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Questão 10 1ª fase

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Questão 10

Memórias póstumas de Brás Cubas

CAPÍTULO LIII

. . . . . . .

Virgília é que já se não lembrava da meia dobra; toda ela estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento; — era o que dizia, e era verdade.

Há umas plantas que nascem e crescem depressa;

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outras são tardias e pecas. O nosso amor era daquelas; brotou com tal ímpeto e tanta seiva, que, dentro em pouco, era a mais vasta, folhuda e exuberante criatura dos bosques. Não lhes poderei dizer, ao certo, os dias que durou esse crescimento. Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-

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se a flor, ou o beijo, se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula, — coitadinha, — trêmula de medo, porque era ao portão da chácara. Uniu-nos esse beijo único, — breve como a ocasião, ardente como o amor, prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres

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que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, — uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio, — vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes, que uma hora pagava à farta e de sobra; mas outra hora vinha e engolia aquela, como tudo

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mais, para deixar à tona as agitações e o resto, e o resto do resto, que é o fastio e a saciedade: tal foi o livro daquele prólogo.

Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.


Considerado no contexto de Memórias póstumas de Brás Cubas, o “livro” dos amores de Brás Cubas e Virgília, apresentado no breve capítulo aqui reproduzido, configura uma

 



a)
a) demonstração da tese naturalista que postula o fundamento biológico das relações amorosas.
b)
b) versão mais intensa e prolongada da típica sequência de animação e enfado, característica da trajetória de Brás Cubas.
c)
c) incorporação, ao romance realista, dos triângulos amorosos, cuja criação se dera durante o período romântico.
d)
d) manifestação da liberdade que a condição de defunto-autor dava a Brás Cubas, permitindo-lhe tratar de assuntos proibidos em sua época.
e)
e) crítica à devassidão que grassava entre as famílias da elite do Império, em particular, na Corte.
Resolução

a) Incorreta. É tradicional a vinculação de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” à escola literária realista, e não naturalista. Do excerto, não se pode pressupor uma relação de determinação entre as características biológicas dos seres humanos e suas relações.

b) Correta. O capítulo deixa claro que o episódio do beijo entre Brás Cubas e Virgília foi o gatilho (afinal, o amor entre os dois “brotou com tal ímpeto”, isto é, de forma muito intensa e rápida) para uma série de eventos que vieram a desabrochar – “uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres (...), de aflições (...), de cóleras, de desesperos e de ciúmes”. O beijo que os uniu, então, constitui-se apenas o início de tudo aquilo que acontece em seguida, daí a metáfora do livro: analogamente, o prólogo, em relação à totalidade do livro, funciona como elemento introdutório de toda a obra que o sucede. Assim, o “livro” dos amores de Brás Cubas e Virgília a que se refere o enunciado é tudo aquilo que resulta do encontro no portão da chácara: uma vida composta por agitações (ou, segundo a alternativa, “animação”) e pelo “resto, e o resto do resto, que é o fastio [enfado] e a saciedade”. A enumeração de elementos que delineiam essa vida é garantia da intensidade e do prolongamento em relação ao episódio que é compreendido como prólogo.

c) Incorreta. A concepção de triângulo amoroso não é romântica, mas sim realista, momento em que o casamento e as relações amorosas tais como são compreendidas no Romantismo são revistas.

d) Incorreta. É verdade que a condição de defunto-autor permite que Brás Cubas toque em temáticas proibidas, tais como o adultério, central no excerto em destaque na questão. Contudo, é equivocado defender que a metáfora do livro, construída ao longo do fragmento, serve unicamente como manifestação dessa liberdade; antes, ela foi delineada para associar o beijo a todos os eventos que se seguiram a esse episódio.

e) Incorreta. Não existem evidências textuais de uma suposta depravação da corte, quanto mais de uma crítica a ela.