Texto 1
“Afinal, depois de ver todas as coisas daquele museu, acabei me perguntando se os brancos já não teriam começado a adquirir também tantas de nossas coisas só porque nós, Yanomami, já estamos começando também a desaparecer. Por que ficam nos pedindo nossos cestos, nossos arcos e nossos adornos de penas, enquanto garimpeiros e fazendeiros invadem nossa terra?”
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. Queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p.429.
Texto 2
“Em seu trabalho, Glicéria debruça-se sobre a artesania do manto tupinambá, símbolo das tradições ancestrais de seu povo. A artista chama de cosmo-técnica a feitura do manto, e hoje busca compreender qual era sua função cultural e social em sua comunidade. Recentemente, a artista esteve na Europa e encontrou mantos datados do século XVII, que foram levados do Brasil ao longo da colonização, na Dinamarca. Segundo Glicéria, ‘hoje, as pessoas entendem o manto como arte, arte contemporânea, mas eu vejo muito além. É um ancestral nosso’.”
Instituto Pipa. Ocupação dos artistas premiados do Pipa 2023: Glicéria Tupinambá. Disponível em: https://www.premiopipa.com/2023/10/ (Adaptado).
Glicéria Tupinambá, Assojaba Tupinambá, 2021. Disponível em: https://dasartes.com.br/de-arte-a-z/.
A reflexão de Davi Kopenawa sobre a apropriação de objetos indígenas por museus e a pesquisa de Glicéria Tupinambá sobre o manto tupinambá em contextos europeus permitem explorar diversas dimensões da arte indígena.
Com base nos textos e na imagem, assinale a alternativa que relaciona corretamente as reflexões apresentadas à importância da arte e dos artefatos culturais na discussão sobre questões indígenas no Brasil.
a) |
A arte indígena, ao ser exposta em museus europeus, perde seu significado original e se transforma apenas em objeto de decoração, desvinculando-se completamente de suas raízes culturais e simbólicas, de acordo com David Kopenawa. |
b) |
Glicéria Tupinambá, ao retomar elementos tradicionais em suas obras, busca uma representação autêntica que resiste à domesticação cultural imposta pelos colonizadores, valorizando o aspecto utilitário desses objetos. |
c) |
O trabalho de Glicéria Tupinambá, ao redescobrir os mantos tupinambá na Europa, revela como a arte indígena pode servir como uma ponte para o entendimento e a valorização das culturas indígenas por sociedades que historicamente as marginalizaram. |
d) |
Para David Kopenawa, a guarda de artefatos indígenas em museus da Europa é uma forma eficaz de preservação e valorização da cultura indígena, pois demonstra reconhecimento da sua importância e esforço, por parte da sociedade, para proteger os direitos territoriais desses povos. |
e) |
A arte, como mostrado por Glicéria Tupinambá, atua como um meio de resistência cultural, em que elementos tradicionais são recontextualizados para contestar narrativas coloniais e reafirmar identidades indígenas em face de processos de desapropriação e desaparecimento. |
a) Incorreta. Embora a fala de David Kopenawa possa incluir alguma reflexão sobre os significados da arte indígena, o foco de suas afirmações está na apropriação das terras indígenas por garimpeiros e invasores e o interesse pelos artefatos produzidos pelos povos originários seria quase como um prenúncio de sua extinção.
b) Incorreta. Glicéria Tupinambá não está valorizando aspectos utilitários quando estuda o manto tupinambá, recentemente chegado ao Brasil vindo de um museu da Dinamarca e que agora comporá o acervo do Museu Nacional. Na verdade, ela deixa claro que os significados desse artefato vão muito além de um mero objeto, pois ela o considera como um ancestral de seu povo.
c) Incorreta. Embora seja possível considerar que o estudo do manto tupinambá, tanto por pesquisadores europeus, quanto por brasileiros, uma oportunidade de redescobrir a cultura dos povos originários, justamente por parte de descendentes dos que os oprimiram, o foco de Glicéria Tupinambá é de que os próprios tupinambás podem se redescobrir, uma vez que para ela o manto é um verdadeiro ancestral.
d) Incorreta. David Kopenawa não afirma que a guarda de artefatos oriundos de povos originários seja algo positivo ou que demonstre a valorização da cultura indígena. Na verdade, está preocupado com a apropriação das terras indígenas por garimpeiros e invasores.
e) Correta. Segundo Glicéria Tupinambá, a arte indígena é uma forma de resistência e busca pela ressignificação e contestação das narrativas coloniais hegemônicas, feitas justamente no ambiente atual, onde as culturas indígenas correm risco de desaparecimento e necessitam enfrentar essa situação.
