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Questão 2 1ª fase

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Questão 2

Interpretação de Textos

Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.

Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem; porque a confiança com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]

Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.

(Essencial, 2011.)


No primeiro parágrafo, Antônio Vieira caracteriza a resposta do pirata a Alexandre Magno como



a)
a) hesitante.
b)
b) servil.
c)
c) dissimulada.
d)
d) ousada.
e)
e) enigmática.
Resolução

a) Incorreta. O pirata demonstra plena segurança de sua resposta e não hesita ao argumentar com Alexandre Magno.

b) Incorreta. Ao comparar-se com o imperador, o pirata revela ser bastante corajoso, o oposto de alguém subserviente.

c) Incorreta. Para ser considerada dissimulada, a resposta proferida deveria encobrir ou disfarçar propositalmente o ponto de vista do pirata, mas, pelo contrário, ele demonstra sua opinião de forma direta.

d) Correta. Ao trazer a fala do pirata, Antônio Vieira afirma que ele, “que não era medroso nem lerdo”, respondeu Alexandre Magno de forma inesperada, afirmando que, embora estivessem em posições sociais distintas, ambos eram igualmente ladrões. A réplica, bastante ousada, impressionou pela sinceridade e eloquência.

e) Incorreta. Para ser considerada enigmática, a resposta do pirata deveria ser implícita e subliminar. No entanto, isso não se verifica, uma vez que sua fala é literal e objetiva.