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Unicamp 2020 - 2ª fase - dia 2


Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Climatologia Escravidão Sociedade colonial

Um dos eixos da bipolaridade escravista que unia a África à América portuguesa girava, justamente, na rota aberta entre as duas margens do mar por correntezas e ventos complementares. Na ida, a rota principal seguia o inverso dos ponteiros do relógio, no sentido dos ventos oeste-leste, entre o Trópico de Capricórnio e 30º5. Na volta, a rota principal seguia no sentido dos alísios de sudeste, abaixo da linha do Equador. Na medida em que se zarpava com facilidade de Pernambuco, da Bahia e do Rio de Janeiro até Luanda ou a Costa da Mina, e vice-versa, a navegação luso-brasileira que se desenvolveu naquelas rotas foi transatlântica e negreira. Vários tipos de trocas uniam as duas margens do oceano.

(Adaptado de Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 61 - 63.)  


Com base no excerto e em seus conhecimentos, responda às questões.
a) Explique a direção dos ventos alísios no Atlântico Sul e a sua funcionalidade no transporte marítimo da África para o Brasil.  
b) Cite e explique um exemplo de relação estabelecida entre o Brasil e a África na época da colonização portuguesa na América.
 
 



Resolução

a) Os ventos alísios são ventos que se deslocam das latitudes próximas aos trópicos dos hemisférios Norte e Sul em direção às latitudes equatoriais. Tal trajeto é realizado devido à existência de sistemas de alta pressão atmosférica  em torno de 30º N e 30º S que repelem e impulsionam esses ventos em direção às áreas de baixa pressão localizadas ao longo da linha do Equador. Esse movimento, regido pela dinâmica da célula de Hadley (conforme imagem a seguir), faz com que  os alísios descarreguem sua umidade nas áreas receptoras devido seu maior aquecimento e retornem em altitudes mais elevadas da atmosfera relativamente secos para as áreas de alta pressão (contra-alísios).

Esquema da Circulação Geral da Atmosfera. Disponível em: https://www.ige.unicamp.br/terraedidatica/v8-1/pdf81/s3.pdf

 

No período das Grandes Navegações, os ventos alísios de sudeste entre África e América do Sul, ou seja, aqueles que sopram do Trópico de Capricórnio sobre o Atlântico Sul, colaboraram no deslocamento das caravelas que traziam produtos e escravos africanos ao Brasil sendo, portanto, elemento natural favorável aos interesses lusos na relação econômica entre suas colônias.

b) A presença portuguesa nos continentes africanos e americanos a partir do século XV ocasionou uma diversa relação entre as duas regiões durante a colonização portuguesa. São exemplos dessa relação:

1) Diáspora africana: escravização de africanos visando a manutenção do tráfico transatlântico. O comércio  de africanos representou um lucrativo negócio para os portugueses, que já se utilizavam de negros escravos na Ilha da Madeira. Os lusos ocuparam áreas da África Ocidental que se tornaram importantes entrepostos do tráfico, como, por exemplo, a Costa da Mina, no golfo da Guiné, e as regiões de Angola, e São Tomé e Princípe, que seriam colônias portuguesas. Com a expansão desse mercado, os europeus intensificaram as disputas entre os vários grupos étnicos africanos, que passaram a fazer mais prisioneiros de guerra com o intuito de serem trocados com os traficantes por fumo, aguardentes, armas de fogo, dentre outros.  Por fim, a lucratividade do tráfico transatlântico para a América justificou também a preferência dos portugueses pelos escravos africanos em detrimento da escravidão indígena. O tráfico de escravos foi uma atividade que persistiu entre meados do século XVI até o ano de 1850, quando a Lei Eusébio de Queirós, decorrente de forte pressão inglesa contrário à prática, tornou-a ilegal. 

2) Influência cultural africana no Brasil. A presença africana ao longo da história do Brasil promoveu significativas influências culturais entre as duas regiões. Podemos citar como exemplos religiões de matriz africana como o Candomblé, manifestações culturais como o Jongo, além de outras influências de origem banto como a capoeira,  instrumentos musicais como o tambor e manifestações folclóricas como as congadas. 

