Logo UNIFESP

Unifesp 2021 - 2ª fase - Português, Inglês e Redação - Versão 1


Redação Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Texto Dissertativo

Texto 1

    As descobertas da genética nos apresentam a um só tempo uma promessa e um dilema. A promessa é que em breve seremos capazes de tratar e prevenir uma série de doenças debilitantes. O dilema é que nosso recém-descoberto conhecimento genético também pode permitir a manipulação de nossa própria natureza – para melhorar nossos músculos, nossa memória e nosso humor; para escolher o sexo, a altura e outras características genéticas de nossos filhos; para melhorar nossas capacidades física e cognitiva; para nos tornar “melhores do que a encomenda”. A maioria das pessoas considera inquietantes ao menos algumas das formas de manipulação genética. Entretanto, não é fácil articular nosso mal-estar. Os termos familiares dos discursos moral e político tornam difícil afirmar o que há de errado na reengenharia da nossa natureza.

(Michael J. Sandel [filósofo, professor-visitante na Sorbonne]. Contra a perfeição: ética na era da engenharia genética, 2015.)

 

Texto 2

    A seleção do sexo do bebê – sexagem – é uma das questões mais controvertidas a que nos expõe o desenvolvimento da biogenética. Divide opiniões e é enganoso pensar que as posições liberais estão do lado dos cientistas, ou ver as posições conservadoras como deriváveis da consciência religiosa. Mesmo os liberais apontam problemas quanto à técnica utilizada na sexagem, devido aos riscos de complicações, desequilíbrio na população de homens e mulheres, discriminação contra a mulher.

    Há motivos também de ordem religiosa: a suspeita de que o ser humano, ao assumir o papel de Deus ou da natureza, não produzirá um mundo melhor. Há, certamente, na base da desconfiança, um medo em relação aos desdobramentos desse novo poder: se podemos escolher o sexo, podemos também pensar na liberdade de escolher outras características.

    A questão é: até que ponto o poder técnico é também ético? Certamente não devemos condenar a técnica quando ela responde a uma finalidade eticamente defensável. Condena-se a técnica quando a motivação é um mero desejo ou capricho, mas não se condena quando há razões fortes como evitar doenças ou quando a fertilização in vitro é apontada como a única alternativa para a gravidez.

(João Batistiolle [professor de Bioética, PUC-SP]. “Bebês sob medida”. www.cremesp.org.br, 2005.)

 

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, empregando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:

 

A engenharia genética ameaça a dignidade humana?



Comentários

A proposta do vestibular UNIFESP 2021, mais uma vez, trouxe estrutura interrogativa, ou seja, a frase-tema apresentou uma pergunta ao candidato: A engenharia genética ameaça a dignidade humana? Espera-se que a tese do texto, ou seja, a ideia central defendida por sua dissertação argumentativa, responda claramente à pergunta da frase-tema.

Para isso, o candidato, além de basear-se em seus próprios conhecimentos, deveria tomar como ponto de partida para a sua reflexão os dois excertos apresentados como coletânea da prova.

O texto 1 traz à baila a dualidade que as descobertas da genética carregam consigo. Por um lado, existe a promessa de a humanidade ser capaz de tratar e de prevenir doenças. Por outro, existe o dilema ético da possibilidade de manipulação da natureza humana.

O texto 2, por sua vez, exemplifica a sexagem de bebês para trazer à baila uma reflexão sobre as polêmicas que o desenvolvimento da biogenética impõe. Até mesmo os discursos mais liberais questionam os riscos de diferentes naturezas que se colocam quando ocorre a naturalização da manipulação genética: se é possível escolher o sexo de bebês, qual seria o limite em relação às escolhas de outras características? A questão que se coloca, para além dos riscos biológicos de tais procedimentos, é de natureza ética. Segundo o texto, se a técnica do desenvolvimento biogenético serve a uma finalidade nobre - evitar doenças ou ser a única alternativa viável para a gravidez, por exemplo -, os pontos positivos são praticamente inquestionáveis. Se, por outro lado, tal técnica servir a atender ao mero capricho humano, o enfrentamento ético é inevitável. 

A pergunta da frase-tema, portanto, poderia ser respondida de maneira unilateral - a engenharia genética ameaça ou não ameaça a dignidade humana - ou de maneira ponderada - há situações em que a engenharia genética pode ameçar a dignidade humana, mas nem sempre. Trata-se, pois, de tema extremamente atual, pertinente e repleto de variáveis argumentativas que poderiam ser exploradas pelo candidato em seu projeto de texto à luz de sua tese.

Questão 1 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Cartoons / Comics

Examine o cartum de Caitlin Cass, publicado no Instagram da revista The New Yorker em 10.03.2019.

