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Questão 18 Línguas

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Questão 18

Figuras de Linguagem conotação metáfora

Poetas e tipógrafos

Vice-cônsul do Brasil em Barcelona em 1947, o poeta João Cabral de Melo Neto foi a um médico por causa de sua crônica dor de cabeça. Ele lhe receitou exercícios físicos, para “canalizar a tensão”. João Cabral seguiu o conselho. Comprou uma prensa manual e passou a produzir à mão, domesticamente, os próprios livros e os dos amigos. E, com tal “ginástica poética”, como a chamava, tornou-se essa ave rara e fascinante: um editor artesanal.

Um livro recém-lançado, “Editores Artesanais Brasileiros”, de Gisela Creni, conta a história de João Cabral e de outros sonhadores que, desde os anos 50, enriqueceram a cultura brasileira a partir de seu quarto dos fundos ou de um galpão no quintal.

O editor artesanal dispõe de uma minitipografia e faz tudo: escolhe a tipologia, compõe o texto, diagrama-o, produz as ilustrações, tira provas, revisa, compra o papel e imprime – em folhas soltas, não costuradas – 100 ou 200 lindos exemplares de um livrinho que, se não fosse por ele, nunca seria publicado. Daí, distribui-os aos subscritores (amigos que se comprometeram a comprar um exemplar). O resto, dá ao autor. Os livreiros não querem nem saber.

Foi assim que nasceram, em pequenos livros, poemas de – acredite ou não – João Cabral, Manuel Bandeira, Drummond, Cecília Meireles, Joaquim Cardozo, Vinicius de Moraes, Lêdo Ivo, Paulo Mendes Campos, Jorge de Lima e até o conto “Com o Vaqueiro Mariano” (1952), de Guimarães Rosa. E de Donne, Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud, Mallarmé, Keats, Rilke, Eliot, Lorca, Cummings e outros, traduzidos por amor.

João Cabral não se curou da dor de cabeça, mas valeu.

(Ruy Castro. Folha de S.Paulo, 17.08.2013. Adaptado.)


Com a frase – tornou-se essa ave rara e fascinante – (1º parágrafo), o autor vale-se de uma



a)
ironia para questionar João Cabral como editor artesanal.
b)
hipérbole para sugerir que João Cabral melhorou após a prensa.
c)
metonímia para atribuir uma ideia de genialidade a João Cabral.
d)
redundância para afirmar que João Cabral poderia dispensar a prensa.
e)
metáfora para externar uma avaliação positiva de João Cabral.
Resolução

a) Incorreta. Não se trata de ironizar João Cabral e/ou sua condição de editor artesanal. Conforme se pode verificar em vários pontos do texto (fim da 3ª linha do 2º §: ‘enriqueceram a cultura brasileira a partir de seu quarto dos fundos’; e ainda a expressão ‘mas valeu’, ao fim do texto, que pode ser lida como um agradecimento do cronista a João Cabral); a ironia é tida como um recurso de linguagem que produz crítica, por meio de um subentendido. Sua percepção depende de um intrincado jogo entre emissor e receptor, em que o segundo reconhece indícios contextuais na mensagem do primeiro.

b) Incorreta. Afinal, além de não ser uma hipérbole, a última frase do texto disse deliberadamente que João Cabral não se curou da dor de cabeça; a hipérbole é entendida como uma construção que produz um sentido exagerado.

c) Incorreta. Além de não ser uma metonímia, o texto não atribui em momento algum ‘genialidade’ a João Cabral; a metonímia é caracterizada como a troca de um nome por outro, com o qual mantenha uma relação semântica de contiguidade (convivem no mesmo campo semântico).

d) Incorreta. Embora se possa admitir algum grau de redundância no elogio feito pelo cronista a João Cabral, tal elogio foi feito a ele, enquanto editor. Portanto, não faria sentido que ele dispensasse a prensa, sem a qual seu trabalho como editor não ocorreria; redundância ou pleonasmo é a repetição de formas sintáticas que se reforçam, muitas vezes sendo considerado um uso equivocado pela gramática tradicional.

e) Correta. De fato, na frase citada, a expressão ‘ave rara’ foi usada em sentido figurado. Poderia tanto ser interpretada como uma metáfora, quanto como uma catacrese e a intenção do cronista ao valer-se de tal expressão é elogiosa. Ou seja, emite/sugere um juízo positivo acerca da figura do editor artesanal (sobretudo, de João Cabral).