Analise, na figura a seguir, os dados referentes a áreas de garimpo ilegal localizadas em terras indígenas na Amazônia brasileira e sua distância em relação a corpos d’água.
MapBiomas. 2024. Proximidade de Garimpos, Rios e Lagos na Amazônia (Adaptado).
A partir dos dados apresentados e da realidade socioambiental da Amazônia, é correto afirmar:
a) |
Os territórios indígenas encontram-se nas áreas mais desmatadas da Amazônia; como o garimpo ilegal produz forte impacto ambiental pelo intenso uso da água em seus processos, tal atividade colabora com a desertificação do bioma. |
b) |
O garimpo ilegal representa alto risco a populações humanas e animais em geral, pela contaminação das águas e dos alimentos por substâncias usadas na garimpagem e porque tal atividade ocorre em áreas ainda muito preservadas, aumentando o impacto ambiental. |
c) |
O garimpo ilegal na Amazônia não produz tanto impacto para os corpos d’água, uma vez que as atividades encontram-se distantes do rio Amazonas e de seus afluentes, os maiores rios da região; seu maior impacto ocorre devido ao desmatamento de extensas áreas de floresta nativa. |
d) |
A proximidade dos corpos d’água deve-se a questões estratégicas, e não ao garimpo ilegal propriamente, pois este é de baixo impacto; porém, traz conflitos territoriais com as comunidades indígenas, e os rios constituem rotas de fuga rápidas e eficientes para os garimpeiros. |
e) |
A relação entre garimpos e corpos d’água ocorre de forma indireta, pois o garimpo amazônico não depende da água em seus processos; os garimpeiros buscam esses territórios porque as populações indígenas sabem onde existe ouro e se desenvolvem próximas a rios e lagos. |
O garimpo amazônico é altamente dependente de corpos hídricos, principalmente porque o ouro é comumente extraído de sedimentos encontrados em rios ou áreas próximas. A água é usada diretamente nos processos de lavagem, separação de minerais e transporte dos sedimentos.
Posto isso, pode-se afirmar que:
a) Incorreta. O processo de desertificação citado não ocorre em consequência do garimpo. Apesar de o garimpo trazer outros impactos ambientais relevantes, como a contaminação de corpos hídricos, a desertificação (diminuição da umidade em um dado ambiente) é um processo com raízes distintas das apresentadas na afirmação e tende a ocorrer em regiões semiáridas, o que não o caso a Amazônia.
b) Correta. O garimpo ilegal em áreas preservadas expõe aqueles ecossistemas à contaminação por substâncias tóxicas. Um exemplo clássico desse cenário é a contaminação por mercúrio, substância usada de forma desregulada no garimpo ilegal para fazer a separação de ouro dos demais sedimentos.
c) Incorreta. O grimpo ilegal está, ao contrário do que afirma a alternativa, ligado ao desmatamento da floresta e também ao processo de contaminação de águas locais que estão interligadas de forma sistêmica nas bacias hidrográficas, cujas águas são coletadas pelo rio principal daquela bacia.
d) Incorreta. O garimpo não é de baixo impacto. Esta atividade é responsável por inserir no ecossistema substâncias como o mercúrio, que levarão ao processo de contaminação das águas superfíciais e subterrâneas e, potencialmente, dos peixes.
e) Incorreta. A relação entre o garimpo e corpos hídricos não é apenas indireta, como a frase sugere, mas extremamente direta e frequentemente prejudicial. O garimpo contamina rios com mercúrio, destrói leitos fluviais e compromete ecossistemas aquáticos, afetando também as comunidades que dependem desses recursos. Além disso, a presença de indígenas próximos aos rios onde há ouro são uma coincidência geográfica. A relaçao indígena com os rios não é a de busca pelo metal precioso.
Jean Galvão. Disponível em https://cartum.folha.uol.com.br/.
