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Questão 0 Fuvest 2023 - 2ª fase

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Redação

Redação Texto Dissertativo

Texto 1

As últimas décadas vêm sendo marcadas por diversas crises humanitárias a acometer diversas partes do globo, sejam elas guerras, desastres naturais ou doenças. Tais crises acabam por ser responsáveis por uma das situações mais graves, complexas e urgentes a serem solucionadas no mundo, que é a crise de refugiados, um dos maiores desafios da história recente. Apesar de as guerras e conflitos terem ganhado certo destaque e relevância como os grandes agentes causadores de tal fenômeno, esses fatores, apesar de importantes, não formam a principal causa de grande parte do êxodo de refugiados. Ao contrário do senso comum, grande parte dos deslocamentos forçados e refúgios no mundo se dão por desastres naturais como alagamentos, terremotos, vulcões ou ciclones.

https://aun.webhostusp.sti.usp.br/. Adaptado.

Texto 2

  

Texto 3

Êxodos. Sebastião Salgado.

Texto 4

Aproximavam-se agora dos lugares habitados, haveriam de achar morada. Não andariam sempre à toa, como ciganos. O vaqueiro ensombrava-se com a ideia de que se dirigia a terras onde talvez não houvesse gado para tratar. Sinhá Vitória tentou sossegá-lo dizendo que ele poderia entregar-se a outras ocupações, e Fabiano estremeceu, voltou-se, estirou os olhos em direção à fazenda abandonada. Recordou-se dos animais feridos e logo afastou a lembrança. Que fazia ali virado para trás?

Vidas Secas. Graciliano Ramos.

Texto 5

Um relatório do Banco Mundial projeta que até o ano de 2050 poderá haver mais de 17 milhões de latino-americanos (2,6% dos habitantes da região ou o equivalente à população do Equador) deslocados pela mudança climática se não forem tomadas medidas concretas para frear seus efeitos. “Os migrantes climáticos se deslocarão de áreas menos viáveis, com pouco acesso à água e produtividade de cultivos, e de áreas afetadas pela elevação do nível do mar e pelas marés de tempestade”, diz o documento. As áreas que sofrerão o golpe mais duro, acrescenta, são as mais pobres e vulneráveis.

https://brasil.elpais.com/internacional/.

Texto 6

Somos alertados o tempo todo para as consequências das escolhas recentes que fizemos. E se pudermos dar atenção a alguma visão que escape a essa cegueira que estamos vivendo no mundo todo, talvez ela possa abrir nossa mente para alguma cooperação entre os povos, não para salvar os outros, para salvar a nós mesmos.

Ideias para adiar o fim do mundoAílton Krenak. Adaptado.


Considerando as ideias apresentadas nos textos e também outras informações que julgar pertinentes, redija uma dissertação em prosa, na qual você exponha seu ponto de vista sobre o tema: Refugiados ambientais e vulnerabilidade social.

Instruções:

  • A dissertação deve ser redigida de acordo com a norma padrão da língua portuguesa.
  • Escreva, no mínimo, 20 linhas, com letra legível e não ultrapasse o espaço de 30 linhas da folha de redação.
  • Dê um título a sua redação.


Comentários

O tema de redação do vestibular 2023 da Fuvest coloca o candidato diante da seguinte discussão: Refugiados ambientais e vulnerabilidade social. A conjunção “e” não tem apenas a função de estabelecer uma relação aditiva entre as noções de refugiados ambientais e vulnerabilidade social, mas institui a necessidade de o candidato refletir sobre as possíveis vinculações/implicações entre a conhecida crise ambiental mundial e suas consequências para a sociedade. Sendo assim, a própria frase-tema já apresenta o desdobramento que deve ser discutido: os movimentos de refugiados. Ademais, já fica estabelecido um recorte temático importante, a saber, o de que os problemas ambientais não afetam a todos da mesma maneira, pois são sistematicamente mais cruéis com aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social, em outras palavras, na pobreza, na miséria.

A análise mais detida da frase-tema, então, já enuncia uma possibilidade bastante produtiva de projeto de texto para o candidato, que seria o estabelecimento e a análise de relações de causa e consequência entre danos ao meio ambiente, refugiados e desigualdade social. Vale acrescentar aqui que a própria página virtual da Fuvest enuncia a expectativa de que o candidato chegasse à relação acima mencionada: “Com a proposta, a FUVEST espera que os candidatos reflitam a respeito dos deslocamentos forçados por desastres ambientais, como também por aqueles causados pelas mudanças climáticas, que afetam principalmente grupos sociais mais vulneráveis e causam crises humanitárias.” (Disponível em https://www.fuvest.br/fuvest-2023-fuvest-divulga-tema-da-redacao-do-vestibular-2023/, consultado em 08/01/2023).

