LOPES, David. “The destruction of the Kingdom of Kongo”. Civil Rights Journal (Vol. 6, Issue 1). p. 35. Winter 2002.
O reino do Congo se formou a partir da mistura, por meio de casamentos, de uma elite tradicional com uma elite nova, descendente dos estrangeiros que vieram do outro lado do rio. Isso ocorreu no início do século XV, e quando os portugueses a ele chegaram (o primeiro contato se deu em 1483), encontraram uma sociedade hierarquizada, com aglomerados populacionais que funcionavam como capitais regionais e uma capital central, na qual o mani Congo, como o obá do Benin e muitos outros chefes de grupos diversos, vivia em construções grandiosas, cercado de suas mulheres e filhos, conselheiros, escravos e ritos.
SOUZA, Marina de Mello e. África e Brasil africano. São Paulo: Ática, 2008. p. 38.
A partir da leitura da imagem e do texto, responda às questões a seguir:
a) De que forma a caracterização do reino do Congo como uma sociedade hierarquizada é representada na imagem?
b) Cite dois elementos da imagem que remetem a símbolos europeus de realeza.
c) Como a imagem representa as relações entre as nações europeias e os reinos africanos no início da Idade Moderna?
a) A imagem traz aspectos que representam a lógica hierarquizada da sociedade do reino do Congo do século XVII, sendo que esse reino esteve atuante entre os séculos XIV e XIX. A composição imagética traz o mani Congo - nome pelo qual eram conhecidos os líderes do reino - em uma posição superior, estando em uma estrutura armada como se fosse um palanque no qual ele poderia conceder suas audiências. Ao redor do líder podem ser identificadas pessoas que o servem ou lhe são próximas, como membros da família ou funcionários do reino. Na posição inferior estão presentes súditos, em posição de submissão, como se implorassem algo ao soberano, o que estrutura uma clássica imagem de diferença hierárquica. Próximos aos indivíduos que se arrojam ao chão encontram-se os portugueses que travam audiência com o mani Congo. Os portugueses encontram-se de pé, mas um deles, provavelmente o representante do grupo, está de joelho dobrado, prestando honras ao governante. Dessa forma, até os portugueses, promotores de empreendimentos coloniais, são retratados em posição hierarquicamente inferior ao mani Congo, como se soubessem claramente que estão em seu território e existe um protocolo a ser seguido. Há também outros indivíduos representados, como os que estão próximos aos portugueses, e aparentam ser súditos louvando seu líder ou os que se encontram em uma entrada ao lado do palanque onde está instalado o mani Congo, que são indivíduos armados que podem representar a guarda do soberano. Ao fundo da imagem, uma série de pessoas encontra-se em fila, representando tanto demais súditos quanto pessoas escravizadas, reforçando relações de hierarquia político-social, seja entre súdito e soberano seja entre senhor e escravizado.
b) Alguns símbolos europeus ligados à realeza foram utilizados na imagem, demonstrando uma opção de representar a hierarquia do reino do Congo com elementos presentes no imaginário da Europa. Entre os elementos, podem ser citados: o cetro segurado pelo mani Congo; a coroa utilizada pelo soberano, que possui a forma das coroas usuais entre a monarquia europeia da Idade Moderna; a presença de um objeto em formato de cruz aos pés do líder, evocando simbologia católica; as vestimentas das pessoas próximas ao mani Congo, que não se distanciam do padrão da Europa moderna; os detalhes arquitetônicos e a forma como o palanque que abriga o soberano está caracterizado, com um cortinado e detalhes estéticos próximos do cerimonial monárquico do Antigo Regime; a estrutura da audiência, na qual o súdito requisita algo ao líder e aguarda pela concessão ou não de seu pedido, algo presente nos reinos da Europa.
c) A imagem representa as relações entre as nações europeias - no caso específico, Portugal - com os reinos africanos do ponto de vista da diplomacia ou da negociação. Como a representação é feita mostrando os portugueses requerendo uma audiência ao mani Congo, em posição inferior a ele, sendo que o representante da delegação portuguesa inclusive curva-se diante do soberano africano, o que transparece na imagem é uma adesão dos portugueses aos ritos formais e ao cerimonial congoleses. Há um reconhecimento expresso de que o território é controlado pelo mani Congo e suas prerrogativas devem ser levadas em conta, mesmo por um império colonial como Portugal. Inclusive um acordo com um governante africano tão poderoso poderia potencializar os ganhos comerciais de Portugal, já que novas rotas poderiam ser estabelecidas e novos mercados poderiam ser atingidos. O reino congolês possuía mercados importantes, com produtos como sal, metais e tecidos. Essa possibilidade de ganho pode ser estendida também ao Congo, já que o reino poderia vender escravizados a Portugal, o que foi realizado. As relações de Portugal com a África foram fundamentais para seu projeto colonial, inclusive para a América, para onde a maioria absoluta dos escravizados capturados ou adquiridos na África eram enviados. A expansão marítima portuguesa é marcada por eventos como a tomada de Ceuta, em 1415, ou seja, um território ao norte da África. Ao longo do século XV outros territórios foram garantidos, como Cabo Verde e São Tomé, enquanto entrepostos comerciais vão sendo estabelecidos na costa africana. A partir da tomada de Angola, em finais do século XV, Portugal foi expandindo sua influência no continente africano, e um dos locais que atingiram foi o reino do Congo. Não houve a dominação do tradicional reino do Congo, como os portugueses realizaram em outros territórios, embora uma tentativa de conversão generalizada ao cristianismo tenha sido feita, mas sim o estebelecimento de relações diplomáticas e comerciais. A proximidade entre os dois reinos se estreita principalmente a partir de 1485, sendo que houve inclusive a conversão de alguns membros da corte do Congo ao catolicismo, como gesto de aproximação a Portugal. O mani Congo Nzinga a Nkuwu chegou a se converter ao cristianismo, sendo rebatizado como João I. Houve também a adoção de alguns costumes e cerimoniais portugueses, o que nos ajuda a entender também de maneira mais completa as razões pelas quais a imagem contida na questão representa a monarquia do Congo com uma simbologia próxima das monarquias europeias.