Considerando a charge, é correto afirmar:
a) |
Há uma incoerência entre a imagem do segundo quadro e o enunciado verbal do primeiro quadro, uma vez que a posposição do adjunto adverbial “na água” anula qualquer ambiguidade. |
b) |
Ao antecipar o objeto direto “o mercúrio” para o começo da oração, o chargista chama a atenção para esse elemento, estimulando o leitor a buscá-lo visualmente no segundo quadro. |
c) |
Por meio da escolha do verbo “descartar”, mostra-se, de forma crítica, a necessidade da criação de um local correto para o depósito dos rejeitos provenientes do garimpo ilegal. |
d) |
O uso da forma pronominal informal “a gente”, em detrimento do pronome “nós”, empregado em situações mais formais e sérias, atenua o teor crítico, o que colabora para gerar efeito humorístico. |
e) |
O significado negativo do prefixo que aparece na palavra “ilegal” reforça a precariedade do atendimento à saúde nas comunidades indígenas. |
a) Incorreta. Não ocorre incoerência entre a imagem e o enunciado verbal, mas uma relação direta. O adjunto adverbial "na água" mantém, na verdade, uma ambiguidade, a qual é construída justamente em função de o texto não verbal apresentar água nos dois quadros e o texto verbal do primeiro quadro construir uma expectativa de que a água (na qual eles descartariam o mercúrio) seria a água do rio. No último quadro, a imagem do garimpeiro de boné descartando os símbolos de caveiras (mercúrio), na água de uma panela, quebra tal expectativa e constrói a crítica.
b) Correta. A frase está apresentada em ordem inversa, dado que a ordem direta seria "A gente descarta o mercúrio na água" (sujeito - verbo - objeto direto - adjunto adverbial). Ao se inverter a ordem dos termos, o elemento que é apresentado na primeira posição é alçado ao papel de destaque. No contexto da charge, isso é reforçado, pois, no primeiro quadro, é mencionado o descarte do mercúrio, o que não é apresentado. Logo, no segundo quadro, o leitor é estimulado a essa busca e, ao rever o mesmo garimpeiro de boné com a bacia/peneira em mãos fazendo tal descarte, momento em que se percebe a crítica do chargista ao se poder ver o descarte na água de preparo de alimentos dos indígenas.
c) Incorreta. Na tira, a crítica é voltada ao descarte que já é feito de forma ilegal (dado o título) e que prejudica a alimentação dos indígenas. Assim, o propósito do chargista não se volta à discussão da forma de descarte que pudesse ser legal em nenhum dos quadros.
d) Incorreta. O uso de forma pronominal informal "a gente" apenas contribui para assegurar a informalidade e o tom coloquial por se tratar de uma fala, porém ela não atenua o teor crítico e nem é responsável pelo efeito de quebra de expectativa gerador da crítica.
e) Incorreta. Na tira não há quaisquer menções às condições de atendimento à saúde das comunidades indígenas. Além disso, o prefixo de negação i- não se relaciona a esse contexto, mas apenas à prática fora da legalidade de garimpos.
“E assim como o branco e os mamelucos se aproveitaram não raro das veredas dos índios, há motivo para pensar que estes, por sua vez, foram, em muitos casos, simples sucessores dos animais selvagens, do tapir especialmente, cujos carreiros ao longo dos rios e riachos, ou em direção a nascentes de águas, se adaptavam perfeitamente às necessidades e hábitos daquelas populações.”
HOLANDA, Sergio Buarque de. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975. p.35.
De acordo com o excerto, a ocupação territorial da América portuguesa pelos colonizadores foi inicialmente marcada
a) |
pela construção de caminhos que os afastassem dos cursos dos rios. |
b) |
pela desconsideração das rotas de deslocamento abertas pelos animais. |
c) |
pela utilização de picadas abertas pelas comunidades indígenas. |
d) |
pelo emprego de tropas de muares, responsáveis por abrir trilhas nas matas. |
e) |
pela exploração do transporte fluvial e marítimo por meio de pirogas. |
a) Incorreta. O historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) deixa claro no excerto que os caminhos dos colonizadores seguiam o curso dos rios, riachos e nascentes das águas, não se afastando dessas vias fluviais como afirma a alternativa.
