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Questão 40 Unesp 2023 - 2ª fase

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Questão 40

Cidadania (Sociologia) Raça e racismo (Sociologia)

Leia o trecho da entrevista com Frank B. Wilderson, professor de estudos afro-americanos na Universidade da Califórnia.

— O que é o afropessimismo?

— É uma lente de interpretação ou uma forma de teoria crítica. A maioria dos estudos raciais faz uma intervenção que eu chamo de reformista, que é dizer: como as pessoas na Bahia, por exemplo, podem conseguir casas melhores? Estou muito preocupado com essas perguntas. Mas, como um filósofo, um teórico crítico, não é nisso que emprego minha energia. Minha energia está baseada no trabalho do psiquiatra martinicano Frantz Fanon (1925-1961) e diz que, não importa aonde você vá, a negritude gera uma ansiedade para todos. Essa ansiedade é performada e negociada, e vai ser diferente em Nova Iorque e em Havana. Nós sugerimos que a escravidão é uma dinâmica racial que não terminou. Não importa o que digam no discurso consciente, no inconsciente o corpo negro não é considerado um ser humano, mas um recurso para as pessoas.

(Ana Luiza Albuquerque. “Negros não são vistos como humanos, mas objetos, diz autor de ‘Afropessimismo’”. www.folha.uol.com.br, 20.06.2021. Adaptado.)


Nesse texto, o conceito de afropessimismo, elaborado por Wilderson, expressa a



a)

relevância dos estudos cognitivos.

b)

dificuldade de ascenção econômica.

c)

retomada da tradição clássica.

d)

expansão das relações globais.

e)

realização de renovação social.

Resolução

Estudar a condição dos negros e negras nas comunidades é, historicamente e quase que por convenção, uma tarefa da sociologia, que sobretudo a partir das décadas de 1960 e 1970 passa a averiguar a inserção da negritude nas sociedades de classes. Nesse sentido, os estudos quase sempre vão para o campo das estruturas objetivas de discriminação, principalmente às vinculadas ao Estado. 

No entanto, o exercício traz uma abordagem diferente: nos lança no campo das discussões sobre o inconsciente e sua relação com o papel que essa estrutura mental atribui ao negro. Para tanto, essa questão faz menção à Frantz Fanon, psiquiatra marxista que nasceu nas Antilhas francesas, área de exploração colonial ainda no século XX. Nesse cenário:

a) Correta. "A relevância dos estudos cognitivos" é condição fundamental para o entendimento de que, embora o discurso civilizatório consciente seja de igualdade, fraternidade e liberdade, o inconsciente ocidental ainda vê no negro e na negra um corpo objetificado, nascido para o domínio, para o serviço.

b) Incorreta. "Dificuldade de ascensão econômica" não explica o conceito de "afropessimismo", citado no enunciado e decorrente do que acima se leu: as estruturas inconscientes das pessoas e das sociedades ainda fazem leituras objetificadas da negritude. Indicadores econômicos entrariam nos debates mais "clássicos" sobre o tema, representando o que acima foi descrito como "estruturas objetivas de discriminação". 

c) Incorreta. Elaborado pelo Professor Wilderson, da Universidade da Califórnia, o conceito de afropessimismo está longe das concepções clássicas sobre o tema, o que contraria o texto dessa alternativa. Seria uma abordagem clássica aquela que levasse em consideração a dificuldade de negros e negras para o ingresso na universidade, a diferenciação salarial entre brancos e negros, a dificuldade de acesso aos bens e serviços oferecidos pelo Estado, dados da população carcerária, entre outros temas, relacionados ao modus operandi das sociedades de classe.

d) Incorreta. "A expansão das relações globais", de fato, interferiu no aprofundamento das desigualdades, sobretudo entre as "nações negras" e as "nações brancas", por motivos que a economia, a geografia ou a sociologia poderiam demonstrar. Desde os debates econômicos de cunho marxista, sobre a deterioração dos termos de troca, nas décadas de 1950 e 1960, até o ingresso em massa da força de trabalho negra nas relações trabalhistas de baixo valor agregado e alta submissão, aprofundados pelo neoliberalismo dos anos 1990, passando pelos fluxos migratórios de refugiados, tão recentes em nossa época. Entretanto, não é essa a abordagem da questão, motivo pelo qual essa alternativa não pode ser considerada correta.

e) Incorreta. São muitas as renovações sociais, no sentido mais amplo do termo, e uma delas, a título de exemplo, poderia ser o tipo de interação cada vez mais comum em nossos dias: a interação digital. No trabalho, na educação ou em tantas outras fatias sociais essa "renovação" é bastante presente e inevitável. Porém, no que o exercício se propõe a trazer, como reflexão, não há renovação: continuamos, enquando sujeitos e enquanto sociedades, a coisificar a figura do negro e da negra, entendendo-os, pelo menos inconscientemente, como um "recurso".