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Questão 10 Enem 2022 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

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Questão 10

textos híbridos

Ser cronista

    Sei que não sou, mas tenho meditado ligeiramente no assunto.
   Crônica é um relato? É uma conversa? É um resumo de um estado de espírito? Não sei, pois antes de começar a escrever para o Jornal do Brasil, eu só tinha escrito romances e contos. 
    E também sem perceber, à medida que escrevia para aqui, ia me tornando pessoal demais, correndo o risco de em breve publicar minha vida passada e presente, o que não pretendo. Outra coisa notei: basta eu saber que estou escrevendo para o jornal, isto é, para algo aberto facilmente por todo o mundo, e não para um livro, que só é aberto por quem realmente quer, para que, sem mesmo sentir, o modo de escrever se transforme. Não é que me desagrade mudar, pelo contrário. Mas queria que fossem mudanças mais profundas e interiores que não viessem a se refletir no escrever. Mas mudar só porque isso é uma coluna ou uma crônica? Ser mais leve só porque o leitor assim o quer? Divertir? Fazer passar uns minutos de leitura? E outra coisa: nos meus livros quero profundamente a comunicação profunda comigo e com o leitor. Aqui no jornal apenas falo com o leitor e agrada-me que ele fique agradado. Vou dizer a verdade: não estou contente.

LISPECTOR. C. ln: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.


No texto, ao refletir sobre a atividade de cronista, a autora questiona características do gênero crônica, como



a)

relação distanciada entre os interlocutores.

b)

articulação de vários núcleos narrativos.

c)

brevidade no tratamento da temática.

d)

descrição minuciosa dos personagens.

e)

público leitor excluviso.

Resolução

a) Correta. Vemos como a autora reflete sobre a atividade de cronista tomando por base a escrita de romances e contos, o que ela havia feito até o momento. Partindo desse pressuposto, é possível identificar a preferência da autora pela ligação que ela consegue estabelecer com seus leitores em seus romances e contos. Neles, que atraem leitores realmente interessados naquilo que ela escreve, Clarice Lispector consegue ser profunda e, nesse sentido, ter uma proximidade ou intimidade maior com os leitores. Nas crônicas, a autora parece sentir que deve se manter mais distante, não consegue estabelecer uma “comunicação profunda” com ela mesmo e com o leitor. Sendo assim, é possível afirmar que, a partir da reflexão sobre a escrita de crônicas, a autora questiona esse distanciamento presente numa escrita para um jornal, que se destina a leitores genéricos, com todo tipo de perfil e interesse.

b) Incorreta. Não é possível identificar, no texto apresentado, uma referência a vários núcleos narrativos. Ainda que a autora destaque a fluidez do gênero crônica (relato, conversa, resumo), não há elementos que apontem para núcleos narrativos especificamente.

c) Incorreta. O elemento da crônica que parece incomodar a autora não está associado à temática necessariamente, mas à relação que ela é capaz de estabelecer com quem a lê.

d) Incorreta. Não há nenhuma menção à descrição minuciosa de personagens, e essa não é, de fato, uma característica determinante do gênero crônica.

e) Incorreta. O público leitor da crônica, segundo a autora, é o público que se interessa pelos textos de um jornal, ou seja, é um público formado por pessoas que não têm uma ligação com a escrita dela. Nesse sentido, o público leitor da crônica não é exclusivo.