Nenhum grupo de mulheres brancas conheceu melhor a diferença entre seu próprio status e o status das mulheres negras do que o grupo de mulheres brancas politicamente conscientes e ativistas na luta pelos direitos civis. Ainda assim, várias dessas mulheres deslocaram-se das lutas pelos direitos civis para as lutas pela libertação da mulher e lideraram um movimento feminista em que suprimiram e negaram a consciência sobre as diferenças que viram e ouviram.
Elas entraram para o movimento feminista apagando e negando a diferença, sem pensar em raça e gênero juntos, mas eliminando raça do cenário.
(bell hooks. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras, 2018. Adaptado.)
Ao abordar aspectos do Movimento pelos Direitos Civis nos Estados Unidos da década de 1960, o excerto
a) |
aponta o insucesso das reivindicações de igualdade de raça e gênero e a persistência de padrões históricos de desigualdade na sociedade norte-americana. |
b) |
lamenta a ausência de uma história de mobilizações feministas e negras e de uma disposição das mulheres brancas para atuar em defesa das conquistas de direitos sociais. |
c) |
identifica a ocorrência em paralelo de ações afirmativas das mulheres e dos negros e a falta de conexão entre esses dois campos de reivindicação de direitos. |
d) |
caracteriza a mudança radical por que passou a sociedade norte-americana no período e o nascimento de interconexões entre os movimentos negro e feminista. |
e) |
enfatiza a importância da estratégia política do ativismo feminista e sua influência sobre as mobilizações posteriores de reivindicação de direitos da população negra. |
A história do movimento feminista foi, e continua sendo, importante sob vários aspectos e, também por isso, pode ser visto e classificado de muitas maneiras. Uma dessas classificações divide essa história de luta em três "ondas", ou seja, três momentos distintos, variando de acordo com as pautas sócio-políticas mais importantes, os debates teóricos e suas representantes. Bell Hooks é um nome fundamental da terceira onda feminista, que é conhecida por trazer debates mais "específicos" às mulheres de diferentes recortes sociais: mulheres gays, mulheres trans, mulheres negras, mulheres da periferia e assim por diante. É nesse contexto que o exercício se insere e nele que iremos avaliar as alternativas.
a) Incorreta. O texto não aponta o insucesso das reivindicações feministas. Apenas faz uma abordagem sobre questões que vão sendo construídas, por vezes, de modo independente - o que não significa um "fracasso".
b) Incorreta. Ausência de uma história de mobilizações feministas? De forma alguma. Ausência de uma disposição das mulheres brancas para atuar em defesa das conquistas de direitos sociais.? De forma alguma. Ou seja: há duas informações inverídicas no item, considerando a história do feminismo e o próprio texto. A história do feminismo nos diz que mobilizações, por parte das mulheres, acontecem desde a segunda metade do século XIX, sejam pelas "feministas marxistas", que atuavam junto às indústrias do contexto da revolução industrial, sejam pelas "feministas sufragistas", como Emily Davison. Já o texto, veja só, nos diz que as mulheres brancas fazem suas lutas (por vezes fazem esquecendo a condição de negra de algumas mulheres, mas fazem), e na medida me que fazem, lutam por direitos sociais.
c) Correta. A autora de "O feminismo é para todos" identifica, de fato, que ocorrem ações afirmativas em dois sentidos, que por vezes não se complementam: ações afirmativas das mulheres e para as mulheres e ações afirmativas das negras e negros para as negras e negros. Ou seja, recortes de gênero e raça nem sempre se interseccionam na luta politica por direitos. Para além do excerto que o exercício traz, exemplificamos com outro, que vem da mesma obra: "Mulheres individuais que lutam pela liberdade em todo o mundo já batalharam sozinhas contra o patriarcado e a dominação masculina. Uma vez que as primeiras pessoas no planeta terra não eram brancas, é improvável que as brancas tenham sido as primeiras mulheres a se rebelarem contra a dominação masculina. Em culturas ocidentais patriarcais capitalistas de supremacia branca, o pensamento neocolonial determina o tom de várias práticas culturais. Esse pensamento sempre se concentra em quem conquistou um território, quem tem propriedade, quem tem direito de governar. As políticas feministas contemporâneas não surgiram como resposta radical ao neocolonialismo.
Mulheres brancas com privilégios de classe rapidamente se declararam “proprietárias” do movimento, colocando as mulheres brancas da classe trabalhadora, as brancas pobres e todas as não brancas na posição de seguidoras. Não importou quantas mulheres brancas da classe trabalhadora ou mulheres negras individuais encabeçaram o movimento das mulheres em direções radicais. No fim das contas, mulheres brancas com poder de classe declararam ser donas do movimento, serem líderes, e o resto era um grupo de seguidoras. Relações parasíticas entre as classes ofuscaram questões, nacionalidade e gênero no neocolonialismo contemporâneo. E o feminismo não se manteve indiferente a essa dinâmica" (Hooks, bell. O feminismo é para todos. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018, páginas 75 e 76.
d) Incorreta. bell hooks não mostra interconexões entre os movimentos feministas e os movimentos de negros e negras no excerto citado. Pelo contrário, trata justamente do movimento feminista que eliminou raça do cenário.
e) Incorreta. Ao contrário do que diz a alternativa, o texto não enfatiza (sequer cita) as influências posteriores do movimento feminista sobre as lutas por direitos das populações negras.