Depreende-se do cartum que a moça

 



a)

saiu escondida, deixando uma vela acesa no quarto para fingir que estava estudando.

b)

chegou tarde em casa, descumprindo o horário que havia combinado com a mãe.

c)

voltou para casa, pois havia esquecido a vela do seu quarto acesa.

d)

pretendia sair de casa sem levar uma vela, desrespeitando a recomendação da mãe.

e)

disse à mãe que ia sair só para comprar lâmpadas, mas acabou voltando para casa sem elas.

Resolução

No cartum de Caitlin Cass, temos a imagem da moça chegando em casa, enquanto sua mãe, segurando um castiçal com uma vela acesa, afirma que ela havia prometido voltar quando a vela estivesse pela metade. 

a) Incorreta. A imagem não mostra que a moça teria saído escondida, tampouco permite concluir que ela poderia ter deixado uma vela acesa no quarto para fingir que estava estudando.

b) Correta. No cartum podemos perceber que a moça entra em casa e se depara com sua mãe, que a está aguardando, segurando um castiçal com uma vela já quase no final e lhe diz: "Você disse que estaria em casa na metade da vela", ou seja, a garota havia combinado estar de volta quando a vela estivesse pela metade, mas na verdade ela chegou quando a vela já estava quase toda derretida, descumprindo, assim, o combinado com a mãe.

c) Incorreta. Não podemos inferir pela imagem e nem pela fala da mãe que a moça havia esquecido a vela do seu quarto acesa.

d) Incorreta. Ao observarmos a imagem e lermos a frase da mãe, não podemos dizer que a moça pretendia sair de casa sem levar uma vela, desrespeitando a recomendação da mãe. A vela é apenas uma maneira de a mãe controlar o horário em que a moça deveria estar de volta em casa.

e) Incorreta. A observação do cartum permite concluir que a fala é da mãe e que a moça teria dito a ela, anteriormente, que retornaria para casa quando a vela estivesse pela metade, de modo que é incorreta a afirmação de que ela teria dito "à mãe que ia sair só para comprar lâmpadas, mas acabou voltando para casa sem elas".

Questão 2 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Carlos Drummond de Andrade Texto Narrativo textos literários

Leia o conto de Carlos Drummond de Andrade.

O entendimento dos contos

    — Agora você vai me contar uma história de amor — disse o rapaz à moça. — Quero ouvir uma história de amor em que entrem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.

    — Pois não — respondeu a moça, que acabara de concluir o mestrado de contador de histórias, e estava com a imaginação na ponta da língua. — Era uma vez um país onde só havia água, eram águas e mais águas, e o governo como tudo mais se fazia em embarcações atracadas ou em movimento, conforme o tempo. Osmundo mantinha uma grande indústria de barcos, mas não era feliz, porque Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele. Osmundo ofereceu-lhe um belo navio embandeirado, que ela recusou. Só aceitaria uma frota de dez caravelas, para si e para seus familiares.

    Ora, ninguém sabia fazer caravelas, era um tipo de embarcação há muito fora de uso. Osmundo apresentou um mau produto, que Sertória não aceitou, enumerando os defeitos, a começar pelas velas latinas, que de latinas não tinham um centavo. Osmundo, desesperado, pensou em afogar-se, o que fez sem êxito, pois desceu no fundo das águas e lá encontrou um cofre cheio de esmeraldas, topázios, rubis, diamantes e o mais que você imagina. Voltou à tona para oferecê-lo à rígida Sertória, que virou o rosto. Nada a fazer, pensou Osmundo; vou transformar-me em satélite artificial. Mas os satélites artificiais ainda não tinham sido inventados. Continuou humilde satélite de Sertória, que ultimamente passeava de uma lancha para outra, levando-o preso a um cordão de seda, com a inscrição “Amor imortal”. Acabou.

    — Mas que significa isso? — perguntou o moço, insatisfeito. — Não entendi nada.

    — Nem eu — respondeu a moça —, mas os contos devem ser contados, e não entendidos; exatamente como a vida.

(Contos plausíveis, 2012.)


No texto, a moça

 



a)

finge não entender o próprio conto para perturbar o rapaz.

b)

sugere que a vida, como a maioria dos contos, dificilmente termina bem.

c)

sugere que dificilmente o sentido da vida possa caber em um conto.

d)

acredita que a vida precisa ser decifrada, como a maioria dos contos.

e)

acredita que os contos, como a vida, prescindem de explicação.

