o interesse pelo produto. Um texto elaborado com letras minúsculas, normalmente localizado na parte inferior da página ou da tela, joga um balde de água fria no consumidor que se deu ao trabalho de ir até o fim da mensagem publicitária: o preço divulgado costuma ter uma série de restrições. O mais comum é que o valor se refira às versões "de entrada" (também chamadas "pé de boi"), com poucos acessórios. Ou seja, o carro mostrado com toda pompa costuma valer alguns milhares de reais a mais do que o preço explicitamente anunciado.

Revista do IDEC, 2013. Adaptado.

Bill Watterson, O mundo é mágico - As aventuras de Calvin e Haroldo.
 
a) Explique por que o título do texto, "Brincando de esconde-esconde", pode também ser aplicado à tirinha de Calvin.

b) Como a estratégia de marketing utilizada na venda de automóveis contribui para o efeito de humor da tirinha?



Resolução

a) Calvin escreve uma carta ao Papai Noel com o adjetivo bom acompanhado de um asterisco. Haroldo, no último quadrinho, revela que a observação anunciada pelo asterisco está em letras minúsculas ao final da carta. Então, o garoto diz ter se inspirado nos anúncios de carros. Associando a tirinha ao texto intitulado “Brincando de esconde-esconde”, fica clara a relação entre a fala de Calvin e o que está sendo dito no texto, cujo temática central é exatamente o fato de alguns textos (bulas e anúncios de carros) apresentarem informações relevantes escondidas por letras minúsculas. Desse modo, o título do texto poderia ser aplicado à tirinha, visto que, nesta, Calvin esconde uma informação importante – possivelmente o fato de não ter sido um menino tão bom assim – para pedir um presente ao Papai Noel.

b) No texto intitulado “Brincando de esconde-esconde”, é falado sobre a estratégia de marketing dos automóveis, que consiste na divulgação de uma informação, no caso o preço, cuja observação está ao final do anúncio em letras minúsculas. O carro, desse modo, tem um preço atrativo anunciado e, ao final, aparece sem destaque a informação de que aquele valor é para a versão mais simples, chamada de "pé-de-boi". Essa estratégia contribui para o efeito de humor da tirinha, pois, no último quadrinho, Calvin diz ter se inspirado nos anúncios de carro para redigir sua carta ao Papai Noel, em que há uma observação importante escondida ao final do texto. O garoto diz ter sido um bom menino, o que é uma fala com alto valor argumentativo para o contexto, mas coloca uma ressalva sobre isso, o que sugere que ele não tenha sido, de fato, tão bom assim e o que ocasiona o humor na tirinha.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Composição Pressupostos e Subentendidos

Leia o texto e responda à questão.

"Eu só quero a minha liberdade de volta". O pedido é um dos mais comuns entre as crianças e os adolescentes que viram suas vidas se transformarem há mais de quatro anos, quando a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, se rompeu, formando um tsunami de rejeitos de minério que engoliu o vilarejo rural de Bento Rodrigues, em Mariana (Minas Gerais), e atingiu outros distritos da região. Após a tragédia, as famílias dos atingidos foram alocadas em casas alugadas em Mariana. Recomeçar uma nova rotina, no entanto, não tem sido fácil para os jovens. Além da adaptação ao novo território, as crianças também sofrem com o preconceito e o bullying. "Ainda há uma hostilização por parte dos moradores de Mariana. No início, quando eles frequentavam as mesmas escolas, eles eram chamados de pé de lama e marilama. Muitas vezes, eram culpados pelo encerramento das atividades da Samarco. Grande parte das falas das crianças são uma reprodução das dos adultos", explica a psicóloga. Apesar de os jovens das cidades atingidas estarem estudando em instituições de ensino próprias, havia relatos de que eles evitavam circular na cidade com o uniforme da Escola Municipal de Bento Rodrigues, por exemplo.

H. Mendonça. "Filhos e órfãos de Mariana e Brumadinho enfrentam a infância interrompida por uma tragédia que não acabou". Adaptado.

 

a) Explique o processo de formação da palavra "marilama", sublinhada no texto, identificando as semelhanças sonoras entre as formas originárias que se sobrepõem nessa nova formação.

b) Identifique uma atitude dos jovens do vilarejo rural de Bento Rodrigues que revele a tentativa de apagamento de suas identidades. Justifique sua resposta.



