Leia o poema e o excerto da crônica para responder à questão.
IV. Hotel Toffolo
E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes
e outros alimentos.
Como se a cidade não nos servisse o seu pão
5 de nuvens.
Não, hoteleiro, nosso repasto é interior,
e só pretendemos a mesa.
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica,
10 tudo, no coração, é ceia.
Carlos Drummond de Andrade, "Estampas de Vila Rica", de Claro Enigma.
(...) A população de Ouro Preto nutre convicções e paixões, como qualquer outra, mas cultiva-as in petto [no íntimo], com impecável benignidade de espírito, sem o menor azedume ou nojo pela paixão ou opinião contrária. Essas preferências diversas confraternizam, não raro, junto à mesa no Hotel Toffolo, e chega-se à conclusão de que política não vale positivamente uma boa cerveja.
Carlos Drummond de Andrade, "Contemplação de Ouro Preto", de Passeios na Ilha.
a) Que relação de sentido liga a imagem "pão de nuvens" (v. 4-5) ao verso "tudo, no coração, é ceia" (v. 10)? Justifique.
b) As atitudes dos dois grupos à mesa do Hotel Toffolo, no poema e na crônica, são equivalentes? Explique.
a) A expressão “pão de nuvens” é metafórica e faz referência ao alimento espiritual oferecido pela cidade a seus moradores e visitantes, seja a história e a poesia presente em suas ruas e casarões ou as paixões e a benignidade de espírito cultivadas por seus habitantes. Nesse sentido, essa expressão complementa o sentido do verso “tudo, no coração, é ceia”, pois, mais do que comida e bebida, o que é compartilhado à mesa do Hotel Toffolo é esse alimento imaterial que propicia momentos de união e confraternização que reforçam os vínculos afetivos entre os participantes da ceia.
b) Os dois grupos referidos pelo enunciado são os comensais citados no poema e os habitantes de Ouro Preto, mencionados na crônica “Contemplação de Ouro Preto”. A leitura dos dois textos permite afirmar que as atitudes desses grupos à mesa do Hotel Toffolo são equivalentes, pois, no poema, os participantes compartilham o “pão das nuvens”, qual a seja, a amizade e a benignidade de espírito. O mesmo ocorre na crônica, em que o poeta descreve o modo como os moradores da cidade lidam com controvérsias e discordâncias. Possível conflitos de opinião são debatidos “sem azedume ou nojo pela opinião contrária”, visto que, “a política não vale uma boa cerveja”. Assim, o que é valorizado em ambos os contextos é a convivência, a amizade e a oportunidade de confraternizar.