Resolução

a) Incorreta. Ao confessar que também não havia entendido o conto que acabara de contar, a moça estava sendo sincera, o que pode ser atestado pela sua consideração de que os contos são como a vida e, por isso, devem ser contados, e não entendidos.

b) Incorreta. A discussão proposta concentra-se na falta de entendimento acerca dos contos e da vida. Não há nenhuma sugestão acerca do fato de que as narrativas, assim como a vida, não terminam bem.

c) Incorreta. A conclusão do conto não estabelece uma hierarquia em relação ao sentido da vida ser mais amplo e complexo que o conto. Segundo a moça, há uma igualdade entre gênero narrativo e a vida, visto que o sentido de ambos é inapreensível.

d) Incorreta. Ao ouvir o final do conto, o rapaz afirma que não havia entendido nada. Diante desse comentário, a moça não propõe nenhuma decifração, mas sim uma aceitação da ausência de sentido tanto do conto como da vida.

e) Correta. Para a moça, o mais importante é que a história seja contada, e não entendida. A partir disso, ela faz uma analogia com a vida, sugerindo que o mais importante é vivê-la, e não a compreender. Nesse sentido, tanto a vida como os contos prescindem, isto é, não necessitam de entendimento.

Questão 3 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Texto Narrativo Técnicas de Narração Coesão e Coerência

Leia o conto de Carlos Drummond de Andrade.

O entendimento dos contos

    — Agora você vai me contar uma história de amor — disse o rapaz à moça. — Quero ouvir uma história de amor em que entrem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.

    — Pois não — respondeu a moça, que acabara de concluir o mestrado de contador de histórias, e estava com a imaginação na ponta da língua. — Era uma vez um país onde só havia água, eram águas e mais águas, e o governo como tudo mais se fazia em embarcações atracadas ou em movimento, conforme o tempo. Osmundo mantinha uma grande indústria de barcos, mas não era feliz, porque Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele. Osmundo ofereceu-lhe um belo navio embandeirado, que ela recusou. Só aceitaria uma frota de dez caravelas, para si e para seus familiares.

    Ora, ninguém sabia fazer caravelas, era um tipo de embarcação há muito fora de uso. Osmundo apresentou um mau produto, que Sertória não aceitou, enumerando os defeitos, a começar pelas velas latinas, que de latinas não tinham um centavo. Osmundo, desesperado, pensou em afogar-se, o que fez sem êxito, pois desceu no fundo das águas e lá encontrou um cofre cheio de esmeraldas, topázios, rubis, diamantes e o mais que você imagina. Voltou à tona para oferecê-lo à rígida Sertória, que virou o rosto. Nada a fazer, pensou Osmundo; vou transformar-me em satélite artificial. Mas os satélites artificiais ainda não tinham sido inventados. Continuou humilde satélite de Sertória, que ultimamente passeava de uma lancha para outra, levando-o preso a um cordão de seda, com a inscrição “Amor imortal”. Acabou.

    — Mas que significa isso? — perguntou o moço, insatisfeito. — Não entendi nada.

    — Nem eu — respondeu a moça —, mas os contos devem ser contados, e não entendidos; exatamente como a vida.

(Contos plausíveis, 2012.)


Em sua história, a moça incorre em contradição ao tratar

 



a)

das caravelas.

b)

da recusa de Sertória em se casar.

c)

da tentativa de suicídio de Osmundo.

d)

dos satélites artificiais.

e)

das pedras preciosas.

Resolução

a) Incorreta. De acordo com o conto, Sertória impõe como condição para se casar com Osmundo que ele construísse uma frota de caravelas, o que é inusitado, pois, naquele contexto, as caravelas já estavam fora de uso.  Assim, o pedido causa estranhamento, mas não chega a configurar uma contradição.

b) Incorreta. As sucessivas recusas de Sertória às propostas de Osmundo evidenciam sua frieza e indiferença em relação ao rapaz, não podendo, portanto, serem interpretadas como uma contradição da construção da personagem.

c) Incorreta. A tentativa de suicídio de Osmundo pode ser interpretada como um gesto de desespero diante da impossibilidade de conquistar a amada. Apesar de exagerada, tal atitude é coerente com os sentimentos e a personalidade do rapaz.

d) Correta. De fato, o trecho da narrativa no qual Osmundo pensa em se transformar em um satélite artificial é contraditório, pois, logo em seguida, a moça afirma que os satélites artificiais não haviam sido inventados. Ora, não seria possível que o personagem pensasse como sendo viável e natural a transformação em um objeto que ainda não existia e, portanto, não fazia parte de seu repertório de conhecimentos.

e) Incorreta. A menção às pedras preciosas encontradas no fundo do mar é um elemento característico e bastante comum em histórias de navegações e aventuras marítimas, logo não caracterizaria uma contradição no conjunto da narrativa.

Questão 4 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

função metalinguística

Leia o conto de Carlos Drummond de Andrade.

O entendimento dos contos

    — Agora você vai me contar uma história de amor — disse o rapaz à moça. — Quero ouvir uma história de amor em que entrem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.