Resolução

a) A palavra marilama foi formada pela junção dos substantivos Mariana e lama. O primeiro foi abreviado, originando Mari, e se uniu ao segundo, que faz referência aos rejeitos de minério que "engoliram" o vilarejo rural de Bento Rodrigues, um "tsunami de lama". Desse modo, marilama surgiu pelo processo de composição. Há, entre os dois substantivos originários, uma semelhança sonora, visto que ambos terminam com fonemas anasalados /Ã/, seguidos de um fonema consonantal - /N/ e /M/, respectivamente- e finalizados pelo fonema vocálico /A/.

b) Os jovens do vilarejo rural, segundo o texto, evitavam circular com o uniforme da escola municipal de Bento Rodrigues. Tal fato demonstra que esses estudantes pretendiam não ser identificados como moradores do vilarejo rural de Bento Rodrigues, pois eram vítimas de preconceito por alguns moradores de Mariana. Desse modo,  com essa atitude, nota-se que esses jovens tentam apagar sua identidade com o objetivo de se protegerem de possíveis ataques preconceituosos.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

linguagem verbal e não verbal Pressupostos e Subentendidos

Examine a capa e o texto extraídos de uma revista para responder à questão.

Fumar era normal. As pessoas acendiam o primeiro cigarro logo ao acordar, e repetiam o gesto dezenas de vezes durante o dia, em absolutamente todos os lugares: lojas, restaurantes, escritórios, consultórios, aviões (tinha gente que fumava até no chuveiro). Ficar sem cigarro, nem pensar - tanto que ir sozinho comprar um maço para o pai ou a mãe, na padaria da esquina, era um rito de passagem para muitas crianças. Olhamos para trás e nos surpreendemos ao perceber como as pessoas se deixavam escravizar, aos bilhões, por algo tão nocivo. Enquanto fazemos isso, porém, vamos sendo dominados por um vício ainda mais onipresente: o smartphone. Vivemos grudados em nossos smartphones porque eles são úteis e divertidos. Mas o que pouca gente sabe é o seguinte: por trás dos ícones coloridos e apps de nomes engraçadinhos, as gigantes da tecnologia fazem um esforço consciente para nos manipular, usando recursos da psicologia, da neurologia e até dos cassinos. "O smartphone é tão viciante quanto uma máquina caça-níqueis", diz o americano Tristan Harris. E o caça-níqueis, destaca ele, é o jogo que mais causa dependência: vicia três a quatro vezes mais rápido que outros tipos de aposta. "Quando desbloqueamos o celular e deslizamos o dedo para atualizar nosso e-mail ou ver a foto seguinte numa rede social, estamos jogando caça-níqueis com o smartphone", afirma Harris.

B. Garattoni e E. Szklarz, "Smartphone - o novo cigarro". Adaptado.

a) Qual a relação de sentido entre a imagem da capa e a manchete "Smartphone - o novo cigarro"?

b) De acordo com o texto de Garattoni e Szklarz, explique por que o vício em smartphone é mais parecido com o vício em caça-níqueis do que com o vício em cigarro.



Resolução

a) A imagem mostra um indivíduo conectado à tela de um smartphone e sendo, de uma certa maneira, “sugado” por ela. O cigarro, há alguns anos, era responsável por escravizar pessoas, visto que elas ficavam tão viciadas que não conseguiam se desconectar dele, fumando dezenas de vezes ao dia e em todos os lugares. E isso era visto como "normal", bem diferente do que sabemos hoje: o cigarro é muito nocivo à saúde. Desse modo, a imagem se relaciona à manchete Smartphone – o novo cigarro pelo fato de que que ambos elementos são capazes de "sugar" um indivíduo, ao passo que tornam o seu usuário um completo viciado. Hoje, o novo vício ("novo cigarro") é nos smartphones, nos quais vivemos grudados porque são úteis e divertidos, mas, conforme a imagem, também nos escravizam.

b)  Segundo o texto, o smartphone se assemelha mais ao vício em caça-níquel do que ao vício em cigarro, pois esses aparelhos utilizam os mesmos recursos utilizados nos cassinos: "O smartphone é tão viciante quanto uma máquina caça-níqueis", jogo que mais causa dependência, de três a quatro vezes mais do que outros tipos de apostas. Portanto, os smarphones, assim como os caça-níqueis, tornam o usuário cada vez mais conectado e viciado: "Quando desbloqueamos o celular e deslizamos o dedo para atualizar nosso e-mail ou ver a foto seguinte numa rede social, estamos jogando caça-níqueis com o smartphone".