b) Incorreta. Segundo Sérgio Buarque de Holanda, os caminhos utilizados pelos homens brancos e mamelucos - mestiços de brancos e indígenas - eram os mesmos já desbravados pelos nativos. Porém, as veredas que os indígenas seguiam foram provavelmente as mesmas que os animais selvagens seguiam.
c) Correta. Segundo o historiador Sérgio Buarque de Holanda, os caminhos utilizados pelos colonizadores eram os mesmos que já tinham sido abertos pelos indígenas anteriormente, que por sua vez podem ter seguido os caminhos feitos pelos animais.
d) Incorreta. Na verdade, as tropas de muares, que foram importantes no abastecimento do mercado interno da região mineradora do século XVIII, utilizaram os caminhos já abertos anteriormente pelos primeiros colonizadores.
e) Incorreta. Embora o transporte fluvial utilizando canoas (pirogas) tenha sido importante para a interiorização da colonização, nas expedições que foram chamadas de monções, não é possível afirmar que o transporte marítimo tenha exercido a mesma função, uma vez que era feito por meio de barcos e visava de forma mais destacada a exportação ou importação de pessoas e mercadorias.
Os quadrinhos a seguir são parte da obra Dois irmãos, de Fábio Moon e Gabriel Bá (2015), uma adaptação do romance Dois irmãos, de Milton Hatoum, para o universo das novelas gráficas (graphic novels).
Considerando as características visuais dos quadrinhos e os traços narrativos do romance Dois irmãos, de Milton Hatoum, é correto afirmar:
a) |
O uso dos contrastes claro x escuro na novela gráfica confere ênfase visual ao conflito entre diferentes formas de privilégio e marginalização presentes no romance de Hatoum, explicitadas pelo ponto de vista do narrador. |
b) |
Ao trabalhar com os contrastes claro x escuro em suas imagens, a novela gráfica enfatiza a diferença étnica e social que fundamenta a rivalidade fraterna entre Yaqub e Omar, um dos eixos estruturais do romance. |
c) |
Ao utilizar procedimentos como a aproximação (zoom-in) e a fragmentação das imagens, a novela gráfica recria o fluxo de consciência e a atmosfera onírica da narrativa de Hatoum. |
d) |
A novela gráfica demonstra, por meio de imagens, que o romance Dois irmãos reinventa a tradição da literatura regionalista do Brasil, retratando a opulência da cidade de Manaus ao longo do século XX |
e) |
Por meio de recursos estéticos como a fragmentação das imagens, a novela gráfica recupera o ponto de vista fraturado do romance de Hatoum, composto por vários narradores ao longo da história. |
a) Correta. A exploração do contraste entre claro e escuro na adaptação em quadrinhos reforça aspectos fundamentais da obra “Dois irmãos”. Esse recurso visual pode ser associado ao conflito entre os gêmeos, representando a clara predileção de sua mãe por Omar, que é visto como mais frágil e, por isso, recebe um tratamento materno privilegiado. A oposição “claro X escuro” também enfatiza a marginalização de Domingas, mãe do narrador, uma indígena que é retirada de seu povo e torna-se agregada na família libanesa, sendo tratada como empregada e sofrendo com a segregação. Finalmente, o contraste enfatiza a situação do próprio narrador, Nael, que, apesar de ser filho de um dos gêmeos, é tratado como um simples empregado e vive à margem da família com a qual mantém laços sanguíneos.
b) Incorreta. Yaqub e Omar são irmãos gêmeos, filhos de imigrantes libaneses. A rivalidade entre eles não está fundamentada, portanto, em diferenças étnicas e sociais, mas tem origem no tratamento que cada um recebe de sua mãe. Omar é tratado como frágil, e acaba ganhando um tratamento privilegiado, o que acarreta uma disputa entre os irmãos pelo amor materno. Esse conflito é reforçado por diferenças na personalidade de Yaqub e Omar e estende-se, ao longo do romance, a outras figuras femininas.
c) Incorreta. Embora a obra de Hatoum não siga uma linearidade cronológica, sendo construída a partir de idas e vindas no tempo, o narrador expõe os fatos e suas vivências pessoais sem recorrer ao fluxo de consciência. Além disso, a narrativa não se constrói em uma atmosfera onírica, mas a partir daquilo que o narrador-personagem investiga e presencia.