    — Pois não — respondeu a moça, que acabara de concluir o mestrado de contador de histórias, e estava com a imaginação na ponta da língua. — Era uma vez um país onde só havia água, eram águas e mais águas, e o governo como tudo mais se fazia em embarcações atracadas ou em movimento, conforme o tempo. Osmundo mantinha uma grande indústria de barcos, mas não era feliz, porque Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele. Osmundo ofereceu-lhe um belo navio embandeirado, que ela recusou. Só aceitaria uma frota de dez caravelas, para si e para seus familiares.

    Ora, ninguém sabia fazer caravelas, era um tipo de embarcação há muito fora de uso. Osmundo apresentou um mau produto, que Sertória não aceitou, enumerando os defeitos, a começar pelas velas latinas, que de latinas não tinham um centavo. Osmundo, desesperado, pensou em afogar-se, o que fez sem êxito, pois desceu no fundo das águas e lá encontrou um cofre cheio de esmeraldas, topázios, rubis, diamantes e o mais que você imagina. Voltou à tona para oferecê-lo à rígida Sertória, que virou o rosto. Nada a fazer, pensou Osmundo; vou transformar-me em satélite artificial. Mas os satélites artificiais ainda não tinham sido inventados. Continuou humilde satélite de Sertória, que ultimamente passeava de uma lancha para outra, levando-o preso a um cordão de seda, com a inscrição “Amor imortal”. Acabou.

    — Mas que significa isso? — perguntou o moço, insatisfeito. — Não entendi nada.

    — Nem eu — respondeu a moça —, mas os contos devem ser contados, e não entendidos; exatamente como a vida.

(Contos plausíveis, 2012.)


O título do conto antecipa seu caráter

 



a)

melancólico.

b)

fantástico.

c)

ambíguo.

d)

satírico.

e)

metalinguístico.

Resolução

a) Incorreta. O caráter melancólico da história de amor infeliz não é antecipado pelo título do conto.

b) Incorreta. O aspecto fantástico da narrativa da moça não é referido no título.

c) Incorreta. Não se verifica a ocorrência de ambiguidade na narrativa.

d) Incorreta. Há um certo tom satírico na triste história de Osmundo, entretanto esse aspecto não é antecipado pelo título.

e) Correta. Em linhas gerais, verifica-se a ocorrência da metalinguagem quando um texto aborda como tema a própria linguagem ou ainda quando um texto faz referência a si mesmo. Nesse sentido, o título “O entendimento dos contos”, de fato, antecipa o caráter metalinguístico do conto de Drummond, caráter que pode ser observado, primeiramente, na construção narrativa em que se verifica “um conto dentro de outro”, isto é, há uma primeira narrativa sobre um rapaz que desafia uma moça a contar uma história em que entrem três elementos escolhidos por ele. A segunda narrativa que se encaixa nessa primeira é justamente a história que a moça inventou para responder ao desafio do rapaz. Outro elemento que caracteriza a metalinguagem verifica-se logo após o término da história da moça, quando ela e o rapaz discutem sobre a (im)possibilidade de entendimento dos contos e da própria vida. Essa discussão feita pelos personagens é antecipada pelo título do conto - O entendimento dos contos -, o que evidencia seu caráter metalinguístico.

Questão 5 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

língua oral e língua escrita

Leia o conto de Carlos Drummond de Andrade.

O entendimento dos contos

    — Agora você vai me contar uma história de amor — disse o rapaz à moça. — Quero ouvir uma história de amor em que entrem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.

    — Pois não — respondeu a moça, que acabara de concluir o mestrado de contador de histórias, e estava com a imaginação na ponta da língua. — Era uma vez um país onde só havia água, eram águas e mais águas, e o governo como tudo mais se fazia em embarcações atracadas ou em movimento, conforme o tempo. Osmundo mantinha uma grande indústria de barcos, mas não era feliz, porque Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele. Osmundo ofereceu-lhe um belo navio embandeirado, que ela recusou. Só aceitaria uma frota de dez caravelas, para si e para seus familiares.

    Ora, ninguém sabia fazer caravelas, era um tipo de embarcação há muito fora de uso. Osmundo apresentou um mau produto, que Sertória não aceitou, enumerando os defeitos, a começar pelas velas latinas, que de latinas não tinham um centavo. Osmundo, desesperado, pensou em afogar-se, o que fez sem êxito, pois desceu no fundo das águas e lá encontrou um cofre cheio de esmeraldas, topázios, rubis, diamantes e o mais que você imagina. Voltou à tona para oferecê-lo à rígida Sertória, que virou o rosto. Nada a fazer, pensou Osmundo; vou transformar-me em satélite artificial. Mas os satélites artificiais ainda não tinham sido inventados. Continuou humilde satélite de Sertória, que ultimamente passeava de uma lancha para outra, levando-o preso a um cordão de seda, com a inscrição “Amor imortal”. Acabou.

    — Mas que significa isso? — perguntou o moço, insatisfeito. — Não entendi nada.