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Flexão de gênero, número e grau (substantivo) textos científicos e de divulgação científica

O texto a seguir é fragmento de um artigo de divulgação científica.

A preferência pela mão esquerda ou direita provavelmente é resultado de um processo complexo, que envolve fatores genéticos e ambientais. O novo estudo, fruto de uma colaboração internacional, é a maior análise genética focada em canhotos da história: utilizou dados de 1,7 milhão de pessoas, extraídos de bancos como o UK Biobank e a empresa privada 23andMe. Comparando os genomas de destros, canhotos e ambidestros, a equipe descobriu que há 41 pares de bases ligados às chances de uma pessoa ser canhota, e sete relacionados a ambidestros. Um "par de bases" é, grosso modo, uma letrinha do DNA (A, T, C ou G). Cada gene contém as instruções para fabricar uma proteína. Uma mudança em uma única letrinha do gene é capaz de mudar a sequência de tijolinhos que constroem essa proteína, e, por tabela, sua função. Ou seja: o que os geneticistas encontraram foram 41 letrinhas de DNA que aparecem só em pessoas canhotas. Daí até saber o que exatamente essas letrinhas mudam é outra história.

B. Carbinatto, "Estudo identifica 41 variações no genoma associadas a pessoas canhotas". Adaptado.

 

a) Retire do texto duas características linguísticas que permitem classificá-lo como artigo de divulgação científica.

b) Quais os sentidos, no texto, gerados pelo emprego do diminutivo nas palavras "letrinha(s)" e "tijolinhos"? Explique.



Resolução

a) O texto, por ser um artigo de divulgação científica e ter como foco a informação, possui algumas características linguísticas próprias para cumprir esse propósito. São elas: é escrito em terceira pessoa com o intuito de focar no assunto que está sendo transmitido; possui uma sintaxe simples, privilegiando a ordem direta das orações, com sujeito anteposto ao verbo (“SUJEITO: Cada gene VERBO: contém COMPLEMENTO: as instruções...”); apresenta vocabulário acessível e de fácil entendimento a fim de que pessoas não especializadas possam compreender a informação que está sendo passada; realiza algumas construções mais informais (“uma mudança em uma única letrinha...) com o propósito de trazer informação ao público leigo de forma mais descontraída.

b) O uso do diminutivo nas palavras “letrinha(s)” e “tijolinhos” pode ser visto como uma estratégia de aproximar o leitor não especializado ao texto, visto que torna a linguagem mais descontraída mesmo se tratando de um assunto bastante específico (a preferência pela mão esquerda ou direita). Além disso, o diminutivo, em ambos os casos, faz referência ao fato de tais palavras se associarem a elementos diminutos (por exemplo, em "letrinha do DNA" e "sequência de tijolinhos"), mas que têm enorme relevância em um processo extremamente complexo que vai definir a preferência de uma pessoa pela mão esquerda ou pela mão direita.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

denotação conotação

Leia os textos para responder à questão.

Texto 1

Postagem de Instagram, conta do

Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).

Texto 2

Uma dentre as várias equações que fundam o Brasil enquanto país é: governar é produzir incêndios. Marcado por uma ideia de modernidade impulsionada pela crença de que modernizar é tomar posse de um terreno baldio, amorfo, pretensamente sem culturas autóctones ditas desenvolvidas, a fim de torná-lo "produtivo", o Brasil foi criado por incêndios. Diante das queimadas que agora retornam, devemos nos lembrar que a destruição pelo fogo é nossa maior herança colonial.