3) Retomada de Luanda pelos portugueses no século XVII. Os holandeses, que tinham conquistado o Nordeste brasileiro em 1630, invadiram e ocuparam Luanda em 1641, motivados pelo interesse em controlar as rotas transatlânticas de escravos.  Essa ação prejudicou especialmente o abastecimento de escravos para a América Portuguesa, de modo que a expedição para a retomada do território partiu do Rio de Janeiro, sendo liderada por Salvador de Sá. A reconquista de Angola resultou na rearticulação do abastecimento de escravos para a Bahia, e principalmente o Rio de Janeiro.

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Economia brasileira contemporânea

Até hoje, a formação das classes médias esteve ligada à expansão da indústria e à elevação de seus níveis de produtividade. Historicamente, a indústria permitiu estruturar a representação política e sindical das categorias mais desfavorecidas da população em torno dos interesses que afetavam as grandes massas de trabalhadores. Já no contexto atual, marcado por um mundo menos industrializado e orientado para uma economia em que os serviços tendem a ser mais fragmentados e frequentemente artesanais ou informais, os interesses comuns dos trabalhadores são evidentemente muito mais difíceis de emergir. Considerando este quadro, a desindustrialização prematura dos países do Hemisfério Sul (com exceção do Leste Asiático) não é muito favorável a uma consolidação democrática.

(Adaptado de Pierre Veltz, La société hyper-industrielle. Le nouveau capitalisme productif. Paris: Éditions du Seuil, 2017, p. 16.)


Com base no texto e em seus conhecimentos, responda às questões.
a) Que decreto-lei garantiu os principais direitos trabalhistas na Era Vargas e por que a menor presença de uma classe trabalhadora na indústria enfraquece os processos democráticos na contemporaneidade?
b) Indique e explique qual foi a principal mudança estrutural ocorrida na economia brasileira nas duas últimas décadas.



Resolução

a) O decreto-lei que garantiu os principais direitos trabalhistas na Era Vargas foi a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada no dia 1º de maio de 1943. A CLT representou a reunião e sistematização da vasta legislação trabalhista existente no país desde a Revolução de 1930. Além de reunir uma legislação dispersa, a CLT introduziu também novos direitos e regulamentações até então inexisitentes. Alguns direitos assegurados pela CLT são o salário equitativo entre homens e mulheres, as férias anuais remuneradas, o repouso semanal remunerado, jornada de trabalho de 8 horas, instituição da carteira de trabalho e participação do governo na administração do sistema previdenciário. 
De acordo com o texto, a menor presença de uma classe trabalhadora na indústria enfraquece os processos democráticos na contemporaneidade pois torna os interesses dos trabalhadores mais difíceis de emergir. Como os serviços tendem a uma maior fragmentação, o mesmo ocorre com os trabalhadores, de modo que a estruturação de categorias políticas em torno de interesses comuns tornam-se mais difíceis e menos comuns. 

b) A partir do enunciado pode-se considerar como a principal mudança estrutural na economia brasileira no início do século XXI o crescimento do setor terciário provocado pelos seguintes fatores:

- expansão e diversificação do setor de serviços no contexto do crescimento do capitalismo financeiro e informacional;

- mão-de-obra pouco qualificada devido aos baixos investimentos em educação no país, o que favorece o crecimento da economia informal;

- a desindustrialização prematura dos países do Hemisfério Sul com a transferência de fábricas do Brasil para o Leste Asiático (destaque para a China), em busca de menores custos de produção;

- a reprimarização da economia brasileira com o aumento das exportações de commmodities (destaque para o minério de ferro e para a soja) em detrimento à perda de relevância da exportação de produtos industrializados na balança comercial do país.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Consequências da mineração Desmatamento

Leia os três excertos e responda às questões.


Texto 1: “Mas cachoeira é barranco de chão, e água se caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso...”

(João Guimaraes Rosa, Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 26.)