Para auxiliar o aluno em seu processo de escrita, a proposta disponibilizou uma coletânea de textos bastante eficaz. O excerto 1 já começa descontruindo o lugar comum de que a movimentação de refugiados se dá essencialmente em virtude de guerras ou doenças, pois apresenta os desastres naturais – e, por que não dizer? Crimes ambientais –, como secas, alagamentos e deslizamentos, enquanto o principal motivo para que os deslocamentos forçados aconteçam. Com isso, o aluno é levado a refletir sobre o fato de que a crise ambiental é uma crise humanitária.

Com o texto 2, tem-se uma quantificação da discussão, o que é sempre interessante para traçar o tamanho da problematização em questão. O gráfico, divulgado pelo portal G1, revela que até 2050, ou seja, em menos de 30 anos, o mundo poderá ter 216 milhões de migrantes por causa do clima. De saída, observa-se a urgência da questão, afinal as consequências não são para um longínquo futuro, mas para os próximos anos. Além disso, o verbo “poderá” ajuda o candidato a refletir sobre o fato de que há possibilidade de interromper tal processo, o que pode levá-lo a discutir acerca de quem são os responsáveis pelo atual estado de coisas e também sobre as possibilidades de alterar tal previsão. Ademais, o gráfico revela que a principal região afetada será a África subsaariana, o que está longe de ser mera coincidência e o que já evoca o recorte “vulnerabilidade social”, uma vez há também a previsão de que, até 2030, nove de dez pessoas em extrema pobreza no mundo viverão nessa parte do continente africano. (https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/599301-africa-subsaariana-63-da-populacao-das-areas-urbanas-nao-tem-acesso-a-possibilidade-de-lavar-as-maos-entrevista-especial-com-raphael-bicudo, consultado em 08/01/2023.).

Já o texto 3 é uma imagem do livro “Êxodos”, do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, publicado em 1999 e que retrata movimentos de emigração – como o próprio título revela - por todo o planeta. Vale notar que a fotografia e o gráfico estão profundamente relacionados e materializam de forma verbal e não verbal a discussão sobre vulnerabilidade social, afinal, os emigrantes fotografados, assim como os habitantes da África subsaariana, são indivíduos atingidos pela pobreza- o que se nota pela ausência de pertences -, e também pela hostilidade do clima - dada a notória aridez da paisagem por onde o grupo retratado caminha.

O texto 4, por sua vez, descreve a situação de uma família que poderia ser exatamente aquela fotografada por Sebastião Salgado, entretanto, trata-se de uma família brasileira. O excerto de Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos (1892 – 1953), traz a discussão para o nosso contexto e demonstra que estamos e sempre estivemos vulneráveis às questões ambientais – como a seca. O romance em questão ainda esclarece com maestria – como a proposta objetiva discutir – que o problema não atinge a todos, afinal, é a miserável família de Fabiano que mais sofre com a ausência de chuvas e que se vê obrigada a deslocar-se de um lugar para outro em busca de condições ambientais mais favoráveis, que possibilitem o arrefecimento de sua pobreza, por meio da criação de gado e do plantio. O trecho de Vidas Secas é interessante para suscitar outros livros ou mesmo obras audiovisuais de temática parecida e que poderiam ser adicionados à discussão pelo candidato.

A regionalização da discussão continua no texto 5, que traz os dados de um relatório do Banco Mundial com projeções para a América Latina. De acordo com o texto, uma série de problemas ambientais levarão uma quantidade de indivíduos equivalente à população do Equador a se deslocar forçadamente. Ou seja, o prognóstico não é animador, no futuro – assim como no passado e no presente – outros Fabianos serão obrigados a emigrar junto de suas famílias, sujeitos a todos os problemas decorrentes desse processo, como a xenofobia e a falta de políticas públicas de acolhimento e permanência de refugiados.

O texto 6, do pensador indígena Aílton Krenak, fecha a coletânea e funciona como um alerta: nada do que os excertos anteriores apontam configura uma novidade, mas devido a interesses particulares – notadamente financeiros – nenhuma medida eficaz é realmente implementada para evitar que populações já vulneráveis sofram ainda mais com a crise ambiental. Krenak aponta para a necessidade de uma cooperação entre os povos para que possamos salvar a nós mesmos, já - no momento presente - e não as gerações futuras (como se pensa costumeiramente quando são discutidos problemas ambientais), uma vez que o problema é da ordem do dia e não apenas do porvir.