V. Safatle, "Governar é produzir incêndios". Adaptado.

 

a) Reescreva o fragmento "pretensamente sem culturas autóctones ditas desenvolvidas", substituindo as palavras sublinhadas por outras de sentido equivalente.

b) Explique por que tanto o enunciado "É fogo!", no texto 1, quanto "governar é produzir incêndios", no texto 2, apresentam mais de um sentido no contexto em que foram empregados.

 

 



Resolução

a) “Pretensamente” é definido como aquilo que se desenvolve por pretensão, por suposição. Logo, é possível substituir o advérbio por “supostamente”. “Ditas”, no contexto utilizado, é análogo a “consideradas”. Logo, uma reescrita possível é: “Supostamente sem culturas autóctones consideradas desenvolvidas”.

b) A expressão “É fogo!” pode ser analisada em seu sentido denotativo e conotativo. O primeiro caso remete à prática das queimadas, atitude comum aos brasileiros, como exposto pelo texto que compõe a questão. No segundo caso, “É fogo!” remete a uma expressão popular, comumente usada para caracterizar algo difícil; complicado.

A expressão “governar é produzir incêndios” também pode ser analisada de forma denotativa e conotativa. No primeiro caso, a produção de incêndios caracteriza uma forma de administração estatal. De acordo com o texto apresentado, as queimadas remetem a uma “ideia de modernidade impulsionada pela crença de que modernizar é tomar posse de um terreno baldio, amorfo, pretensamente sem culturas autóctones ditas desenvolvidas, a fim de torná-lo 'produtivo'". Por conta disso, segundo o autor, “o Brasil foi criado por incêndios”. Em relação ao sentido figurado, a expressão sugere que a postura governamental frente a questões é “produzir incêndios”, construção popularmente usada para se referir a situações que, em vez de solucionadas, são mais inflamadas. Trata-se do oposto de “apagar incêndios”, ou seja, quando, frente a um acontecimento crítico, rápidas ações são tomadas de modo a sanar o problema.

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Pressupostos e Subentendidos Coesão e Coerência

Considere o texto a seguir para responder à questão.

No Brasil, a educação a distância só estava autorizada para o ensino superior (de maneira completa ou até 40% dos cursos presenciais) e uma parte do ensino médio (até 30% da carga horária do período noturno e 20% do diurno). A legislação brasileira atual não permite que a educação infantil e o ensino fundamental sejam feitos por EAD. Porém, diante da emergência de saúde pública e da situação atípica na educação, diversas flexibilizações foram adotadas para que os alunos pudessem dar prosseguimento às aulas de maneira remota. Mareio Kowalski, professor do curso de Rádio, TV e Internet da Metodista, calcula que entre 30% e 50% dos seus alunos têm dificuldade para acompanhar o curso. Quando está dando aula, por exemplo, diz que alguns estudantes ficam repetidamente caindo e entrando na chamada de vídeo. "Não são todos que podem ter aquele cliché do computador com a estante de livros bonita atrás", brinca.

I. Paz, "Desafios do ensino remoto na pandemia". Adaptado

a) O que o professor quis dizer ao proferir a frase "Não são todos que podem ter aquele cliché do computador com a estante de livros bonita atrás"?

b) No período "Quando está dando aula, por exemplo, diz que alguns estudantes ficam repetidamente caindo e entrando na chamada de vídeo", explique o emprego da expressão sublinhada.



Resolução

a) O autor do texto quis dizer que nem todos os alunos possuem uma estrutura adequada ao ensino a distância e suficiente para que o aprendizado se dê de maneira minimamente confortável. Ele cita, inclusive, que muitos de seus alunos entram e saem da aula constantemente, sugerindo que nem mesmo a conexão da internet – ferramenta fundamental para o ensino a distância - é estável. Ou seja, ao falar que “Não são todos que podem ter aquele clichê do computador com a estante de livros atrás”, ele faz referência à realidade de muitos alunos durante este período de pandemia, que assistem às aulas em lugares improvisados e que não possuem ferramentas básicas de qualidade.

b) A expressão “por exemplo” é utilizada para, de fato, exemplificar a informação dita anteriormente. O autor diz que entre 30% e 50% de seus alunos têm tido dificuldade para assistir às aulas e, com o intuito de ilustrar essa informação e torná-la concreta, ele traz um exemplo disso, mostrando que muitos estudantes, por possuírem a internet instável, caem e entram repetidamente na aula. Desse modo, pode-se inferir que há outras razões para que essa dificuldade exista e que a rede sem estabilidade é somente uma delas.