    — Nem eu — respondeu a moça —, mas os contos devem ser contados, e não entendidos; exatamente como a vida.

(Contos plausíveis, 2012.)


Observa-se o emprego de expressão própria da linguagem coloquial no trecho

 



a)

“Só aceitaria uma frota de dez caravelas, para si e para seus familiares” (2o parágrafo).

b)

“Sertória não aceitou, enumerando os defeitos, a começar pelas velas latinas, que de latinas não tinham um centavo” (3o parágrafo).

c)

“Era uma vez um país onde só havia água, eram águas e mais águas” (2o parágrafo).

d)

“Osmundo mantinha uma grande indústria de barcos, mas não era feliz, porque Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele” (2o parágrafo).

e)

“Osmundo, desesperado, pensou em afogar-se, o que fez sem êxito” (3o parágrafo).

Resolução

a) Incorreta. O trecho não condiz com linguagem coloquial, apresentando registro mais característico da linguagem formal escrita, como se verifica pela presença do pronome "si", por exemplo.

b) Correta. A expressão "que de latinas não tinham um centavo” configura a ultilização de linguagem coloquial, pois aplica-se um ditado popular para desqualificar as velas. 

c) Incorreta.  A expressão "Era uma vez" é bastante característica de contos maravilhosos ou fantásticos, predominantemente voltados ao público infantil, mas seu emprego não configura linguagem coloquial.

d) Incorreta. Embora o trecho "(...) Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele” pudesse ser reescrito da seguinte forma: Sertória, objeto dos seus sonhos, recusava-se a casar com ele", o excerto não apresenta uma expressão coloquial.

e) Incorreta. O trecho em questão não apresenta uma expressão coloquial e, assim como no caso do excerto mencionado pela alternativa a, apropria-se de um recurso bastante característico da escrita formal, a saber, a ênclise (colocação pronominal posposta ao verbo, em afogar-se). 

Questão 6 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Discurso direto Discurso indireto

Leia o conto de Carlos Drummond de Andrade.

O entendimento dos contos

    — Agora você vai me contar uma história de amor — disse o rapaz à moça. — Quero ouvir uma história de amor em que entrem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.

    — Pois não — respondeu a moça, que acabara de concluir o mestrado de contador de histórias, e estava com a imaginação na ponta da língua. — Era uma vez um país onde só havia água, eram águas e mais águas, e o governo como tudo mais se fazia em embarcações atracadas ou em movimento, conforme o tempo. Osmundo mantinha uma grande indústria de barcos, mas não era feliz, porque Sertória, objeto dos seus sonhos, se recusava a casar com ele. Osmundo ofereceu-lhe um belo navio embandeirado, que ela recusou. Só aceitaria uma frota de dez caravelas, para si e para seus familiares.

    Ora, ninguém sabia fazer caravelas, era um tipo de embarcação há muito fora de uso. Osmundo apresentou um mau produto, que Sertória não aceitou, enumerando os defeitos, a começar pelas velas latinas, que de latinas não tinham um centavo. Osmundo, desesperado, pensou em afogar-se, o que fez sem êxito, pois desceu no fundo das águas e lá encontrou um cofre cheio de esmeraldas, topázios, rubis, diamantes e o mais que você imagina. Voltou à tona para oferecê-lo à rígida Sertória, que virou o rosto. Nada a fazer, pensou Osmundo; vou transformar-me em satélite artificial. Mas os satélites artificiais ainda não tinham sido inventados. Continuou humilde satélite de Sertória, que ultimamente passeava de uma lancha para outra, levando-o preso a um cordão de seda, com a inscrição “Amor imortal”. Acabou.

    — Mas que significa isso? — perguntou o moço, insatisfeito. — Não entendi nada.

    — Nem eu — respondeu a moça —, mas os contos devem ser contados, e não entendidos; exatamente como a vida.

(Contos plausíveis, 2012.)


“— Agora você vai me contar uma história de amor — disse o rapaz à moça. — Quero ouvir uma história de amor em que entrem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.” (1º parágrafo)

Ao se transpor esse trecho para o discurso indireto, os termos sublinhados assumem, respectivamente, as seguintes formas:

 



a)

“quis” e “entravam”.

b)

“queria” e “entravam”.

c)

“quis” e “entrassem”.

d)

“queria” e “entrassem”.

e)

“quisera” e “entraram”.

Resolução

Discurso direto é aquele em que se reproduz a fala literal de determinada personagem. Discurso indireto é quando a voz da personagem é apresentada pelo narrador. A transposição do trecho para o discurso indireto resulta em:

O rapaz disse à moça que queria uma história em que entrassem caravelas, pedras preciosas e satélites artificiais.

