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Questão 6 1ª fase

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Questão 6

antítese

Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem; porque a confiança com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]

Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.

(Essencial, 2011.)


Em um trecho do “Sermão da Sexagésima”, Antônio Vieira critica o chamado estilo cultista de alguns oradores sacros de sua época nos seguintes termos: “Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário?”

Palavras “em fronteira com o seu contrário”, contudo, também foram empregadas por Vieira, conforme se verifica na expressão destacada em:



a)
a) “Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem” (2° parágrafo)
b)
b) “Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos” (3° parágrafo)
c)
c) “Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia” (1° parágrafo)
d)
d) “O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera” (3° parágrafo)
e)
e) “Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero” (2° parágrafo)
Resolução

a) Correta. As palavras em fronteira com o seu contrário seriam aquelas cujos significados contrastam. Isso se verifica na expressão “eloquentes mudos”, uma vez que o adjetivo indica que o ser por ele determinado é capaz de falar e expressar-se com desenvoltura, enquanto o substantivo é aquele que não fala.

b) Incorreta. Na expressão “outros ladrões”, o pronome “outros” não se opõe ao significado de “ladrões”, apenas indica que os que furtam inserem-se em grupos distintos.

c) Incorreta. O adjetivo “poderosa” apenas indica a grande influência da armada, não sendo contrastante com o que se esperaria de um conjunto de navios comandados por Alexandre [Magno] para a conquista da Índia.

d) Incorreta. O adjetivo “alta” só foi empregado para demonstrar que a esfera em questão está acima de outras, não havendo uma contraposição de sentidos, mas sim uma especificação.

e) Incorreta. O adjetivo “estoico” remete a uma doutrina desenvolvida por várias gerações de filósofos, portanto, também não há oposição que possa ser identificada na expressão “filósofo estoico”.