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Quincas Borba Tipos de Argumento

Leia o texto para responder à questão.

    Nessa mesma noite, leu-lhe o artigo em que advertia o partido da conveniência de não ceder às perfídias do poder, apoiando em algumas províncias certa gente corrupta e sem valor. Eis aqui a conclusão:

    "Os partidos devem ser unidos e disciplinados. Há quem pretenda (mirabile dictuI*) que essa disciplina e união não podem ir ao ponto de rejeitar os benefícios que caem das mãos dos adversários. Risum teneatis!** Quem pode proferir tal blasfêmia sem que lhe tremam as carnes? Mas suponhamos que assim seja, que a oposição possa, uma ou outra vez, fechar os olhos aos desmandos do governo, à postergação das leis, aos excessos da autoridade, à perversidade e aos sofismas. Quid inde?*** Tais casos, - aliás, raros, - só podiam ser admitidos quando favorecessem os elementos bons, não os maus. Cada partido tem os seus díscolos e sicofantas. É interesse dos nossos adversários ver-nos afrouxar, a troco da animação dada à parte corrupta do partido. Esta é a verdade; negá-lo é provocar-nos à guerra intestina, isto é, à dilaceração da alma nacional... Mas, não, as ideias não morrem; elas são o lábaro da justiça. Os vendilhões serão expulsos do templo; ficarão os crentes e os puros, os que põem acima dos interesses mesquinhos, locais e passageiros a vitória indefectível dos princípios. Tudo que não for isto ter-nos-á contra si. Alea jacta est****".

(...)

Rubião aplaudiu o artigo; achava-o excelente. Talvez pouco enérgico. Vendilhões, por exemplo, era bem dito; mas ficava melhor vis vendilhões.

- Vis vendilhões? Há só um inconveniente, ponderou Camacho. É a repetição dos vv. Vis vem... Vis vendilhões; não sente que o som fica desagradável?

- Mas lá em cima há vés vis...

- Vae victis. Mas é uma frase latina. Podemos arranjar outra coisa: vis mercadores.

- Vis mercadores é bom.

- Contudo, mercadores não tem a força de vendilhões.

- Então, por que não deixa vendilhões? Vis vendilhões é forte; ninguém repara no som. Olhe, eu nunca dou por isso. Gosto de energia. Vis vendilhões.

Machado de Assis, Quincas Borba.

*"Coisa admirável de dizer." **"Contereis o riso." ***"O que então?" ****"A sorte está lançada."

a) Segundo Camacho, os partidos possuem entre os seus membros "díscolos e sicofantas", isto é, dissidentes e caluniadores. De que modo a retórica do político constitui um artifício para persuadir o seu ouvinte quanto aos erros de alguns correligionários?

b) A expressão latina Vae victis! ("Ai dos vencidos!") lembra ao leitor a máxima da filosofia que Quincas Borba apresenta a Rubião no início do romance. Como essas duas frases se contrapõem na trajetória do protagonista?



Resolução

a) O enunciado afirma que Camacho usa de uma retórica como um artifício para persuadir seu ouvinte em relação aos erros de alguns correligionários do partido; daí se pode depreender que não são todos os membros do partido que são “díscolos ou sicofantas”, apenas aqueles que se propõem a executar práticas condenadas pelo político.

Dito isso, cabe observar o modo pelo qual o personagem expõe suas ideias no artigo para identificar as estratégias retóricas que ele emprega para convencer seu interlocutor.

Observa-se, então, que Camacho estrutura a argumentação a partir de perguntas retóricas, como se pretendesse antecipar o pensamento e a conclusão do ouvinte. Assim, ele parte de uma afirmação segundo a qual os membros de um partido devem ser unidos e disciplinados. Em seguida, ele apresenta o que seria uma possível conclusão consensual dos leitores: “Há quem pretenda (mirabile dictu!) que essa disciplina e união não podem ir ao ponto de rejeitar os benefícios que caem das mãos dos adversários”.  Entretanto, logo em seguida, o personagem condena veementemente tal posicionamento a partir de um questionamento: “Quem pode proferir tal blasfêmia sem que lhe tremam as carnes?”. Verifica-se, nesse ponto, que o articulista direciona os leitores para uma conclusão que seria aceitável, mas, logo após, a partir do questionamento, rejeita e ridiculariza tal posição (a expressão latina e o termo “blasfêmia” contribuem para esse questionamento) a ponto de fazer com que os leitores rejeitem envergonhados aquela falsa conclusão que até então estavam predispostos a aceitar.