Com isso, o verbo "querer" passa da primeira pessoa do presente do indicativo  [quero] para a terceira pessoa do pretérito imperfeito do indicativo [queria]. Já o verbo "entrar" passa da terceira pessoa do presente do subjuntivo [entrem] para o pretérito imperfeito do subjuntivo [entrassem].

 

Questão 7 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Interpretação de Textos

Leia o trecho do livro O oráculo da noite, do neurocientista Sidarta Ribeiro.

    A palavra sonho, do latim somnium, significa muitas coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília, e não durante o sono. Realizei “o sonho da minha vida”, “meu sonho de consumo” são frases usadas cotidianamente pelas pessoas para dizer que pretendem ou conseguiram alcançar algo. Todo mundo tem um sonho, no sentido de plano futuro. Todo mundo deseja algo que não tem. Por que será que o sonho, fenômeno normalmente noturno que tanto pode evocar o prazer quanto o medo, é justamente a palavra usada para designar tudo aquilo que se quer ter?

    O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra “sonho”. [...] Na área de desembarque de um aeroporto nos Estados Unidos, uma foto enorme de um casal belo e sorridente, velejando num mar caribenho em dia ensolarado, sob a frase enigmática: “Aonde seus sonhos o levarão?”, embaixo o logotipo da empresa de cartão de crédito. Deduz-se do anúncio que os sonhos são como veleiros, capazes de levar-nos a lugares idílicos, perfeitos, altamente... desejáveis. As equações “sonho é igual a desejo que é igual a dinheiro” têm como variável oculta a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis podem experimentar no mundo de regras frouxas do sonho noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico cartão plástico.

    A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização no mundo industrial globalizado. [...] A indústria da saúde do sono, um setor que cresce aceleradamente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.

    E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão livre é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. [...] Na peça teatral A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio destino. O sonho é a imaginação sem freio nem controle, solta para temer, criar, perder e achar.

(O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, 2019.)


De acordo com o texto,

 



a)

o mal-estar que acomete a civilização contemporânea está intimamente ligado à extinção do sonho no mundo industrial.

b)

o entendimento da dinâmica do mundo industrial atual implica a compreensão de que a natureza dos sonhos também se transforma historicamente.

c)

a banalização do sonho mostra-se intimamente relacionada à dinâmica acelerada do mundo industrial contemporâneo.

d)

o ritmo acelerado do mundo industrial contemporâneo impossibilita a contemplação da vida interior pela via do sonho.

e)

a interrupção da dinâmica perversa do mundo globalizado implica o reconhecimento de que os sonhos acabaram por se tornar irrelevantes.

Resolução

a) Incorreta. De acordo com o texto, o mal-estar é gerado por uma rotina de trabalho intensa e pela falta de tempo para dormir e sonhar, não apenas no sentido metafísico, mas literal: "A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea."

b) Incorreta. O texto pensa no sonho a partir do contexto da sociedade industrializada, mas não apresenta um recorte que permita inferir a existência de mudanças históricas. 

c) Correta. Uma vez que os indivíduos precisam corresponder a uma série de atividades impostas pela vida contemporânea, que preenchem todo o tempo e exigem celeridade para que seja cumpridas, e que o consumo está na base da dinâmica social, o sonho perde seu aspecto idílico e metafísico, trasformando-se em desejos que podem - por algumas camadas da sociedade -  ser aplacados pelo consumismo: "Por que será que o sonho (...) é justamente a palavra usada para designar tudo aquilo que se quer ter? O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos. (...) As equações “sonho é igual a desejo que é igual a dinheiro” têm como variável oculta a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis podem experimentar no mundo de regras frouxas do sonho noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico cartão plástico. (...) A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização no mundo industrial globalizado."

d) Incorreta. O texto propõe o contrário do que afirma a alternativa, para a qual o sonho seria o instrumento necessário para a contemplação da vida interior. Entretanto,  é por não conseguirem contemplar a vida interior que os indivíduos sequer conseguem se lembrar dos próprios sonhos. "Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho."

e) Incorreta. O texto não conclui que os sonhos se tornaram irrelevantes, pelo contrário, uma vez que a indústria do marketing se vale da ideia de sonho para viabilizar seus produtos. Sendo assim, o sonho foi banalizado para servir à logica do consumo: " O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra “sonho”. (...) Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho. E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas."

Questão 8 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Sintaxe

Leia o trecho do livro O oráculo da noite, do neurocientista Sidarta Ribeiro.

    A palavra sonho, do latim somnium, significa muitas coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília, e não durante o sono. Realizei “o sonho da minha vida”, “meu sonho de consumo” são frases usadas cotidianamente pelas pessoas para dizer que pretendem ou conseguiram alcançar algo. Todo mundo tem um sonho, no sentido de plano futuro. Todo mundo deseja algo que não tem. Por que será que o sonho, fenômeno normalmente noturno que tanto pode evocar o prazer quanto o medo, é justamente a palavra usada para designar tudo aquilo que se quer ter?