d) Incorreta. A narrativa abarca diversos períodos vividos pela cidade de Manaus ao longo do século XX, passando pelo crescimento econômico no auge do ciclo da borracha, sua consequente decadência após o declínio dessa economia, até a instalação da Zona Franca, no final da década de 50, levando a um novo momento de desenvolvimento na economia da cidade. Entretanto, a modernização de Manaus descaracteriza a cidade e leva à destruição de áreas como a “Cidade Flutuante”. Assim, não se pode afirmar que a obra “Dois Irmãos” retrate a opulência de Manaus. Além disso, o próprio autor rejeita o rótulo de literatura regionalista, pois, segundo ele, seus romances lidam com famílias em experiência urbana e com a decadência das cidades.
e) Incorreta. O romance é integralmente narrado por Nael, que, ao longo da obra, narra os fatos em busca de sua própria identidade, tentando descobrir qual dos gêmeos seria seu pai. Desse modo, o ponto de vista da narrativa não é fraturado, e os fatos relatados passam pelas vivências e observações do narrador-personagem.
Leia o texto e analise a charge a seguir.
“Se, compreendendo um outro ser humano, penetro profundamente no horizonte do que lhe é próprio, então logo me depararei com o fato de que, assim como o seu corpo se encontra no meu campo de percepção, também o meu corpo se encontra no dele, e que, em geral, ele me experiencia sem mais como um outro para ele, tal como eu o experiencio como outro para mim.”
HUSSERL, E. Meditações cartesianas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
Bira Dantas. Disponível em https://facebook.com/.
O filósofo Edmund Husserl propõe uma reflexão sobre como cada pessoa estabelece relações com as outras. Ocorre uma equiparação dos pontos de vista, de modo que cada uma aparecerá às demais não como uma consciência incomparável, mas justamente como uma outra pessoa. Essa ideia ajuda a entender a perspectiva crítica contida na charge: certas condições ou características que percebemos como depreciativas em outras pessoas também podem ser percebidas da mesma maneira pelos outros em nós.
Qual situação reproduz essa estrutura de equiparação exibida na charge?
a) |
Torcedores de diversos times de futebol se reúnem desanimados para assistir a um jogo da seleção. |
b) |
Religiosos conservadores sugerem banir livros eróticos doados por desconhecidos para a sua comunidade. |
c) |
Com medo da violência, um homem passa a andar armado na rua e assusta os transeuntes. |
d) |
Um homem acusa uma mulher de racismo e algumas testemunhas confirmam a versão dele para a polícia. |
e) |
Um trabalhador denuncia ao chefe um colega por assédio moral, mas esse último não é punido. |
Na reflexão de Husserl, a ideia de "equiparação de pontos de vista" sugere que, ao compreender o outro, percebemos que não somos completamente distintos dele: os outros também nos percebem como "outros". Ou seja, estamos todos inseridos em uma rede de percepções mútuas, e nossos comportamentos e atitudes podem ser avaliados de maneiras semelhantes por aqueles que nos observam.
a) Incorreta. A situação de torcedores desanimados diante de uma partida de futebol não envolve uma relação recíproca de percepção entre as pessoas, pois não há interação entre as perspectivas dos indivíduos, apenas uma constatação de desânimo coletivo.
b) Incorreta. A alternativa descreve uma tentativa de um grupo (religiosos conservadores) de impor suas perspectivas morais sobre outro grupo (a comunidade). Essa situação não reflete a equiparação proposta por Husserl, pois não há uma troca de percepções ou uma compreensão mútua entre as partes envolvidas.
c) Correta. A alternativa exemplifica bem a reflexão de Husserl. Quando um homem, temendo a violência, decide andar armado, ele gera uma resposta de medo nos outros, o que ilustra a ideia de que estamos todos imersos em uma rede de percepções mútuas, e nossos comportamentos podem ser avaliados de maneira similar por aqueles ao nosso redor.
d) Incorreta. Embora a alternativa envolva uma interação entre diferentes perspectivas (a versão do homem e a versão da mulher), ela não ilustra com clareza o conceito de equiparação de pontos de vista de Husserl, pois há assimetria nas percepções: a versão do homem é validada enquanto a da mulher não é ou é minimizada, o que impede a verdadeira troca de perspectivas.
e) Incorreta. A situação de uma denúncia de assédio moral que não resulta em punição não exemplifica a equiparação de pontos de vista. Em vez disso, ela descreve um desequilíbrio de poder, típico em situações de abuso, onde a experiência da vítima não é legitimada e a dinâmica entre as partes permanece desigual.