No prosseguimento da argumentação, o político adota o mesmo artifício retórico, apresentando uma nova possibilidade como aceitável: “Mas suponhamos que assim seja, que a oposição possa, uma ou outra vez, fechar os olhos aos desmandos do governo, à postergação das leis, aos excessos da autoridade, à perversidade e aos sofismas. Ouid inde? Tais casos, - aliás, raros, - só podiam ser admitidos quando favorecessem os elementos bons, não os maus”. Porém, no prosseguimento da sua exposição, ele recusa essa possibilidade, afirmando que esse tipo de condescendência seria um afrouxamento de princípios e um reforço à postura dos membros corruptos do partido, além de abrir caminho para uma “guerra intestina” e à “dilaceração da alma nacional”.

Em suma, o artifício retórico empregado por Camacho é propor consensos que, embora duvidosos, poderiam ser aceitos em determinadas circunstâncias e fazer com que o leitor se identifique com eles. Mas, logo em seguida, a partir de perguntas retóricas, ele expõe o ridículo e os equívocos de tais consensos, de modo que o mesmo leitor se envergonhe de tê-los considerados aceitáveis. A partir disso, o autor reforça os princípios que pretende defender.

b) Quincas Borba, no início do romance, para exemplificar sua teoria do Humanitismo, conta uma história sobre as duas tribos que guerrearam entre si disputando um campo de batatas. A conclusão dessa narrativa é a seguinte: “Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. (...). Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. A expressão “Ai dos vencidos!” remete à famosa máxima que conclui a história do filósofo – “ao vencedor às batatas” e ambas contrapõem as duas posições envolvidas nas guerras e conflitos: o vencedor se apodera dos bens e riquezas enquanto o vencido, se não for exterminado, é excluído do jogo. As duas frases apontam para um contraste na trajetória de Rubião, protagonista do romance. Após herdar a fortuna do amigo Quincas Borba, ele deixa a provinciana Barbacena e vai para o Rio de Janeiro com o objetivo de desfrutar as delícias que a nova vida de milionário poderia lhe proporcionar na corte; nesse momento, ele se sente vencedor e acredita que nada pode se interpor à realização de seus desejos, nem mesmo o fato de que a mulher por quem ele se apaixonara, Sofia, ser esposa de seu novo amigo, Cristiano Palha. Em resumo, ele chega ao Rio crendo ser forte o suficiente para se apoderar de todas as batatas que quisesse, o que significava conquistar Sofia. Entretanto, sua ingenuidade e disposição para crer nas boas intenções de Palha e dos outros amigos que passaram a frequentar sua casa fizeram com que Rubião se tornasse uma presa fácil daqueles que eram mais espertos e maliciosos. Manipulado por Cristiano e Sofia, ele perde sua fortuna e termina enlouquecendo. O casal ascende socialmente enquanto Rubião morre louco e abandonado, acreditando ser o imperador Napoleão III. Desse modo, a máxima “ao vencedor, as batatas” contempla a vitória do casal Palha, enquanto a expressão “Ai dos vencidos!” remete ao fim trágico de Rubião.

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Claro Enigma

Leia o poema e o excerto da crônica para responder à questão.

        IV. Hotel Toffolo

        E vieram dizer-nos que não havia jantar.

        Como se não houvesse outras fomes

        e outros alimentos.

 

        Como se a cidade não nos servisse o seu pão

5      de nuvens.

 

        Não, hoteleiro, nosso repasto é interior,

        e só pretendemos a mesa.

        Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.

        Tudo se come, tudo se comunica,

10    tudo, no coração, é ceia.

Carlos Drummond de Andrade, "Estampas de Vila Rica", de Claro Enigma.