    O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra “sonho”. [...] Na área de desembarque de um aeroporto nos Estados Unidos, uma foto enorme de um casal belo e sorridente, velejando num mar caribenho em dia ensolarado, sob a frase enigmática: “Aonde seus sonhos o levarão?”, embaixo o logotipo da empresa de cartão de crédito. Deduz-se do anúncio que os sonhos são como veleiros, capazes de levar-nos a lugares idílicos, perfeitos, altamente... desejáveis. As equações “sonho é igual a desejo que é igual a dinheiro” têm como variável oculta a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis podem experimentar no mundo de regras frouxas do sonho noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico cartão plástico.

    A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização no mundo industrial globalizado. [...] A indústria da saúde do sono, um setor que cresce aceleradamente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.

    E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão livre é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. [...] Na peça teatral A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio destino. O sonho é a imaginação sem freio nem controle, solta para temer, criar, perder e achar.

(O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, 2019.)


Mesmo assim a insônia impera.” (3º parágrafo)

No contexto em que se encontra, a expressão sublinhada exprime ideia de

 



a)

causa.

b)

condição.

c)

oposição.

d)

conclusão.

e)

consequência.

Resolução

A expressão "mesmo assim" é uma locução adverbial de valor concessivo, aplicada no texto para trasmitir a oposição entre o fato de que, mesmo a indústria da saúde do sono sendo milionária e crescendo aceleradamento, a insônia ainda é algo comum. Vale observar que a expectativa seria a de que uma indústria tão proeminente fosse capaz de resolver o problema a que se dedica. Desse modo, a alternativa c é a que descreve corretamente a função da locução em questão no texto. 

Questão 9 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Conjunções (valores semânticos) Subordinação

Leia o trecho do livro O oráculo da noite, do neurocientista Sidarta Ribeiro.

    A palavra sonho, do latim somnium, significa muitas coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília, e não durante o sono. Realizei “o sonho da minha vida”, “meu sonho de consumo” são frases usadas cotidianamente pelas pessoas para dizer que pretendem ou conseguiram alcançar algo. Todo mundo tem um sonho, no sentido de plano futuro. Todo mundo deseja algo que não tem. Por que será que o sonho, fenômeno normalmente noturno que tanto pode evocar o prazer quanto o medo, é justamente a palavra usada para designar tudo aquilo que se quer ter?

    O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra “sonho”. [...] Na área de desembarque de um aeroporto nos Estados Unidos, uma foto enorme de um casal belo e sorridente, velejando num mar caribenho em dia ensolarado, sob a frase enigmática: “Aonde seus sonhos o levarão?”, embaixo o logotipo da empresa de cartão de crédito. Deduz-se do anúncio que os sonhos são como veleiros, capazes de levar-nos a lugares idílicos, perfeitos, altamente... desejáveis. As equações “sonho é igual a desejo que é igual a dinheiro” têm como variável oculta a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis podem experimentar no mundo de regras frouxas do sonho noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico cartão plástico.

    A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização no mundo industrial globalizado. [...] A indústria da saúde do sono, um setor que cresce aceleradamente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.

    E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão livre é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. [...] Na peça teatral A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio destino. O sonho é a imaginação sem freio nem controle, solta para temer, criar, perder e achar.

(O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, 2019.)


A palavra sublinhada em “Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente” (3º parágrafo) pertence à mesma classe gramatical da palavra sublinhada em

 



a)

“sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade” (4 º parágrafo).

b)

se tão poucos se lembram que sonham” (3 º parágrafo).

c)

“quando a insônia grassa e o bocejo se impõe” (3 º parágrafo).

d)

“chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho” (3 º parágrafo).

e)

“compromissos que se renovam ao infinito” (3 º parágrafo).

Resolução

No trecho destacado, o termo "se" desempenha a função de conjunção subordinativa causal, com o sentido de "já que", "uma vez que". Deve ser assinalada, então, a alternativa que apresenta o mesmo termo com a mesma função sintática.

a) Incorreta. Em "sonha-se", o termo "se" funciona como índice de indeterminação do sujeito ("sonhar" é verbo intransitivo).

b) Correta. Em "se tão poucos...", o termo "se" funciona como conjunção subordinativa causal, por isso esta é a alternativa correta.

c) Incorreta. Em "...o bocejo se impõe", o termo "se" funciona como parte integrante do verbo, uma vez que o verbo "impor", nesse caso, é, na realidade, um verbo pronominal: impor-se. 

d) Incorreta. Em "chega-se a duvidar...", o termo "se" funciona como índice de indeterminação do sujeito ("chegar" é verbo transitivo indireto).

e) Incorreta. Em "compromissos que se renovam...", o termo "se" funciona como pronome reflexivo, ou seja, compromissos renovam-se a si mesmos .

