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Questão 3 1ª fase

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Questão 3

Subordinação

Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem; porque a confiança com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]

Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.

(Essencial, 2011.)


Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.” (1o parágrafo)

Em relação ao trecho que o sucede, o trecho destacado tem sentido de



a)
a) finalidade.
b)
b) condição.
c)
c) causa.
d)
d) proporção.
e)
e) consequência.
Resolução

a) Incorreta. Para ter sentido de finalidade, a primeira oração deveria indicar a intenção daquilo que se declara na oração seguinte. As conjunções de finalidade mais comuns são a fim de que, porque e a locução conjuntiva para que.

b) Correta. A primeira oração, destacada em negrito, exprime o que deve ocorrer para que se seja possível (ou não) alguém receber o título de ladrão. O pirata afirma que, se um indivíduo – independentemente de sua posição social – fizer o que faz um ladrão e um pirata, ele deve ser receber o mesmo nome. Logo, essa é a condição para que uma pessoa possa ser chamada assim.

c) Incorreta. Para ser considerado um ladrão ou pirata são irrelevantes os motivos pelos quais foram feitos os roubos, mas sim o ato realizado. As conjunções mais comuns nesse caso são porque, pois, já que, entre outras.

d) Incorreta. A ideia de proporção acontece quando os fatos expostos nas duas orações são simultâneos. Nesses casos, comumente usa-se locuções conjuntivas proporcionais, como à medida que e ao passo que.

e) Incorreta. O fato de o rei da Macedônia ou qualquer outro comportar-se como um ladrão ou pirata não é um efeito da denominação que estes merecem receber. Para orações desse tipo, as conjunções e locuções mais comuns são que, tanto que, de forma que, entre outras.