Logo ENEM

Questão 73 Enem 2022 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

Carregar prova completa Compartilhe essa resolução

Questão 73

Alta Idade Média

Ainda que a fome ocorrida na Itália em 536 tenha origem nos eventos climáticos, suas implicações são tanto políticas quanto econômicas. Nos primeiros séculos da Idade Média, o auxílio aos famintos se inscreve no domínio da gestão pública, mesmo quando a ação de seus agentes é apresentada sob o ângulo da piedade e da caridade individuais, como é o caso da Gália merovíngia. Assim, o fato de que as respostas à fome são mostradas, na Gália, como o fruto de iniciativas pessoais fundadas no imperativo da caridade deriva da natureza das fontes do século VI.

SILVA, M. C. Os agentes públicos e a fome nos primeiros séculos da Idade Média.

Varia Historia. n. 60, set.- dez. 2016 (adaptado).


Na conjuntura histórica destacada no texto, o dever de agir em face da situação de crise apresentada pertencia à jurisdição



a)

da nobreza, proveniente da obrigação de proteção ao campesinato livre.

b)

da realeza, decorrente do conceito de governo subjacente à monarquia cristã.

c)

dos mosteiros, resultante do caráter fraternal afirmado as regas monásticas.

d)

dos bispados, consequente da participação dos clérigos nos assuntos comunitários.

e)

das corporações, procedente do padrão assistencialista previsto nas normas estatutárias.

Resolução

a) Incorreta. Embora a relação feudal entre nobres e camponeses sugerisse uma obrigação de proteção dos senhores com seus servos, a alternativa é imprecisa ao sugerir que tal proteção se estendia ao "campesinato livre". Afinal, um dos pressupostos básicos do regime de servidão feudal é justamente a vinculação do camponês à terra e sua submissão ao senhor, condições incompatíveis com uma suposta  "liberdade" experimentada pelo campesinato.

b) Correta. Ainda que a historiografia tradicional saliente a virtual inexistência de um poder central na Alta Idade Média, o texto base vai na contramão desse argumento ao destacar a atuação de "agentes públicos" no combate à fome. Ao analisar cartas referentes à crise alimentar na Itália e na Gália Merovíngia, o historiador Marcelo Cândido da Silva (autor do texto base) identifica um esforço das autoridades públicas em tentar mitigar o impacto da fome nas províncias atingidas em seu reino. Para tal, tomavam medidas como a redução de impostos em alimentos, o estabelecimento de uma logística para o transporte de víveres entre províncias vizinhas ou mesmo o confisco de tributos destinados à Igreja para responder à calamidade. Neste último caso, o rei Clotário teria ordenado na Gália “a todas as igrejas do reino que vertessem um terço de suas rendas ao fisco" (p. 792 do artigo), o que gerou mesmo um descontentamento por parte do clero afetado pela medida. Portanto, segundo o argumento do autor, nota-se uma expectativa pública de ação da realeza para responder à crise vivida, sendo, portanto, uma incumbência vinculada à sua jurisdição.
Nota: O trecho apresentado pelo exercício fornece instrumentos insuficientes para que o(a) estudante chegue seguramente na presente conclusão. Afinal, não há informações adequadas sobre o que exatamente seria a "gestão pública" citada pelo texto, tampouco quem seriam seus “agentes”. Tais aspectos são importantes para a solução do exercício e somente são esclarecidos na devida consulta ao artigo do historiador.

c) Incorreta. O dever de ação em situações de crise não recaíam aos mosteiros, isto é, centros de ordens religiosas que abrigavam aqueles que se dedicavam à vida monástica. Além do dever de resposta a tais situações não recair nesses religiosos eremitas, a alternativa comete uma generalização ao sugerir que todos os mosteiros apresentam um "caráter fraternal afirmado" em suas regras, tendo em vista que havia uma grande diversidade de rotinas, objetivos e mesmo de relação com o mundo exterior entre os diferentes mosteiros.

d) Incorreta. No artigo mencionado pelo exercício, para demonstrar a existência efetiva de auxílio dos reis aos pobres na época merovíngia, o autor cita o caso do rei Clotário, na Gália merovíngia. Aqui, o rei teria ordenado a todas as igrejas do reino que vertessem um terço de suas rendas ao fisco. Enquanto todos os bispos, contra sua vontade, consentiram e assinaram esse decreto […]" (p. 792). A necessidade de ação do rei por meio de decreto revela que a expectativa de ação nas situações de crises de fome recaía principalmente sobre a jurisdição do poder real, e não exatamente do bispado. Além disso, no mesmo artigo, Cândido analisa o relato de Gregório de Tours, no qual ele menciona as ações de um bispo que, embora tenha realizado obras para combater a calamidade da fome analisada, enfatiza que  sua “decisão de ajudar os pobres seria uma iniciativa individual do bispo, com o testemunho de Deus" (p. 788).

e) Incorreta. As corporações eram associações que reuniam trabalhadores de um determinado ofício durante a Idade Média, tendo um importante papel na organização das relações de trabalho e na regulamentação da produção no interior das cidades medievais. Embora a organização jurídica das corporações previsse a existência de uma estrutura de amparo social aos membros da instituição, essa era destinada exclusivamente a seus associados, não sendo da jurisdição das corporações a atuação pública em situações de crises generalizadas. Além disso, vale ressaltar que as corporações de ofício tiveram seu maior destaque e desenvolvimento entre os séculos XI e XV, ou seja, período posterior à crise mencionada na questão.