 

(...) A população de Ouro Preto nutre convicções e paixões, como qualquer outra, mas cultiva-as in petto [no íntimo], com impecável benignidade de espírito, sem o menor azedume ou nojo pela paixão ou opinião contrária. Essas preferências diversas confraternizam, não raro, junto à mesa no Hotel Toffolo, e chega-se à conclusão de que política não vale positivamente uma boa cerveja.

Carlos Drummond de Andrade, "Contemplação de Ouro Preto", de Passeios na Ilha.

a) Que relação de sentido liga a imagem "pão de nuvens" (v. 4-5) ao verso "tudo, no coração, é ceia" (v. 10)? Justifique.

b) As atitudes dos dois grupos à mesa do Hotel Toffolo, no poema e na crônica, são equivalentes? Explique.



Resolução

a) A expressão “pão de nuvens” é metafórica e faz referência ao alimento espiritual oferecido pela cidade a seus moradores e visitantes, seja a história e a poesia presente em suas ruas e casarões ou as paixões e a benignidade de espírito cultivadas por seus habitantes. Nesse sentido, essa expressão complementa o sentido do verso “tudo, no coração, é ceia”, pois, mais do que comida e bebida, o que é compartilhado à mesa do Hotel Toffolo é esse alimento imaterial que propicia momentos de união e confraternização que reforçam os vínculos afetivos entre os participantes da ceia.

b) Os dois grupos referidos pelo enunciado são os comensais citados no poema e os habitantes de Ouro Preto, mencionados na crônica “Contemplação de Ouro Preto”. A leitura dos dois textos permite afirmar que as atitudes desses grupos à mesa do Hotel Toffolo são equivalentes, pois, no poema, os participantes compartilham o “pão das nuvens”, qual a seja, a amizade e a benignidade de espírito. O mesmo ocorre na crônica, em que o poeta descreve o modo como os moradores da cidade lidam com controvérsias e discordâncias. Possível conflitos de opinião são debatidos “sem azedume ou nojo pela opinião contrária”, visto que, “a política não vale uma boa cerveja”. Assim, o que é valorizado em ambos os contextos é a convivência, a amizade e a oportunidade de confraternizar.

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Campo Geral

Leia o texto e responda à questão.

Só a Rosa parecia capaz de compreender no meio do sentir, mas um sentimento sabido e um compreendido adivinhado. Porque o que Miguilim queria era assim como algum sinal do Dito morto ainda no Dito vivo, ou do Dito vivo mesmo no Dito morto. Só a Rosa foi quem uma vez disse que o Dito era uma alminha que via o Céu por de trás do morro, e que por isso estava marcado para não ficar muito tempo mais aqui. E disse que o Dito falava com cada pessoa como se ela fosse uma, diferente; mas que gostava de todas, como se todas fossem iguais. E disse que o Dito nunca tinha mudado, enquanto em vida, e por isso, se a gente tivesse um retratinho dele, podia se ver como os traços do retrato agora mudavam. Mas ela já tinha perguntado, ninguém não tinha um retratinho do Dito. E disse que o Dito parecia uma pessoinha velha, muito velha em nova.

João Guimarães Rosa, Campo Geral.

a) Sabendo que o quiasmo é uma figura de estilo formada por uma dupla antítese cujos termos se cruzam, identifique um exemplo de quiasmo no texto e explique a sua construção.

b) Nas palavras do crítico Paulo Rónai, o escritor Guimarães Rosa sonda as suas personagens "num momento de crise, quando, acuadas pelo amor, pela doença ou pela morte, procuram desesperadamente tomar consciência de si mesmas e buscam o sentido de sua vida". Como a ausência de Dito desperta a inquietação de Miguilim?



Resolução

a) De acordo com o enunciado, quiasmo é uma figura de estilo formada por uma dupla antítese cujos termos se cruzam. Pode-se afirmar também que essa figura promove uma “inversão da ordem das palavras (o que poderá conduzir à repetição das mesmas) e de duas frases que se opõem, permitindo não só diversificar o ritmo frásico, bem como levar à obtenção de certos efeitos semânticos, a partir da posição que as palavras ocupam no enunciado” (E-dicionário de termos literários. Disponível em: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/quiasmo/).