Questão 10 Visualizar questão Compartilhe essa resolução

Vozes verbais

Leia o trecho do livro O oráculo da noite, do neurocientista Sidarta Ribeiro.

    A palavra sonho, do latim somnium, significa muitas coisas diferentes, todas vivenciadas durante a vigília, e não durante o sono. Realizei “o sonho da minha vida”, “meu sonho de consumo” são frases usadas cotidianamente pelas pessoas para dizer que pretendem ou conseguiram alcançar algo. Todo mundo tem um sonho, no sentido de plano futuro. Todo mundo deseja algo que não tem. Por que será que o sonho, fenômeno normalmente noturno que tanto pode evocar o prazer quanto o medo, é justamente a palavra usada para designar tudo aquilo que se quer ter?

    O repertório publicitário contemporâneo não tem dúvidas de que o sonho é a força motriz de nossos comportamentos. Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra “sonho”. [...] Na área de desembarque de um aeroporto nos Estados Unidos, uma foto enorme de um casal belo e sorridente, velejando num mar caribenho em dia ensolarado, sob a frase enigmática: “Aonde seus sonhos o levarão?”, embaixo o logotipo da empresa de cartão de crédito. Deduz-se do anúncio que os sonhos são como veleiros, capazes de levar-nos a lugares idílicos, perfeitos, altamente... desejáveis. As equações “sonho é igual a desejo que é igual a dinheiro” têm como variável oculta a liberdade de ir, ser e principalmente ter, liberdade que até os mais miseráveis podem experimentar no mundo de regras frouxas do sonho noturno, mas que no sonho diurno é privilégio apenas dos detentores de um mágico cartão plástico.

    A rotina do trabalho diário e a falta de tempo para dormir e sonhar, que acometem a maioria dos trabalhadores, são cruciais para o mal-estar da civilização contemporânea. É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização no mundo industrial globalizado. [...] A indústria da saúde do sono, um setor que cresce aceleradamente, tem valor estimado entre 30 bilhões e 40 bilhões de dólares. Mesmo assim a insônia impera. Se o tempo é sempre escasso, se despertamos diariamente com o toque insistente do despertador, ainda sonolentos e já atrasados para cumprir compromissos que se renovam ao infinito, se tão poucos se lembram que sonham pela simples falta de oportunidade de contemplar a vida interior, quando a insônia grassa e o bocejo se impõe, chega-se a duvidar da sobrevivência do sonho.

    E, no entanto, sonha-se. Sonha-se muito e a granel, sonha-se sofregamente apesar das luzes e dos ruídos da cidade, da incessante faina da vida e da tristeza das perspectivas. Dirá a formiga cética que quem sonha assim tão livre é o artista, cigarra de fábula que vive de brisa. [...] Na peça teatral A vida é sonho, o espanhol Pedro Calderón de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio destino. O sonho é a imaginação sem freio nem controle, solta para temer, criar, perder e achar.

(O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, 2019.)


Pode ser reescrito na voz passiva o seguinte trecho do texto:

 



a)

“Pedro Calderón de la Barca dramatizou a liberdade de construir o próprio destino” (4º parágrafo).

b)

“É gritante o contraste entre a relevância motivacional do sonho e sua banalização no mundo industrial globalizado” (3º parágrafo).

c)

“O sonho é a imaginação sem freio nem controle, solta para temer, criar, perder e achar” (4º parágrafo).

d)

“Mesmo assim a insônia impera” (3º parágrafo).

e)

“Desejo é o sinônimo mais preciso da palavra ‘sonho’” (2º parágrafo).

Resolução

Para responder adequadamente a esta questão, é importante ter em mente que a voz passiva só pode ser construída em orações que apresentem verbos transitivos diretos ou verbos transitivos diretos e indiretos. 

a) Correta. O verbo da oração apresentada, "dramatizar", comporta-se, nesse caso, como transitivo direto. Na transposição para a voz passiva, o objeto direto torna-se sujeito paciente e o sujeito agente torna-se agente da passiva. Assim: "A liberdade de construir o próprio destino [sujeito paciente] foi [verbo auxiliar no pretérito perfeito, no mesmo tempo do verbo da oração original] dramatizada [verbo da oração original no particípio] por Pedro Calderón de la Barca [agente da passiva]".

b) Incorreta. O trecho apresenta apenas o verbo de ligação "ser", conjugado como "é".

c) Incorreta. O trecho apresenta apenas o verbo de ligação "ser", conjugado como "é".

d) Incorreta. O trecho apresenta apenas o verbo intransitivo "impera".

e) Incorreta. O trecho apresenta apenas o verbo de ligação "ser", conjugado como "é"