Disponível em https://screenrant.com/funniest-peanuts-comics-charliebrown-vs-lucy/.
Falácias são argumentos que podem até parecer à primeira vista bem construídos logicamente, mas são falhos, seja em termos do uso da linguagem, de pertinência temática ou de correção formal. Os primeiros estudos sistemáticos das falácias foram feitos pelo filósofo Aristóteles, que classificou alguns dos argumentos falaciosos mais comuns.
No terceiro quadrinho da história, uma personagem se serve de um argumento falacioso bastante conhecido a fim de persuadir o outro. Esse argumento pode ser classificado como um caso de qual tipo de falácia?
a) |
Ataque à pessoa. |
b) |
Apelo à piedade. |
c) |
Apelo à força. |
d) |
Ambiguidade. |
e) |
Apelo à ignorância. |
Tradução dos quadrinhos
1º quadrinho: Lucy: Psychiatric help. The doctor is in. (Ajuda psiquiátrica. O médico está atendendo.) Charlie Brown: Well, I appreciate the help you´ve given me. (Bem, eu agradeço a ajuda que vocês me deram.)
2º quadrinho: Charlie Brown: I was wondering though, if i should get a second opinion.. (Eu estava me perguntando, porém, se eu deveria obter uma segunda opinião.)
3º quadrinho: Lucy: Only if you don´t mind my beating you over the head with that stool you´re sitting on! (Só se você não se importar que eu bata na sua cabeça com esse banquinho em que você está sentado!)
4º quadrinho: Charlie Brown: I guess first opinions are pretty good.. (Acho que as primeiras opiniões são muito boas..)
a) Incorreta. Essa falácia ocorre quando, ao invés de discutir a argumentação, ataca-se o caráter ou as características pessoais do interlocutor. Ao responder Charlie Brown sobre seu desejo de procurar uma segunda opinião de um médico psiquatra, Lucy não ataca nenhuma característica pessoal do personagem.
b) Incorreta. Nesse caso, apela-se para os sentimentos de compaixão ou pena, tentando convencer alguém a aceitar uma conclusão baseada na emoção, não na lógica. Não há, na tirinha, qualquer apelo à piedade, o que anula a afirmativa.
c) Correta. Este tipo de falácia envolve ameaças ou intimidação para fazer com que alguém aceite um argumento. É exatamente o que ocorre no terceiro quadrinho, quando Charlie Brown questiona se deveria buscar por uma segunda opinião médica. Em seguida, obtém como resposta: “Só se você não se incomodar de eu bater na sua cabeça com esse banquinho em que você está sentado”. A ameaça feita por Lucy caracteriza um apelo à força, que ocorre quando, ao invés de apresentar uma justificativa lógica ou racional para uma afirmação, o argumento se baseia em uma ameaça de força ou intimidação.
d) Incorreta. A falácia por ambiguidade acontece quando uma palavra ou expressão é usada de forma vaga ou com múltiplos significados, o que pode levar a conclusões errôneas. Não há, no diálogo entre os personagens, quaisquer termos ou expressões ambíguas.
e) Incorreta. No apelo à ignorância, afirma-se que algo é verdadeiro simplesmente porque não foi provado o contrário. Ou seja, diz-se simplesmente: “Não há evidências conclusivas sobre a questão. Por isso, você deve aceitar a minha conclusão a respeito dela”. Não há elementos verbais e não verbais que demonstrem um apelo à ignorância por parte de Lucy.
“Eu não venero a criação mais do que o Criador, mas venero a criatura criada como eu sou, adotando a criação de maneira livre e espontânea, de modo que Ele possa elevar nossa natureza e nos tornar partícipes de Sua natureza divina. Sendo assim, eu me atrevo a fazer uma imagem do Deus invisível não como invisível, mas como tendo se tornado visível por nossa causa, tornando-se carne e sangue. Eu não faço uma imagem da divindade imortal. Eu pinto a carne visível de Deus, pois é impossível representar o espírito e ainda mais Deus, que dá vida ao espírito.”
John Damascene. On holy images. Disponível em https://www.gutenberg.org/files/49917/ (Adaptado).
