Ser cronista
Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no assunto.
Crônica é um relato? É uma conversa? É um resumo de um estado de espírito? Não sei, pois antes de começar a escrever para o Jornal do Brasil, eu só tinha escrito romances e contos.
E também sem perceber, à medida que escrevia para aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo o risco de em breve publicar minha vida passada e presente, o que não pretendo. Outra coisa notei: basta eu saber que estou escrevendo para o jornal, isto é, para algo aberto facilmente por todo o mundo, e não para um livro, que só é aberto por quem realmente quer, para que, sem mesmo sentir, o modo de escrever se transforme. Não é que me desagrade mudar, pelo contrário. Mas queria que fossem mudanças mais profundas e interiores que não viessem a se refletir no escrever. Mas mudar só porque isso é uma coluna ou uma crônica? Ser mais leve só porque o leitor assim o quer? Divertir? Fazer passar uns minutos de leitura? E outra coisa: nos meus livros quero profundamente a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui no jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele fique agradado. Vou dizer a verdade: não estou contente.
LISPECTOR. C. ln: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
No texto, ao refletir sobre a atividade de cronista, a autora questiona características do gênero crônica, como
a) |
relação distanciada entre os interlocutores. |
b) |
articulação de vários núcleos narrativos. |
c) |
brevidade no tratamento da temática. |
d) |
descrição minuciosa dos personagens. |
e) |
público leitor excluviso. |
a) Correta. Vemos como a autora reflete sobre a atividade de cronista tomando por base a escrita de romances e contos, o que ela havia feito até o momento. Partindo desse pressuposto, é possível identificar a preferência da autora pela ligação que ela consegue estabelecer com seus leitores em seus romances e contos. Neles, que atraem leitores realmente interessados naquilo que ela escreve, Clarice Lispector consegue ser profunda e, nesse sentido, ter uma proximidade ou intimidade maior com os leitores. Nas crônicas, a autora parece sentir que deve se manter mais distante, não consegue estabelecer uma “comunicação profunda” com ela mesmo e com o leitor. Sendo assim, é possível afirmar que, a partir da reflexão sobre a escrita de crônicas, a autora questiona esse distanciamento presente numa escrita para um jornal, que se destina a leitores genéricos, com todo tipo de perfil e interesse.
b) Incorreta. Não é possível identificar, no texto apresentado, uma referência a vários núcleos narrativos. Ainda que a autora destaque a fluidez do gênero crônica (relato, conversa, resumo), não há elementos que apontem para núcleos narrativos especificamente.
c) Incorreta. O elemento da crônica que parece incomodar a autora não está associado à temática necessariamente, mas à relação que ela é capaz de estabelecer com quem a lê.
d) Incorreta. Não há nenhuma menção à descrição minuciosa de personagens, e essa não é, de fato, uma característica determinante do gênero crônica.
e) Incorreta. O público leitor da crônica, segundo a autora, é o público que se interessa pelos textos de um jornal, ou seja, é um público formado por pessoas que não têm uma ligação com a escrita dela. Nesse sentido, o público leitor da crônica não é exclusivo.