No excerto de Campo Geral, pode-se identificar essa figura na seguinte construção: “(...) algum sinal do Dito morto ainda no Dito vivo, ou do Dito vivo mesmo no Dito morto”. O trecho em questão apresenta uma dupla antítese formada pelos pares “Dito morto” e “Dito vivo”. Miguilim, em suas reflexões, entrecruza esses termos numa segunda construção em que os pares de antíteses são invertidos “Dito vivo” e “Dito morto”. Essa inversão contribui não apenas para imprimir um ritmo à narrativa, como também mimetiza a complexidade dos pensamentos da criança, uma vez que as sequências invertidas produzem sentidos diversos de acordo com cada combinação. No primeiro caso, seria possível identificar uma tentativa de encontrar um traço da morte no menino ainda vivo, enquanto, no segundo, uma tentativa de encontrar a memória viva do menino morto.

b) Mesmo sendo mais novo que seu irmão Miguilim, Dito era considerado uma “pessoinha velha”, pois, dotado de uma sabedoria e uma perspicácia incomuns para uma criança da sua idade, conseguia compreender os mistérios do mundo adulto e explicava para Miguilim as conflituosas questões enfrentadas pela família. Nesse sentido, Dito cumpre o papel de um “ajudante mágico” junto a Miguilim, ajudando-o a entender o mundo para que pudesse enfrentá-lo com suas próprias forças. A perda do irmão significou para Miguilim o primeiro contato com a morte e a consequente consciência da finitude dos afetos e da própria existência; além disso, implicou a perda daquele amigo que o guiava pelos obscuros mistérios do mundo. Dessa forma, a ausência do irmão gera uma inquietação em Miguilim, pois, a partir dessa experiência, ele deverá elaborar a dor da perda e também se esforçar para elaborar, sozinho, as respostas para suas questões existenciais e filosóficas.

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Nove Noites

Considere o texto para responder à questão.

A ficção começou no dia em que botei os pés nos Estados Unidos. A edição do The New York Times, de 19 de fevereiro de 2002, que distribuíram a bordo, anunciava as novas estratégias do Pentágono: disseminar notícias - até mesmo falsas, se preciso - pela mídia internacional; usar todos os meios para 'influenciar as audiências estrangeiras'.

Bernardo Carvalho, Nove noites.

a) Identifique o narrador do excerto e o contexto histórico a que ele faz alusão.

b) A frase "A ficção começou no dia em que botei os pés nos Estados Unidos" diz respeito ao encontro com uma nova personagem na intriga do romance. Que personagem é essa e a qual revelação ela está diretamente relacionada?



Resolução

a) O narrador desse excerto é o “Bernardo de Carvalho ficcional”, isto é, o narrador-jornalista que empreende, no início dos anos 2000, uma investigação sobre o misterioso suicídio do antropólogo Buell Quain, ocorrido em 1939, entre os índios Krahô.

O contexto histórico a que ele se refere são os anos posteriores aos atentados terroristas às torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e contra o Departamento de Defesa dos EUA, no Pentágono, ocorridos em 11 de setembro de 2001. A partir de então, o governo americano movia uma guerra contra o terrorismo, com a finalidade de investigar e capturar os grupos responsáveis pela organização desses atentados. No excerto, o autor se posiciona de maneira crítica às estratégias do Pentágono que, para alcançar seus objetivos, admitia lançar mão de recursos duvidosos, tais como espalhar notícias falsas para obter o apoio da comunidade internacional.

b) Essa nova personagem é Schlomo Parsons, filho do fotógrafo Andrew Parsons. Em suas conjecturas, o narrador considera que esse fotógrafo americano, que dividira o quarto de hospital com seu pai, teria sido o amante de Quain, a quem Manuel Berna havia endereçado sua carta-testamento e que teria sido ele o autor do retrato de Quain. A esperança do investigador era a de que Schlomo Parsons pudesse esclarecer, de alguma forma, os mistérios que pairavam em torno da história do antropólogo, bem como a natureza das relações que teria estabelecido com Quain. Além disso, o narrador supõe que Schlomo pudesse ser suposto filho que Buell Quain abandonara nos EUA antes de vir ao Brasil.