Nessa citação, João Damasceno (675-749), monge e teólogo cristão do período medieval, dirige-se contra o movimento iconoclasta ao
a) |
colocar a criatura no mesmo nível do Criador. |
b) |
reduzir a divindade a seus elementos materiais. |
c) |
identificar a imagem visível com a natureza divina. |
d) |
negar o dogma da divindade de Jesus Cristo. |
e) |
justificar a veneração de imagens sagradas. |
A iconografia de passagens e personagens da narrativa bíblica é um aspecto importante para se compreender a disseminação e a consolidação do Cristianismo. Sabe-se que afrescos e vitrais, por exemplo, com imagens retratadas na Bíblia, eram encomendados pela Igreja a fim de educar o fiel pela imagem, uma vez que as condições materiais e ideológicas da época não possibilitavam a livre manipulação do texto sagrado. Dessa maneira, a questão se dirige a uma opinião de defesa das imagens de santos, criticando, dessa forma, as posições iconoclastas.
a) Incorreta. Para a tradição cristã, a natureza e seus partícipes compreendem um nível ontológico inferior ao divino, ou seja, à ideia de Deus e à Trindade. O texto também, em dois momentos, salienta a situação inferior da natureza humana, a saber, "Eu não venero a criação mais que o criador" e "adotando a criação de maneira livre e espontânea, de modo que Ele possa elevar nossa natureza."
b) Incorreta. O texto e o dogma cristão afirmam a superioridade da natureza divina em relação à humana/material.
c) Incorreta. Esta alternativa pode soar coerente, uma vez que a justificativa da iconografia é a expressão da dimensão carnal de Deus, ou seja, a figura de Cristo. No entanto, a imagem visível não é visível por si, mas em favor dos homens.
d) Incorreta. O texto afirma a superioridade divina de Cristo ao expressar que sua dimensão carnal é a parte visível de Deus feita em favor da humanidade.
e) Correta. O texto justifica a veneração de imagens sagradas sob o argumento de que não se trata de uma representação de Deus, uma vez que é impossível retratar de modo gráfico aquilo que existe em espírito, mas permite a possibilidade da representação do modo carnal de Deus, isto é, Cristo e os santos.
“A mídia digital é uma mídia da presença. A sua temporalidade é o presente imediato. A comunicação digital se caracteriza pelo fato de que informações são produzidas, enviadas e recebidas sem mediação por meio de intermediários. Mediação e representação são interpretadas como não transparência e ineficiência, como congestionamento de tempo e de informação.
Uma mídia eletrônica de massa clássica como o rádio só permite uma comunicação unilateral. O destinatário da mensagem é condenado à passividade.
Hoje não somos mais destinatários e consumidores passivos de informação, mas sim remetentes e produtores ativos. Não nos contentamos mais em consumir informações passivamente, mas sim queremos produzi-las e comunicá-las ativamente nós mesmos. Somos simultaneamente consumidores e produtores.”
HAN, Byung-Chul. No enxame: Perspectivas do digital. São Paulo: Editora Vozes, 2018. p.35-36 (Adaptado).
Segundo o texto, a mídia digital distingue-se da mídia de massa tradicional por
a) |
reforçar a separação entre consumidor e produtor, resultante da ampliação da comunicação unilateral na internet. |
b) |
apostar na passividade do público, que precisa de um mediador para poder comunicar informações ativamente. |
c) |
gerar excesso de informação, que consolida estrutura capaz de condenar todos os consumidores à passividade. |
d) |
provocar presentificação, decorrente da dissolução dos intermediários e da combinação dos papéis de consumidor e produtor. |
e) |
dissolver a distinção entre produtor e consumidor, causadora de congestionamento de tempo e de informação. |
a) Incorreta. De acordo com Han, a mídia digital reforça uma maior união entre consumidores e produtores, não uma separação.
b) Incorreta. Byung-Chul Han aponta que uma das características fundamentais das mídias digitais é justamente não ter mediadores, o que faz com que o público não esteja em uma posição passiva.
c) Incorreta. Não há menção a um suposto excesso de informações. Ademais, a mídia digital não condena os consumidores à passividade. Pelo contrário, na visão autor, “hoje não somos mais destinatários e consumidores passivos de informação, mas sim remetentes e produtores ativos”.
