O melro veio com efeito às três horas. Luísa estava na sala, ao piano.
– Está ali o sujeito do costume – foi dizer Juliana.
Luísa voltou-se corada, escandalizada da expressão:
– Ah! meu primo Basílio? Mande entrar. - E chamando-a: – Ouça, se vier o Sr. Sebastião, ou alguém, que entre.
Era o primo! O sujeito, as suas visitas perderam de repente para ela todo o interesse picante. A sua malícia cheia, enfunada até aí, caiu, engelhou-se como uma vela a que falta o vento. Ora, adeus! Era o primo! Subiu à cozinha, devagar, — lograda.
– Temos grande novidade, Sr.a Joana! O tal peralta é primo. Diz que é o primo Basílio. - E com um risinho: – É o Basílio! Ora o Basílio! Sai-nos primo à última hora! O diabo tem graça!
– Então que havia de o homem ser se não parente? – observou Joana.
Juliana não respondeu. Quis saber se estava o ferro pronto, que tinha uma carga de roupa para passar! E sentou-se à janela, esperando. O céu baixo e pardo pesava, carregado de eletricidade; às vezes uma aragem súbita e fina punha nas folhagens dos quintais um arrepio trêmulo.
– É o primo! – refletia ela. – E só vem então quando o marido se vai. Boa! E fica-se toda no ar quando ele sai; e é roupa-branca e mais roupa-branca, e roupão novo, e tipóia para o passeio, e suspiros e olheiras! Boa bêbeda! Tudo fica na família!
Os olhos luziam-lhe. Já se não sentia tão lograda. Havia ali muito “para ver e para escutar”. E o ferro estava pronto?
Mas a campainha, embaixo, tocou.
(Eça de Queirós. O primo Basílio, 1993.)
A leitura do trecho de O primo Basílio, em seu conjunto, permite concluir corretamente que essa obra
a) |
a) retrata a sociedade portuguesa da época de forma romântica e idealizada. |
b) |
b) faz um retrato crítico da sociedade portuguesa da época, exibindo os seus costumes. |
c) |
c) faz explicitamente a defesa das instituições sociais, como a família. |
d) |
d) expõe a sociedade portuguesa da época para recuperar a tradição e os vínculos sociais. |
e) |
e) traz as relações humanas de forma idealista, ainda que recupere a ideologia vigente. |
a) Incorreta. A obra se enquadra no período essencialmente realista de Eça de Queirós, que dizia ser o Realismo a escola que faria a “anatomia do caráter humano” em seu conhecido texto Idealismo e Realismo, em que critica o discurso romântico. Ao expor o triângulo amoroso e suas consequências, entende-se (na crítica literária) que Eça pretendia desmascarar o mundo de aparências das elites portuguesas do século XIX.
b) Correta. Eça tece críticas às instituições portuguesas tradicionais em suas obras desse período, como O Primo Basílio, O crime do Padre Amaro, Os Maias. Esse retrato crítico da sociedade se enquadra dentro de seu entendimento escolástico do que seria o Realismo (na França e Inglaterra, Naturalismo). A proposta é revelar o mundo hipócrita e o que se esconde por trás das aparências das inúmeras relações do período.
c) Incorreta. Ao contrário do que afirma a alternativa, Eça não defende as instituições, mas revela a decadência delas.
d) Incorreta. Pelo contrário, os realistas são vistos como denunciadores da sociedade vigente em seu período, e considerados subversivos em relação à ordem e às tradições.
e) Incorreta. As relações humanas são apresentadas de modo a não idealizá-las, em geral com o intuito de subverter a ideologia vigente.