Texto 2: “Chego à sacada e vejo a minha serra, / a serra de meu pai e meu avô, / de todos os Andrades que passaram / e passarão, a serra que não passa. / (...) / Esta manhã acordo e / não a encontro. / (...) / foge minha serra, vai / deixando no meu corpo e na paisagem / mísero pó de ferro, e este não passa.”

(Carlos Drummond de Andrade, Boitempo II. Rio de Janeiro: Record, 1994, p. 72.)


Texto 3: “Menor em quilômetros do que o desastre de Mariana, causado pela Samarco, controlada pela mesma Vale, o de Brumadinho é gigante em gravidade: as florestas e rios afetados eram muito mais ricos e importantes para o equilíbrio ambiental, salientam especialistas.”

(Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/dano-ambiental-em-brumadinho-ameaca-centenas-de-especies-23424033. Acessado em 06/11/2019.)
 
 


a) A vida imita a arte. Quando Guimarães Rosa, que se criou nas terras do sertão do Paraopeba, e Drummond escreveram, provavelmente não imaginavam o que ocorreria em Brumadinho e Mariana. Percebe-se uma relação entre um processo de transformação e as expressões “mísero pó de ferro”, em Drummond, e “desfaz o barranco”, em Rosa. Identifique a atividade econômica e descreva o processo de transformação da matéria-prima implícitos nos textos desses autores.  
 
b) Em Brumadinho, a lama afetou espécies endêmicas de “florestas e rios” da Mata Atlântica e do Cerrado mineiros, em área da Reserva da Biosfera da Unesco da Serra do Espinhaço. Considerando a possível extinção das espécies endêmicas afetadas, identifique e explique uma consequência biológica para o equilíbrio ambiental desses ecossistemas.  



Resolução

a) A atividade econômica presente nos textos é a mineração. A produção de ferro exige enormes quantidades de rochas de onde se extrai óxidos de ferro como a hematita. A produção gera uma grande quantidade de rejeitos e enormes impactos ambientais, daí as expressões "desfaz o barranco" em João Guimarães Rosa e "mísero pó de ferro" em Carlos Drummond de Andrade.

b) Uma espécie endêmica é uma espécie encontrada exclusivamente em uma determinada região geográfica, no caso do texto, na Mata Atlântica e cerrado mineiros. A espécie endêmica sobrevive e existe apenas em condições específicas da região geográfica e bioma no qual é encontrada, e, portanto, depende de condições ambientais restritas e relações ecológicas distintas para sobreviver. O oposto de uma espécie endêmica é uma espécie cosmopolita que possui enorme amplitude de distribuição geográfica, sendo capaz de adaptar, tolerar e sobreviver em diversas condições ambientais. A extinção de espécies endêmicas prevê efeitos devastadores nas relações tróficas do bioma. Toda extinção provoca a redução na variabilidade genética, afinal, organismos serão eliminados e variantes gênicas que seriam perpetuadas ao longo das gerações são perdidas junto com os seres vivos que foram mortos. Outro aspecto relevante é que, ao ser eliminada de um ambiente, a espécie provocará um enorme impacto nas cadeias alimentares da qual fazia parte. Em situações de teias alimentares simples, a extinção de uma espécie poderia provocar morte dos níveis tróficos seguintes por falta de alimento ou poderia provocar competição por um outro tipo de alimento, que, possivelmente, se tornaria escasso, futuramente. Além de relações alimentares, as espécies endêmicas podem estabelecer relações ecológicas harmônicas e desarmônicas com outras espécies, de forma a auxiliar o controle populacional das mesmas. Assim, a eliminação das espécies endêmicas poderia afetar a densidade populacional de outras espécies locais dependente de relações ecológicas com as espécies que foram extintas.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Digestão (Fisiologia comparada) Diabetes mellitus Glicídios


 


Um dos pratos mais apreciados pelos brasileiros é o tradicional arroz com feijão, uma combinação balanceada de diversos nutrientes importantes para a saúde humana.
a) A combinação de arroz e feijão fornece todos os aminoácidos essenciais ao organismo. A tabela abaixo apresenta variações na quantidade de alguns aminoácidos essenciais por categorias de alimentos.