d) Correta. Logo no início do texto, Byung-Chul Han traz a afirmação de que “A mídia digital é uma mídia da presença”. O autor fundamenta tal assertiva apontando que isso ocorre devido à ausência de intermediários, o que faz com que hoje não sejamos “mais destinatários e consumidores passivos de informação, mas sim remetentes e produtores ativos”.
e) Incorreta. De fato, a mídia digital distingue-se da mídia de massa tradicional por dissolver a distinção entre produtor e consumidor. No entanto, a razão pela qual tal fenômeno ocorre não é devido a um congestionamento de tempo e de informação, mas devido ao fato de que “não nos contentamos mais em consumir informações passivamente, mas sim queremos produzi-las e comunicá-las ativamente nós mesmos”.
“O que torna possível o surgimento de uma ‘cultura do cancelamento’ é um cenário em que os detentores de poder econômico e/ou político vislumbram a utilização de valores morais como valores de mercado, seja no campo da publicidade, seja no campo da responsabilidade social da empresa.
O conjunto de valores defendidos pelos movimentos sociais que lutam por reconhecimento e respeito à diversidade tornam-se atributos exigidos por diversas empresas como elemento fundamental nas suas escolhas de investimento.
Sendo assim, a sanção específica realizada pelos agentes do ‘cancelamento’ procura atingir não a liberdade do sujeito que supostamente ofende valores morais relevantes, que seria o instrumento coercitivo tradicionalmente previsto no direito penal, ou mesmo buscar reparações indenizatórias, instrumento de resposta a atos ilícitos no direito civil, mas sim impedir, restringir ou infligir danos na trajetória econômica e/ou profissional do sujeito ‘cancelado’.
Nesse contexto, a ‘cultura do cancelamento’ representa um mecanismo de eliminação do mercado, em casos considerados graves, ou, em outros casos, de mera diminuição relativa do capital, de sujeitos ineficientes em fator competitivo específico, como inadequação de valores morais ostentados, por atos e/ou palavras, em determinados ambientes sociais.”
MARTINS, Tamires de Assis Lima; CORDEIRO, Ana Paula. A cultura do cancelamento: contribuições de um olhar sociológico. Extraprensa, v.15, n. esp., p.39, mai.2022 (Adaptado).
Segundo o texto, a cultura do “cancelamento”
a) |
busca punir transgressões a valores morais caros aos canceladores com danos à vida econômica do cancelado. |
b) |
aplica os instrumentos coercitivos do direito penal ao contexto da internet para impedir o crescimento profissional do cancelado. |
c) |
é uma resposta natural à emergência de movimentos sociais que lutam por respeito à diversidade e por mais poder econômico. |
d) |
elimina profissionais do mercado com o objetivo de desmoralizar as empresas contratantes, causando-lhes prejuízos. |
e) |
visa a aumentar a competição entre as empresas, que se valem do cancelamento para eliminar valores morais que consideram irresponsáveis. |
A questão orbita em torno de um termo bastante discutido na esfera pública contemporânea, a cultura do cancelamento. De acordo com a autora, o cancelamento diz respeito às possíveis sanções econômicas àqueles que inflingem valores caros aos cancelados, e não uma tentativa de obstrução à liberdade jurídica. Ou seja, busca-se mais um impeditivo ecnomômico do que a justa sanção e reparação pela lei.
a) Correta. A questão expressa exatamente o que contém o texto: o cancelamento direciona-se a impedir a vida econômica do cancelado.
b) Incorreta. A alternativa apresenta o justo contrário do que diz o texto. Busca-se mais um impeditivo econômico do que reparação judicial.
c) Incorreta. A alternativa apresenta falhas em dois motivos. Primeiro, o cancelamento não é uma resposta natural. Antes, é orquestrado e dirigido de modo proposital, com fins específicos. Segundo, volta-se não contra os movimentos sociais, mas àqueles que, de alguma forma, ofende valores e costumes que pretendem ser defendidos por tais movimentos.
d) Incorreta. O cancelamento, como diz o texto, dirige-se ao indivíduo, não à empresa.
e) Incorreta. Não há possibilidade de interpretação de que o cancelamento possa aumentar a competição entre as empresas. Além disso, o cancelamento é aplicado por aqueles que pressupõem o controle ideológico das narrativas dos movimentos sociais.