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Questão 29 Enem 2022 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

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Questão 29

textos literários

     Vanda vinha do interior de Minas Gerais e de dentro de um livro de Charles Dickens. Sem dinheiro para criá-la, sua mãe a dera, com sete anos, a uma conhecida. Ao recebê-la, a mulher perguntou o que a garotinha gostava de comer. Anotou tudo num papel. Mal a mãe virou as costas, no entanto, a fulana amassou a lista e, como uma vilã de folhetim, decretou: “A partir de hoje, você não vai mais nem sentir o cheiro dessas comidas!”.

    Vanda trabalhou lá até os quinze anos, quando recebeu a carta de uma prima com uma nota de cem cruzeiros, saiu de casa com a roupa do corpo e fugiu num ônibus para São Paulo. 

     Todas as vezes que eu ou minhas irmãs a importunávamos com nossas demandas de criança mimada, ela nos contava histórias da infância de gata-borralheira, fazia-nos apertar seu nariz, quebrado por uma das filhas da “patroa” com um rolo de amassar pão e nos expulsava da cozinha: “Sai pra lá, peste, e me deixa acabar essa janta!”.

PRATA, A. Nu de botas. São Paulo: Cia. das Letras, 2013 (adaptado).


Pela ótica do narrador, a trajetória da empregada de sua casa assume um efeito expressivo decorrente da



a)

citação a referências literárias tradicionais

b)

alusão à inocência das crianças da época.

c)

estratégia de questionar a bondade humana.

d)

descrição detalhada das pessoas do interior.

e)

representação anedótica de atas de violência.

Resolução

a) Correta. Desde o início do trecho apresentado, o narrador traz referências literárias tradicionais para se referir a Vanda, afirmando que ela parecia ter vindo “de dentro de um livro de Charles Dickens” e que teve uma infância de “gata-borralheira”, por exemplo. Fica claro, então, que o narrador enxerga a trajetória da empregada de sua casa como digna de um livro. É possível ainda reconhecer a leitura de que as privações vividas por Vanda eram muito distantes da realidade do narrador, já que ele tinha “demandas de uma criança mimada”, o que reforça a noção de que era uma trajetória surpreendente.

b) Incorreta. No texto não há referência à “inocência” que as crianças tinham em determinada época.

c) Incorreta. O texto não problematiza os atos de bondade das personagens. As ações maldosas estão presentes, mas aparecem apenas como um pano de fundo para a trajetória de Vanda.

d) Incorreta. O texto descreve a trajetória de uma pessoa específica, Vanda, e não de “pessoas do interior” de modo generalizado.

e) Incorreta. Os atos de violência presentes na narrativa, como a menção ao nariz quebrado com um rolo e o próprio trabalho infantil, não são expostos de modo anedótico pelo narrador. Essas memórias parecem até descritas de maneira mais leve pela própria Vanda, que conseguia ressignificar, em certa medida, as violências sofridas, mas essa não é a percepção do narrador sobre o que a empregada havia enfrentado ao longo da vida.