 

Considere uma época de escassez em que é necessário substituir o feijão do combinado “arroz e feijão” por outro alimento. Tendo como base as informações fornecidas, que alimento da tabela poderia ser escolhido? Justifique sua resposta.
b) Considere a seguinte afirmação: “O arroz, embora seja um alimento saudável, deve ser consumido por uma pessoa com diabetes tipo 2 sob orientação profissional para controle de glicemia.” Explique a afirmação, levando em consideração as transformações que o arroz sofre na digestão e as características do diabetes tipo 2.
 



Resolução

a) Na escassez de feijão, a sua substituição por soja seria a mais indicada. A soja é o tipo de alimento que tem perfil de aminoácidos que mais se assemelha ao feijão, com a vantagem de apresentar a quantidade de aminoácido triptofano em quantidades ideais. O milho não seria indicado por apresentar quantidades baixas de lisina e treonina. A verduras também não seriam indicadas como bons substitutos, embora tenham quantidades ideais da maioria dos aminoácidos, não possuem quantidades altas de lisina e treonina, necessárias para compensar a baixa quantidade desses aminoácidos no arroz. Por fim, a gelatina também não poderia ser escolhida, por ter quantidades baixas de lisina e por não ter quantidades altas de treonina. 

A substituição do feijão por soja é a mais indicada não só pelo perfil de aminoácidos, que não é o único parâmetro alimentar existente, mas também pela presença de outros componentes alimentares como carboidratos e vitaminas por exemplo, que devem ser mais semelhantes entre feijão e soja por serem provenientes de plantas evolutivamente mais aparentadas, sendo as duas consideradas leguminosas.  

b) A diabetes melito é uma doença multi-sintomática caracterizada pela elevada quantidade de glicose sanguínea. Na diabetes tipo 1, ou diabetes juvenil, o pâncreas do indivíduo não produz ou produz quantidades insuficientes do hormônio insulina, resultando no acúmulo de glicose sanguínea que produzirá os diversos sintomas inerentes à doença. 

No diabetes tipo 2, ou diabetes tardia, que aparece por volta dos 40 anos, o indivíduo continua produzindo insulina, porém, a mesma já não apresenta o mesmo efeito observado quando o indivíduo era mais jovem. Tal insensibilidade à insulina, conhecida como resistência à insulina, também provoca quantidades elevadas de glicose sanguínea. 

Um indivíduo com diabetes tipo 2 deve ter uma alimentação balanceada e controlada, evitando consumir alguns tipos de alimentos em grandes quantidades e dar preferência a outros mais indicados. Dois alimentos podem ter a mesma quantidade de carboidratos, mas impactar de forma diferente a curva glicêmica de um indivíduo. A forma como um alimento pode elevar a glicemia de uma pessoa é conhecido como índice glicêmico (IG). De uma forma sucinta, alimentos de alto índice glicêmico podem elevar intensamente a glicemia e de uma forma rápida, enquanto que alimentos de baixo índice glicêmico elevam a glicemia mais vagarosamente e por um tempo mais longo. 

O arroz mais comumente consumido pelos brasileiros é o arroz branco, alimento rico em amido, que quando é ingerido, terá sua digestão iniciada na boca, com a ação da amilase salivar, que catalisa a hidrólise do amido, produzindo a maltose. O amido continuará sendo digerido quando chegar no intestino delgado, local onde sofrerá a ação catalítica da amilase pancreática. A maltose gerada será então hidrolisada, com a ação da maltase, liberando a glicose na luz do sistema digestório. A glicose será absorvida nas vilosidades intestinais do intestino delgado, sendo rapidamente transportada para o sangue e elevando a glicemia do indivíduo. Considerando que o processo acima acontece com grande facilidade e rapidez, o arroz branco tem um forte impacto na glicemia, sendo classificado como alimento de alto IG. Por esse motivo a recomendação de que o mesmo deva ser consumido por uma pessoa com diabetes tipo 2 sob orientação profissional, para controle de glicemia, é justificada. A fim de se evitar um quadro grave de hiperglicemia o diabético tipo 2 deve evitar consumo elevado de alimentos de alto IG.